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CAPÍTULO II O Cotidiano do Motorista de ônibus

2.3 Vivências e Experiências cotidianas do motorista

2.3.2 Os assaltos

Um perigo constante e bastante temido pelos motoristas de ônibus são os assaltos. Este medo é justificado e compreendido pelo número crescente de casos ocorridos na região metropolitana de Belo Horizonte e a situação torna-se pior nas linhas que fazem o transporte na periferia por passarem por áreas mais isoladas e perigosas. O assunto é constante entre eles, pois quase todos já foram assaltados mais de uma vez e os poucos que nunca viveram tal experiência ouvem vários casos relatados pelos colegas, alguns deles com terror e conseqüências traumáticas. Os assaltos geralmente são realizados com armas de fogo e é o motorista que quase sempre se torna o alvo, pois é a ele que os assaltantes ameaçam para que o cobrador entregue o dinheiro.

Apesar de estar em situação de risco em relação à própria vida, o motorista se preocupa ainda com a vida e com os bens dos passageiros durante um assalto, já que os assaltantes, pela dificuldade de arrombar o cofre dos ônibus, se dirigem muitas vezes aos passageiros, levando carteiras, bolsas e celulares.

O medo de serem assaltados coloca muitos deles em situações dissonantes. Boa parte já estabeleceu uma espécie de estereótipo do assaltante, fruto de experiências pessoais e de colegas. Seja pelas vestimentas, seja pelo lugar ou horário em que se encontram, os motoristas tentam identificar aqueles passageiros que, na realidade, seriam assaltantes. Mas eles se vêem diante de uma situação delicada, pois devem decidir se irão parar ou não para aquele possível “assaltante”. O risco de não parar o ônibus para o suspeito é que a pessoa telefone para a garagem e relate ter sido deixada no ponto, o que pode acarretar conseqüências tais como advertências ou outros problemas para o motorista na empresa. Caso não queira correr esse

risco, o motorista precisa parar para o “suspeito” podendo ser assaltado e colocar a própria vida e a de outros em perigo. O depoimento a seguir expressa o dilema enfrentado por ele no momento em que precisa tomar uma decisão que pode arriscar sua vida e a de outras pessoas:

“Porque à noite, escureceu, todo mundo que dá sinal de bonezinho pra gente é ladrão, entendeu? Bermuda, então, a gente prefere até tomar uma multa e não parar, conforme o lugar, né? Lá pra cá tem certos pontos lá que se tiver de bermuda e bonezinho, esse ficou pra trás, porque é o ladrão escrito, não carrega estrela na testa, mas é ele. É, é uma opção, a gente arrisca ter alguém do DER dentro do ônibus, né e fazer uma notificação, como é que você vai provar que não errou, né? Vai que ele não era ladrão, ou que era. É aquele detalhe, na dúvida não ultrapasse, ou na dúvida não pare, né?” (Moisés)

Mas o risco não acaba no momento do assalto, pois quando a polícia prende os assaltantes, precisa do depoimento e do reconhecimento do motorista. Isto gera o medo de que, por vingança, ele seja vítima de represálias, pois nem sempre a empresa troca o motorista de linha e este passa a ser visado e, às vezes, ameaçado de morte:

“O ladrão tá muito ousado, entendeu? Às vezes, a pessoa acaba de te assaltar e a polícia chega e prende ele, você como trabalha naquela linha, a empresa tem poucas linhas, e ele leva você pra reconhecer o ladrão, você não pode falar que é ele. Entendeu? Você não pode falar que é ele porque a gente que tá sentado no volante, a gente é alvo fixo, todo dia naquele horário” (Silas)

No momento de um assalto, a atitude dos motoristas é, geralmente, a de fazer a vontade do assaltante. Não faltam casos de agressão física e psicológica aos motoristas e aos cobradores e, por isto, alguns motoristas orientam seus cobradores a não reagirem e a entregarem o dinheiro sem reservas para que não haja maiores problemas:

“Agora, só que eu falo com os cobradores, eu aviso pra eles: quando apontar a arma e pedir dinheiro, o que tiver no bolso entrega. Pára de ficar fazendo folhinha (contando dinheiro) em sinal e bater boca com eles.” (Carlos)

O procedimento exigido pela maior parte das empresas é de que, após o assalto, o motorista comunique a ela e se dirija a uma delegacia para fazer a ocorrência. No caso do roubo ser inferior à quantia estipulada pela empresa (geralmente entre 30,00 ou 40,00), essa quantia não é exigida do cobrador, mas quando se trata de um valor maior, ele precisa

ressarcir a empresa já que não deveria circular com este dinheiro nas mãos. Isso porque ele deve colocá-lo no cofre do veículo sempre que ultrapassar essa quantia, permanecendo apenas com ela para efetuar os trocos. Em relação ao boletim de ocorrência do assalto, algumas empresas o consideram ineficaz e preferem que o motorista e o cobrador não o realizem quando o valor é inferior à quantia estipulada, isso por considerarem mais importante gastar este tempo com a realização das próximas viagens.

O medo dos motoristas em relação aos assaltos é praticamente unânime. Entre aqueles que já passaram por situações mais traumáticas ou de maiores riscos podemos encontrar um sentimento de insegurança e de desconfiança em relação aos passageiros que pode crescer e se tornar incontrolável. Durante a pesquisa analisamos alguns prontuários de motoristas em um hospital psiquiátrico, e frases recorrentemente encontradas são aquelas que remetem às marcas deixadas pelos assaltos sofridos. É muito significativa nestes prontuários, a freqüência de frases como: “motorista com medo de tudo após assaltos”, “motorista com medo de passageiros após assaltos”. Podemos perceber então, que além dos efeitos imediatos sobre a saúde física que um assalto pode acarretar. Existem aqueles a longo ou médio prazo, que este estado de constante insegurança e medo pode causar sobre a saúde mental desses trabalhadores.

Histórias como a de um cobrador que foi esfaqueado covardemente durante um assalto sob os olhares do motorista são bastante divulgadas entre eles e causam temor mais visível entre as mulheres, sejam motoristas ou cobradoras. Os motoristas sentem-se, então, inseguros pela falta de segurança, principalmente nas vias menos movimentadas como as rodovias mais distantes da cidade.