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2.2 O CAMPO E A POLÍTICA NACIONAL DOS TERRITÓRIOS

2.2.1 Os Colegiados Territoriais

Para que o processo de gestão territorial ganhe força, foram e estão sendo criados mecanismos institucionais para o estímulo e o apoio à participação dos sujeitos sociais nos Territórios Rurais. Nesses mecanismos é possível discutir e deliberar, publicamente, sobre políticas, programas e projetos que afetam diretamente vidas e relações de pertencimento e identidades culturais e geográficas dos sujeitos envolvidos, sob o reconhecimento das instâncias de planejamento, gestão e controle social das ações implementadas no âmbito dos Territórios Rurais. Desse modo, tem-se, no âmbito federal, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf); nos estados, o Colegiado Estadual; e no Território, o Colegiado Territorial Rural. É importante destacar que, na visão governamental, não há hierarquias estabelecidas entre os diversos níveis de colegiados.

Essa estratégia de participação social busca promover a articulação e a gestão, descentralizada e participativa, de ações para alcançar o desenvolvimento social e sustentável das populações que vivem em territórios rurais de todo o país. Tem como objetivo apoiar e fortalecer, nos Territórios, capacidades sociais de

autogestão dos processos de promoção do desenvolvimento, nos quais as próprias organizações dos agricultores(as) familiares e dos(as) trabalhadores(as) rurais protagonizem as iniciativas. Assim, os Colegiados Territoriais configuram espaços de autogestão e de resistência à visão reprodutivista e determinista sobre o rural, visão essa que não admite qualquer alternativa de mudança da ordem estabelecida, apenas de manutenção do ordenamento vigente de produção simbólica da inferioridade dos sujeitos do campo.

O que está em jogo é o fato de os atores sociais “que implantaram as experiências de democracia participativa colocarem em questão uma identidade que lhes fora atribuída externamente por um Estado colonial ou por um Estado autoritário e discriminatório” (SANTOS, AVRITZER, 2003, p. 50). A resistência social é uma tarefa cotidiana e isso implica questionar e fazer frente a uma gramática social e estatal excludente e instaurar, como alternativa, uma mais inclusiva. E essa nova gramática social está para Honneth (2003) nos padrões positivos de reconhecimento social e Boaventura Santos (2003, 2008a) no reconhecimento das diferenças.

No limiar do reconhecimento da pluralidade dos sujeitos está a composição dos Colegiados Territoriais, formada por representação de organismos de governos municipal, estadual e federal com presença no território e de organizações da sociedade civil, conforme Resoluções nº 48 e nº 52 do Condraf. Pautam-se como instrumentos de realização democrática por se tratarem de instâncias de deliberação, tomada de decisões e controle social, para além de uma perspectiva institucionalizada da participação social. De acordo com essas Resoluções, o Colegiado Territorial deve se estruturar, minimamente, com base nas seguintes instâncias: Plenário; Núcleo Dirigente; Núcleo Técnico e Câmaras Temáticas ou Câmaras Setoriais. Parafraseando as referidas resoluções, podemos dizer que:

a) Plenário: Instância máxima do Colegiado Territorial. É a própria composição desse Colegiado. Tem o papel de deliberar e tomar decisões estratégicas ligadas ao processo de desenvolvimento territorial. b) Núcleo Dirigente: Tem a função de coordenar as ações definidas pelo

Plenário do Colegiado Territorial, articular atores sociais, instituições e políticas públicas para a construção e implementação do

desenvolvimento territorial. Essa instância não pode ter, na sua composição, organizações que não façam parte do Plenário do Colegiado Territorial.

c) Núcleo Técnico: É uma instância de apoio ao Colegiado Territorial, devendo ser composto por representantes técnicos de organizações de ensino, pesquisa, assistência técnica e setores diversos de prestação de serviços do poder público e da sociedade civil. Essa instância pode ter, na sua composição, organizações que não fazem parte do Plenário do Colegiado Territorial.

d) Comitês ou Câmaras Temáticas/Técnicas/Setoriais: São espaços criados pelo Plenário do Colegiado para subsidiar suas decisões e têm uma estreita relação com o Núcleo Dirigente. Têm o papel de propor, dialogar e articular temas específicos relacionados ao desenvolvimento rural sustentável. Assim como o Núcleo Técnico, essa instância pode ter, na sua composição, organizações que não fazem parte do Plenário do Colegiado Territorial.

Resumidamente, cabe ao Colegiado Territorial, por intermédio da sua Plenária (instância máxima), o papel deliberativo e consultivo, assim como cabe ao seu Núcleo Dirigente (nível decisório intermediário) o papel diretivo na implementação das iniciativas territoriais com o apoio de seu Núcleo Técnico. Enquanto mecanismo de participação e controle social, o referido Colegiado apresenta-se como uma institucionalidade que abre espaço para a prática da democracia participativa, â luz de Boaventura Santos e Leonardo Avritzer (2003). E também, privilegiar o reconhecimento da importância da participação direta dos sujeitos sociais, por meio do estabelecimento de espaços decisórios em combinação com mecanismos de democracia representativa. Mas, o modelo de democracia representativa para esses autores, não está limitada à participação dos sujeitos no sufrágio universal, mas numa participação efetiva da sociedade civil organizada. Assim, a democracia participativa é exercida na medida em que há um controle efetivo da sociedade civil sob os atos do governo. Ela surge como uma alternativa

ao modelo de democracia hegemônico liberal incentivado pelos países do centro (SANTOS, B. S., AVRITZER, 2003).

