• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 OS SABERES E OS FAZERES MANUAIS: OS ARTEFATOS DAS

2.2 CONHECENDO OS ARTEFATOS DAS EXPOSIÇÕES ESCOLARES 106 

2.2.2 Os artefatos produzidos pelos alunos e alunas 117 

Os artefatos produzidos pelos alunos da escola primária no início do século XX, como já mencionamos, eram elaborados nas disciplinas de Trabalhos Manuais e Trabalhos de Agulha. Eram produzidos os mais variados tipos de artefatos, quais sejam: roupas, almofadas, toalhas de mesa, biombos em madeira, porta-retratos, variados bibelôs, desenhos, mapas, abajures, entre outros, bem como os cadernos escolares.

O jornal “O Dia”, de 08 de junho de 1928, menciona os objetos da exposição dos trabalhos escolares do Grupo Escolar Manoel Euphrasio:

(...) a das alunas – figuravam: vinte e uma almofadas, de diversos tamanhos, confeccionados em cetim, linho, brim e étamine, com variados desenhos e pontos diversos; toalhas “centros de mesa” á Richelieu, bordados cheios, pontos em cruz; toalhas em aplicação sobre linho e talagarça; fronhas, toalhas de rosto e de louça, cozinheiras; jogos para a sala de jantar, variados, com bainhas e bordados diversos acompanhadas dos respectivos guardanapos; um lote de costuras a mão composto de vestidos para meninas e crianças de colo, combinações, camisolinhas, vestidinhos para bonecas, porta-camisolas, etc. (O DIA, 08/06/1928, p. 04, grifos nossos).

A Figura 25, abaixo, nos permite entender a constituição desse conjunto de artefatos escolares produzidos pelas alunas, que eram basicamente artefatos produzidos na disciplina de Trabalhos de Agulha.

FIGURA 25 - EXPOSIÇÃO ESCOLAR – GRUPO ESCOLAR DO PARANÁ

FONTE: Museu Paranaense – Grupo Escolar do Paraná, s/d.

almofadas vestido boneca cestinhas abajour toalhas de mesa bordadas tapete bolsa-macramê

118

Embora a Figura 25 não seja do Grupo Escolar Manoel Euphrasio, destacamos os artefatos em exposição para frisar que na grande maioria das Exposições Escolares existia um grande número de artefatos elaborados pelas alunas. No entanto, não há menção dos seus nomes. A mesma reportagem do jornal O Dia de 08 de junho de 1928, identifica os diferentes artefatos executados pelos alunos do Grupo Escolar Manoel Euphrasio e ainda os qualifica como sendo de “elevado gosto e perfeição”:

(...) Entre os inúmeros objetos desta secção destacavam-se e foram muito admirados os seguintes: um porta-tinteiro, que é ao mesmo tempo porta- caneta e porta-retratos, de autoria do aluno Hugo Vieira – que é uma revelação artística; dois porta-retratos de Pedro Dal Lia e Telemaco Chrysótomo; vinte e três abajures, de imbuia, com incrustações, todos relevando muito gosto e acentuada perfeição. Estes iluminados atraiam a atenção dos visitantes e, á noite, davam, ao salão da exposição, deslumbrante efeito feérico. (O DIA, 08/06/1928,p. 04, grifos nossos).

Nota-se, que apesar da diversidade de trabalhos de agulha em exposição elaborados pelas alunas não há menção dos seus nomes, ao contrário, a reportagem destaca apenas os nomes dos alunos. Há uma “invisibilidade” das alunas e dos artefatos produzidos por elas. O fato é recorrente nas reportagens, como podemos observar em outro conjunto de artefatos em Exposição, que eram chamados de trabalhos gráficos, na Figura 26, abaixo:

FIGURA 26 - EXPOSIÇÃO ESCOLAR DO CENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA - 1922

119

Identificamos a descrição desta exposição acima no jornal Diário da Tarde, do ano de 1922. A Exposição Escolar do 4º ano masculino sob a direção da professora Maria Ermelina e Silva que fazia parte das Exposições Escolares com os demais grupos escolares que ocorreram por ocasião das festividades do Primeiro Centenário da Independência. Menciona a reportagem:

Do 4º ano masculino, sob a direção da professora d. Maria Ermelina e Silva, notam-se, em 1º lugar, a miniatura de uma casa executada pelos meninos Antonio Costa e Joaquim Queiroz, com todas as peças: sala de jantar, copa, cozinha e toalete, um bem trabalhado biombo de imbuia, recortado a serrinha, em silhuetas e dois quebra-luzes de belo efeito. Notam-se grande número de trabalhinhos de muito bom gosto feitos á serrinha, pintura á pena sobre vidro, desenhos em quantidade, mapas de todas as partes do mundo com exclusão á Oceania; interessante coleção das bandeiras do Brasil, desde o descobrimento até á Republica, etc. (DIARIO DA TARDE,14/09/1922, p.04 , grifos nossos).

