• Nenhum resultado encontrado

2.3 BRASIL: BANCOS PRIVADOS E PÚBLICOS DURANTE ALTA

2.3.1 OS BANCOS PRIVADOS E O AJUSTE OPERACIONAL

No período de alta inflação no Brasil (1980-1994), os bancos privados nacionais demonstraram alta sagacidade em gerir seus passivos e ativos uma vez que auferiram bons resultados apesar da ampla instabilidade na economia brasileira. Importantes inovações financeiras foram engendradas, principalmente, sob a forma de quase moeda12. Essas inovações permitiram diversificar as fontes de captação de recursos,ante o acirramento da concorrência eda elevada preferência pela liquidez do público, que demandavam opções capazes de proteger, ao menos em parte, os recursos da desvalorização monetária (PAULA, 1997).

“Expressando a preferência do público por depósitos e ativos indexados e/ou de elevada liquidez, observa-se no passivo dos bancos um encurtamento nos prazos de suas obrigações e uma perda de importância dos depósitos à vista no total dos depósitos”

12 Denomina-se quase moeda os ativos financeiros detentores de elevada liquidez e baixo risco, dispondo

estes de rapidez e facilidade para conversão em dinheiro no curto prazo. São dívidas de curtíssimo prazo, e, possuem diferentes formas de remuneração e diferentes prazos para resgate. Os títulos públicos, os depósitos de poupança e os depósitos a prazo são alguns exemplos de quase moeda.

(PAULA, 1997, p. 51). Deste modo, o passivo bancário apresentou elevação dos depósitos a prazo, com perfil de curto prazo, concomitante à redução expressiva dos depósitos à vista. Esta estrutura do passivo permitiu aos bancos menor recolhimento de reservas, disponibilizando recursos para a aplicação.

Do lado do ativo, verificou-se o crescimento das operações com títulos e valores mobiliários, na qual os títulos da dívida pública detiveram participação expressiva. Além disso, os bancos passaram a priorizar os empréstimos a curto e curtíssimo termo, notadamente para o financiamento de consumo das famílias e financiamento de capital de giro das empresas, especialmente de empresas públicas. O volume das operações cambiais também apresentou elevação em virtude da captação de recursos no exterior para compensar a perda do depósito à vista na estrutura dos passivos bancários.

Os principais bancos privados nacionais reduziram as operações de crédito e financiamento para o público em geral e aumentaram as operações com “arbitragem inflacionária do dinheiro”13 e as operações de tesouraria, fundamentais para o crescimento da lucratividade do setor bancário privado. Conforme Vidotto (2002), a estrutura operacional bancária, associada à concorrência e às políticas deliberadas por vários governos durante recrudescimento da inflação14, asseguraram aos bancos condições excepcionais para a obtenção de bons resultados. Os passivos não remunerados direcionados a aplicações capazes de reunir atributos de segurança, liquidez e elevada remuneração constituíram o núcleo operacional da lucratividade bancária bancos durante o período de alta inflação.

A elevada incerteza derivada dos graves desequilíbrios macroeconômicos domésticos, a saber, o agravamento do processo inflacionário, a deterioração das contas do setor público, inclusive no âmbito das contas externas, ensejou uma postura financeira mais conservadora dos bancos, marcada pela alta preferência por liquidez. Entretanto, os

13Refere-se ao fato de os bancos captarem passivos não remunerados ou remunerados aquém da inflação,

sofrendo, portanto, corrosão com o processo inflacionário. Parte desses recursos se transformava em operações ativas de forma que os bancos conseguiam auferir lucros significativos por estabelecer taxas de juros acima da inflação esperada. Trataremos deste assunto adiante.

14 Do início dos anos 80 até o pré-Real, o Brasil vivenciou um contexto de forte instabilidade e incerteza

diante de graves problemas, entre eles, a inflação alta e persistente que conduziu a conformação e fracasso de vários planos de estabilização monetária a partir da segunda metade da década de 1980, com impactos sobre a rentabilidade e o comportamento dos bancos. Para a apreensão dos efeitos do Plano Cruzado (1986); Plano Bresser (1987); Plano Verão (1989), o Plano Color I (1990) e o Plano Collor II (1991) sobre o sistema bancário, ver Belluzzo e Almeida (2002) e Paula (1997).

bancos souberam tirar proveito da situação e auferir altos níveis de rentabilidade (OLIVEIRA, 2009).

Os bancos lucraram bastante com as receitas inflacionárias, ou seja, com passivos sem encargos, chamados de float, tais como os depósitos à vista e recursos com passagem rápida pelo sistema bancário, aplicados com rendimento real15. Sobressaem os títulos públicos remunerados com altas taxas de juros e os empréstimos de curto prazo com altos spreads para compensar a inflação projetada. Deste mecanismo originou as fontes mais características de receita e lucro durante o período de alta inflação (PAULA, 1997). Acerca desse expediente, Carvalho e Oliveira (2002) esclarecem:

As receitas inflacionárias dos bancos têm origem nos recursos de obrigações não remuneradas (depósitos à vista e valores em trânsito, por conta de transferências, cobrança de títulos e recolhimento de impostos). Excluída a parcela recolhida compulsoriamente sem remuneração ao BC, esses recursos podem ser aplicados pelos bancos, em crédito ou títulos, a taxas de juros que incluem a inflação esperada. (CARVALHO; OLIVEIRA, 2002, p.70)

A receita com “operações de tesouraria”, derivadas da arbitragem com títulos e valores mobiliários cresceu consideravelmente. Os bancos adquiriram títulos no mercado primário para negociá-los no mercado secundário, principalmente com os fundos de investimentos administrados por eles mesmos. “Os títulos públicos se constituíram na base das elevadas receitas derivadas dos ganhos do float e na corretagem da dívida pública” (PAULA, 1997, p. 98).

