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1 UMA BREVE GENEALOGIA DA INDÚSTRIA MUSICAL

1.1 A gravação e a música

1.1.3 Os artistas do novo meio e os primeiros engenheiros de som da fonografia

Na época de uma primeira euforia com relação à novidade do som gravado, as gravações mais vendidas tratavam-se de cantigas populares como Twinkle, twinkle, little star (Brilha, brilha, estrelinha) e religiosas, como The lord‘s prayer (algo como a representação americana do Pai nosso), além de orquestras de metais. Com o

amadurecimento dos negócios e uma crescente massa consumidora, novos intérpretes começaram a ser procurados pelas companhias gravadoras, para serem comercializados cada vez mais a um nível internacional.

No princípio da gravação sonora, havia maior preocupação em obter o melhor resultado possível da limitada capacidade técnica do gramofone. Os mais experientes técnicos de gravação ofereciam treinamento aos novos agentes das companhias, a respeito da capacidade do equipamento, e pormenores como a distância recomendada entre determinada fonte emissora de som e o aparelho, por exemplo. Estes agentes então viajavam para realizar tarefas de prospecção, ou visitar as localidades onde havia gravações agendadas.

Os agentes enviados pelas gravadoras buscaram, primeiramente, nos centros musicais da Europa, destaques locais para gravar. Em seguida, procuraram gravar

intérpretes mais „exóticos‟, atrações locais de países fora do berço da música ocidental.

Orquestras e intérpretes de Rússia, Índia, Tailândia, Japão, China, são alguns exemplos de gravações do começo do século XX. Até 1921, consta que a Gramophone Company sozinha já havia disponibilizado mais de 200.000 gravações diferentes (GRONOW e SAUNIO, 1998, p.12).

Dentre os mais reconhecidos técnicos de gravação do primeiro quarto do século estava Fred Gaisberg, que participara das primeiras gravações de Berliner, tocando piano e ainda fazendo experimentos com o gramofone. Para esta pesquisa, parece capital entender o papel do pessoal envolvido na gravação de discos, especialmente a atuação de profissionais como engenheiros de som, produtores e olheiros, fundamentais na seleção e produção da música gravada.

Pois, a partir da leitura da autobiografia de Gaisberg (1942), dos arquivos da EMI (disponibilizados no site Sound of the Hound) e da história da indústria fonográfica de Gronow e Saunio (1998), percebe-se que, nos primórdios da gravação sonora, estas funções já estavam em um estágio de desenvolvimento, contudo, como a indústria recém se formava, estes papéis não estavam definidos, e de maneira grosseira, pode-se expor que alguns traços destas funções se concentravam muitas vezes na figura de uma única pessoa. O curioso é perceber como algumas das funções exercidas na gravação contemporânea pareciam surgir neste recorte temporal, o que endossa o argumentado aqui, de que é admissível encontrar neste desdobramento histórico não apenas algumas similitudes com o modelo estabelecido da indústria musical, mas também eventos que

contribuíram para a constituição dos negócios musicais tal como são, ou foram, até recentemente.

Gaisberg, por exemplo, além de ser responsável pelos aspectos técnicos da captura do som, geralmente fazia o acompanhamento no piano - em caso de gravação de intérprete vocal –, criava e modificava o arranjo das canções. Em suas expedições para gravar algum intérprete agendado, selecionava outros talentos locais que lhe despertassem interesse, além de levar algumas das gravações disponíveis para comercializar em novos centros. Nesta condição, apresentava pontos de contato reconhecíveis com os posteriores cargos de engenheiro de som, produtor, arranjador, olheiro, artista & repertório, e ainda por vezes trabalhava como uma espécie de representante comercial, ou agente de vendas, levando as gravações mundo afora.

Posteriormente, com a expansão dos negócios da música, estes papéis foram se segmentando, particularizando e recebendo maior grau de especialização, até serem divididos em diferentes cargos e departamentos dentro da engrenagem produtiva da gravação musical. Não é necessário dizer que, além de cada uma destas funções, também as relações de trabalho entre elas sofreram um processo de complexificação11.