A Figura 26 traz um exemplo de como eram realizadas as exposições dos desenhos e dos trabalhos gráficos dos alunos. O Desenho, segundo Rosa Fátima de Souza, “não se constituía como uma ciência e sim como um conhecimento prático vinculado às artes e à indústria.” (2008, p. 29). Ainda, baseando-se nas considerações de Buisson (1887), Souza (2008, p. 30) destaca que o ensino do desenho foi se tornando imprescindível no currículo da escola primária, pois constituía a base de todas as indústrias e de todos os ofícios..

Nas Exposições Escolares também eram colocados para avaliação do público os cadernos de caligrafia, ditados, etc. O livro de Carlos A. Gomes Cardim, intitulado “As

commemorações cívicas e as festas escolares”, publicado em 1916, pertencente ao acervo do

Memorial Lysimaco Ferreira da Costa, indica um conjunto de possibilidades de textos que poderiam constar nos cadernos escolares; um manual que “facilitaria” o trabalho do professor, como por exemplo, indica Cardim:

TIRADENTES 1º ano Copia

O nome de Tiradentes era Joaquim José da Silva Xavier. Nasceu em Portugal no ano de 1748 e morreu no Rio de Janeiro no dia 21 de abril de 1792.

2º ano Copia 3ºano Ditado

Comemora-se hoje, a gloriosa data em que foi morto o grande brasileiro Joaquim da Silva Xavier, que tinha por alcunha Tiradentes.

Tiradentes morreu enforcado por ter sido o chefe de uma conspiração que devia tornar o Brasil independente e livre.

Tiradentes nasceu em Pombal no ano de 1748 e morreu, no dia 21 de abril de 1792, enforcado na Praça da Lampadosa, no Rio de Janeiro.

120

O corpo de Tiradentes foi esquartejado e sua cabeça fincada em um poste em Vila-Rica.

Salve o inolvidável Tiradentes. (CARDIM, 1916, p. 7-8).

O autor também orientava metodologicamente a utilização do “Trecho Histórico” para ser utilizado em outras ocasiões, como nas Festas Cívicas: “O professor deve dar, para cada aluno, um trecho para decorar, depois de explicá-lo convenientemente. Os trechos serão recitados na ordem em que estão. Este exercício de declamação pode ser dado para os alunos dos dois primeiros anos do curso preliminar.” (CARDIM, 1916, p. 08).

De acordo com Viñao Frago (2008, p. 15), “(...) os cadernos escolares são, ao mesmo tempo, uma produção infantil, um espaço gráfico e um produto da cultura escolar”. Os cadernos também tinham diferentes usos e tipos, no caso dos cadernos em exposição eram denominados cadernos de temporada. Viñao Frago (2008, p. 21, grifos nossos) destaca: “O

caderno de temporada, realizado normalmente de fevereiro a junho com vistas à exposição escolar de final de curso”.

O Inspetor Geral da Instrução Pública, Cesar Prieto Martinez, no Relatório enviado ao Secretário Estado, em 1921, ressalta: “vai desaparecendo entre nós o tale de letra que caracterizava a escola antiga. Os belos traslados, feitos com verdadeiro interesse, muito uniformes e sem borrão, desapareceram das nossas escolas. O que se vê hoje em dia causa lastima: caligrafia deselegante e páginas raríssimamente limpas.” (MARTINEZ, Relatório, 1921, p. 27). Daí sugere que os cadernos escolares passem a compor as Exposições Escolares ao final do letivo.

Almofadas, toalhas de mesa, tapetes, vestidos, roupas, biombos, cadernos, desenhos, mapas, etc. A elaboração e posterior exposição desses artefatos sofreram inúmeras críticas de alguns intelectuais, dentre eles, destacamos a professora, poetisa e uma das signatárias do

Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, Cecília Meireles.

Cecília Meireles entre os anos de 1930 a 1933 dirigiu no Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, a coluna denominada Página de Educação. Diariamente publicava suas crônicas sobre vários temas de educação, dentre eles as Exposições Escolares, dizia: “quem percorrer as escolas no fim do ano para ver ficará surpreendido, ‘se souber olhar’, com a quantidade de coisas inúteis que aparecem e se dão como executadas pela escola” (AZEVEDO FILHO, 2017, p. 37 – MEIRELES, DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 10/12/1930). Mais adiante afirma:

Primeiro: almofadas. Almofadas de tudo: de cetim Royal e de veludo, de linho e de gaze, de tussor e de feltro. Até a percalina, recortada, eu já vi! E até de papel crepom...