Elevaram-se também as receitas derivadas das operações de crédito em virtude da elevação dos spreads, isto é, o diferencial de taxas de juros entre captações e aplicações16. Os bancos aumentaram as taxas de juros praticadas a fim de precaverem-se de possíveis perdas de capital no quadro inflacionário. Os juros bancários também subiram acompanhando o aumento da taxa básica de juros. Assim:

Neste contexto, os ganhos derivados do float (recursos em trânsito no sistema bancário) e da arbitragem permanente entre as taxas de juros com títulos tendem a se elevar, assim como os ganhos com spread nas atividades de

15 Apesar de parte dos depósitos à vista constituírem reservas compulsórias e voluntárias, os bancos

contavam com porção majoritária para fins de aplicações. Quanto aos recursos em transição pelo sistema bancário, tais como, tributos, contribuições e cobrança de títulos, o fato dos bancos deterem determinado número de dias para remetê-los ao Tesouro Nacional ou as empresas credoras abria a oportunidade de aplicá-los em operações de curtíssimo prazo, lucrando obviamente com isto.

16 Refere-se tanto a captação do público no mercado doméstico ou realizadas com instituições no mercado

externo para fins de intermediação financeira. Este diferencial visa cobrir as despesas administrativas, os impostos diretos e indiretos e a inadimplência, conformando lucro para os bancos.

intermediação financeira, permitindo, neste caso, uma elevação no lucro líquido por unidade monetária do ativo. (PAULA, 1997, p. 52)

Além disso, os bancos conseguiram ampliar a receita com a prestação de serviços e oferta de produtos financeiros. O acirramento da concorrência bancária, a segmentação do mercado por perfil da clientela, os avanços na automação bancária, das redes de agências e dos postos de atendimento, permitiram aos bancos alavancar a gama de produtos e serviços ofertados. Destacam-se os serviços de cobranças para empresas, a gestão de fundos de pensão e de investimento, a administração de carteiras, a prestação de consultoria financeira, os serviços de engenharia financeira17, além de condução de operações de fusões, incorporações e reestruturação de empresas.

Esta diversificação de produtos e serviços bancários ampliou a base de captação de recursos, e, por conseguinte, os ganhos com float e com as operações de crédito. Também, a diversificação patrimonial para a área não financeira, através de participação em empresas não financeiras coligadas e controladas, colaborou para os bons resultados dos bancos no contexto de aceleração inflacionária.

No final dos anos 80, com o recrudescimento da inflação e do “lucro inflacionário” e a reforma bancária de 198818, sucedeu a conglomeração e expansão da rede bancária. De acordo com Costa (2008, p.143), “a grande motivação desse processo foi a busca de economia de escala na conquista de floating”, bem como, a procura por economia de escopo, uma vez que a Reforma Bancária institucionalizou os bancos múltiplos.

Desde então, o número de bancos disparou, saltando de 104 em 1988 para 244 em 199319. Nesse quadro, os bancos privados reforçaram a estratégia de segmentação do mercado, ampliaram as inovações financeiras com a finalidade de captar mais recursos, diversificaram os produtos e serviços, adotaram posturas financeiras mais especulativas ampliando o grau de alavancagem e a lucratividade bancária. Não obstante, aí foram

17 O termo remonta principalmente a criação de instrumentos financeiros derivados de outros instrumentos

com a finalidade de gerir riscos e aumentar a rentabilidade.

18 “As reformas financeiras de 1964 e 1965, inspiradas no modelo norte-americano, estabeleceram um

sistema baseado em instituições especializadas [...]. Em junho de 1988, o Banco Central introduziu o Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro (Cosif), que tornou possível a unificação das instituições financeiras em um mesmo plano contábil. Em setembro do mesmo ano, foi aprovada a Resolução 1.524, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), criando os chamados bancos múltiplos, que passariam a operar no mínimo em duas e no máximo em quatro das funções das antigas instituições financeiras: bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, financeiras e instituições de poupança e empréstimo.” (PUGA, 1999, p. 415-416). Para uma análise ampliada das reformas financeiras supracitadas ver Paula (1997), Resende (1992), Hermann (2011).

criadas as condições de fragilização financeira de alguns bancos privados nacionais que sucumbiram ao novo cenário econômico trazido pelo Plano Real. Por ora,

[...] os bancos comerciais e múltiplos privados efetuaram, a partir do início dos anos 80, um amplo ajuste patrimonial, passando por profundas transformações em termos de padrão de rentabilidade, estrutura de captação e aplicação de recursos, estrutura operacional, estratégias etc., mostrando grande capacidade de extrair vantagens da crise e da instabilidade macroeconômica do país e aumentando sobremaneira seus lucros. (PAULA, 1997, p. 98)