O que mais comumente motivava as viagens prospectivas dos agentes de gravação, no primeiro quarto do século XX, eram os boatos que circulavam nos circuitos musicais mais afamados, de onde surgiam nomes de atrações musicais que despertavam alguma forma de clamor público. As vozes de maior prestígio no meio musical, nesta época, pertenciam aos cantores de ópera.

Estes cantores se favoreciam também por um fator técnico. A ressonância das vozes dos cantores líricos, especialmente tenores, servia melhor à captação acústica do som. Em uma época onde ainda não havia microfones e amplificadores, o timbre e a potência dos cantores operísticos permitiam registrar com maior clareza e fidelidade o som do que pianos, violões e instrumentos de sopro.

Ainda que não obtivessem, até então, resultados tão imediatos em vendas como as já citadas formas de música secular, religiosa e cantigas folclóricas interpretadas por atrações do mundo afora, as gravações dos cantores de ópera proporcionaram maior respeito ao gramofone diante de círculos musicais mais fechados e eruditos, ainda que o invento não tivesse revelado todo seu potencial e sua abrangência.

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No capítulo 2.1 será tratado mais especificamente sobre a cadeia produtiva da indústria musical e os principais departamentos envolvidos na seleção e desenvolvimento de artistas.

Uma maior abertura para este tipo de intérprete aconteceu através do sucesso comercial das gravações que Fred Gaisberg registrou de Enrico Caruso, em Milão, no ano de 1902. Rumores sobre o promissor tenor começaram a percorrer os principais círculos musicais da Europa, o que chamou a atenção da Gramophone Company, que rapidamente designou à Gaisberg a missão de gravar Caruso. Segundo Pekka Gronow e Ilpo Saunio (1998, p.14), para gravar, Caruso exigiu a quantia de 100 libras, valor exorbitante para a época. A gravadora pediu para Gaisberg desistir da gravação. Contudo, ele não cumpriu a ordem de seus superiores, e acabou gravando o cantor, tendo em mente que com a venda de 2000 discos o investimento já estaria se pagando. Suas gravações estão, comercialmente, entre as mais bem sucedidas do começo do século e, devido à reputação atingida, foram algumas das primeiras a serem restauradas recentemente, com os recursos da tecnologia digital (GRONOW e SAUNIO, 1998, p.18).

Impulsionado por suas gravações, Caruso ganhou um contrato com a Metropolitan Opera. Ao mesmo tempo em que a Gramophone Company gravava o cantor napolitano na Europa, a Victor, sua associada, também investia em um repertório voltado para músicos e intérpretes de música clássica nos Estados Unidos. Assim que se mudou para Nova York, Caruso realizou mais de 400 gravações para esta gravadora.

Cabe lembra que os cantores e cantoras de ópera, muito antes deste momento, já eram tratados como celebridades. Porém, pode-se considerar que o disco acabou impulsionando, no músico, ainda mais, este caráter ilustre. A partir do caso de Caruso, não apenas o método de gravação começou a ser levado mais a sério pelos cantores de ópera como uma forma efetiva de registrar sua performance, mas também como uma maneira de obter renda e maior notoriedade, com o alcance de um público consumidor e conhecedor de sua obra em escala internacional.

Há algumas residuais similaridades entre este modo embrionário de aquisição de artistas para o catálogo das gravadoras com aquele praticado mais contemporaneamente, sendo as principais diferenças conseqüências do volume do aparato industrial, que ainda iria adquirir uma maior dimensão mundialmente, e de investimento, visto que os negócios voltados ao entretenimento se tornariam ainda mais proeminentes com a evolução dos meios de comunicação com suporte sonoro. A escolha de artistas selecionados para compor o elenco das gravadoras, ao longo da trajetória da música

gravada, foi influenciada, também, por recursos disponíveis a partir de novos dispositivos tecnológicos12.

Neste recorte histórico, é essencial que seja dada atenção especial às principais companhias que produzem fonogramas hoje, e estudar a forma como elas evoluíram, de forma a tentar enxergar neste percurso mais alguns traços que ajudaram a estabelecer indústria musical tal como ela é.