121

Depois, essa praga de abajures... Fazem-no de tudo: montados em arame, rendinhas, babadinhos, pinturas a bico de pena, a óleo, com areia, com figuras de decalcomania, com franjas de vidrilho, de contas, de feijão colorido, de tubos de injeção vazios, - uns de pé, que geralmente ficam desequilibrados sobre a haste, como saias do século XVIII; outros para cima de mesa, com lacre de todas as cores...

E, além de almofadas e abajures, uma infinidade de paninhos de renda, de seda, de linho etc, etc, recortados, bordados, pintados, perfurados, - para a mesa, para a penteadeira, para as cadeiras, para mil lugares absurdos que a gente não é capaz de adivinhar...

Chamam a isso - arte... (AZEVEDO FILHO, 2017, p. 37-38 - MEIRELES, DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 10/12/1930).

Cecília Meireles tece críticas aos artefatos em exposição, chegando a afirmar que eram artefatos mal elaborados e de gosto duvidoso. Finaliza ironizando se os artefatos escolares eram objetos de arte. Mas adiante, também questiona a finalidade das disciplinas de Trabalhos Manuais e Trabalhos de Agulha, quando afirma: “a escola primária, como o nome está declarando, não é nem pode ser profissional... Os trabalhos infantis da escola primária não podem, por sua vez, pretender ser coisa especializada.” (AZEVEDO FILHO, 2017, p. 37 - MEIRELES, DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 10/12/1930.). É certo que, como uma das signatárias do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova - publicado em 1932, a tônica era demonstrar a ineficiência, a precariedade e o atraso do ensino primário. No entanto, de acordo com Souza,

(...) a introdução de saberes profissionais no ensino primário foi vista como parte imprescindível da formação integral dos cidadãos. Mas o modo como esses saberes foram incorporados nos programas de ensino e recebidos (quiçá praticados) pelos professores revelam as tensões e ambiguidades entre as justificativas políticas e educacionais em favor de algumas matérias, tendo em vista suas contribuições para a constituição das nações modernas e a legitimidade social. (SOUZA, 2008, p. 64).

Vamos também observar críticas similares nos jornais do Paraná referente às Exposições Escolares e as disciplinas de Trabalhos Manuais e Trabalhos de Agulha. A reportagem do jornal O Dia, ao tratar do tema da assistência dentária escolar, menciona: “Dêm-se dentistas às crianças. Restabeleçam-se os gabinetes dentários nas escolas, mais úteis que as aulas de canto e as oficinas de marcenaria, onde serrinha em punho, fazem-se trabalhos para as inutilíssimas exposições escolares.” (O DIA, 22/09/1933, grifos nossos). Considerando esses embates políticos de aceitação e consolidação das disciplinas, “o Desenho gozou de uma aceitação inconteste, talvez por estar associado à escrita e à formação estética. Já os Trabalhos Manuais e o ensino agrícola tiveram trajetórias contestadas.” (SOUZA, 2008, p. 64).

122

A quiçá de uma conclusão desse capítulo, que trata da participação das disciplinas de Trabalhos Manuais e Trabalhos de Agulha na constituição das Exposições Escolares, consideramos que a despeito das críticas, sobretudo nos anos de 1930, os primeiros anos da República, “os trabalhos manuais foram inseridos nos programas do ensino primário com uma finalidade educativa de caráter geral. Tratava-se menos de aprender um trabalho específico e mais os princípios gerais do ofício.” (SOUZA, 2008, p. 64). Também é preciso destacar que o currículo escolar foi sofrendo alteração ao longo do século XX, ou seja, “saberes antes considerados fundamentais para a formação do homem foram substituídos por outros. Mudanças sociais e culturais redundaram em novas exigências para a escolaridade.” (SOUZA, 2008, p. 12). Mas, a prática das Exposições Escolares ainda se faz presente nas escolas, obviamente com novas denominações (Mostra, Feira de Ciências, etc) e outros objetivos.

O próximo capítulo trata da participação das Exposições Escolares no âmbito de dois eventos cívicos e políticos, isto é, nas comemorações do Primeiro Centenário da Independência, em 1922 e na Primeira Conferência Nacional de Educação, em 1927.

123

CAPÍTULO 3 - OS PALCOS DAS EXPOSIÇÕES ESCOLARES: UM ESPETÁCULO