A combinação de espaços decisórios com mecanismos de democracia representativa torna possível uma ampliação do espaço da política, podendo o Colegiado Territorial transformar-se em espaço de conquistas para os sujeitos envolvidos por provocar mudanças nos modos de tratamento da coisa pública, introduzindo fins públicos nas ações estatais e imprimindo visibilidade às suas lutas por acesso ao controle social. A percepção de que a prática democrática fortalece e valoriza a própria democracia (SANTOS, B. S., AVRITZER, 2003), as práticas participativas no Colegiado Territorial têm um papel fundante na desconstrução da visão de naturalização da miséria e exclusão social no campo, resultante de uma perspectiva que o coloca num quadro de desigualdade e de lugar de atraso.

A estrutura de composição de Colegiado também é incorporada no Programa Territórios da Cidadania, a fim de estabelecer uma estrutura de gestão compartilhada em nível federal, estadual e territorial, para condução e direcionamento das ações nos Territórios. No âmbito federal, é composto pelo Comitê Gestor Nacional, que reúne os Ministérios parceiros do Programa, define os Territórios atendidos, aprova diretrizes, organiza as ações federais e avalia o Programa. No Estado, o Comitê de Articulação Estadual, composto pelos órgãos federais que atuam no Estado, pelos órgãos estaduais indicados pelo Governo do Estado e por representantes das prefeituras dos Territórios. Apoia a organização dos Territórios, fomenta a articulação e a integração de políticas públicas e acompanha a execução das ações do Programa.

No Território, o Colegiado é composto, paritariamente, por representantes governamentais e pela sociedade civil organizada em cada Território. É espaço de discussão, planejamento e execução de ações para o desenvolvimento do Território. Ele define o plano de desenvolvimento do Território, identifica necessidades, pactua a agenda de ações, promove a integração de esforços, discute alternativas para o desenvolvimento do Território e exerce o controle social do Programa (BRASIL, 2009).

Pelo exposto, o Colegiado Territorial do Programa Territórios da Cidadania absorve a estrutura organizativa do Colegiado dos Territórios Rurais. No caso do Território Sertão do Apodi, um Território Rural que compôs a estrutura de beneficiários do Programa Territórios da Cidadania, logo em 2008, também é um

território beneficiado pelo PDHC, desde 2002, que, por sua vez, é constituído de um órgão colegiado. O formato institucional dessas instâncias deliberativas de participação vai sendo moldado e reapropriado, conforme a inclusão de novas demandas, sujeitos e instituições em função dos Programas e Projetos, e isso tem uma avaliação positiva por parte dos entrevistados, a exemplo de Riobaldo (Informação verbal).

Eu não vejo nenhuma desvantagem. Uma das vantagem que teve foi essa articulação com outros municípios até pra se trabalhar a questão da decisão e da questão das famílias dos outros municípios, por exemplo, os outros municípios que não estavam dentro do PDHC eles não tinha esse conhecimento e vem juntar essa questão do conhecimento e a troca de experiências do município com outro (Riobaldo).

Nesse processo de readequação de novos órgãos, sujeitos e representações, à medida que os Programas e Projetos estão sendo executados, os Colegiados, obviamente, também vão tomando suas formas. Dessa maneira, majoritariamente, os representantes, igualmente, são membros do Comitê do PDHC, do Colegiado do Pronat e também do Programa Território da Cidadania. A própria nomenclatura Comitê e Colegiado, comumente é usada sem discriminação. Até porque quando foi instituído o Colegiado Territorial Rural, o Comitê do PDHC já existia, e foi respeitada a permanência da nomenclatura Comitê, sem que impedisse o uso da nomenclatura Colegiado.

Assim, se, por um lado, amplia o leque de participação e abrangência de atuação, em virtude da heterogeneidade na composição, verificada pela diversidade das organizações representadas no Colegiado; por outro, dificulta o atendimento às especificidades e reais necessidades dos sujeitos, além da funcionalidade do próprio Colegiado devido ao inchaço da sua composição. Os efeitos, no caso desse segundo aspecto, recaem na vulnerabilidade representativa de grupos e sujeitos, cuja participação é descaracterizada, “quer pela cooptação por grupos sociais superincluídos, quer pela integração em contextos institucionais que lhe retiram o seu potencial democrático e de transformação das relações de poder” (SANTOS, B. S., AVRITZER, 2003, p. 52). A tendência do Colegiado é canalizar suas demandas

para atores estratégicos que fazem parte de sua rede de apoio ou para os espaços institucionais mais permeáveis às suas demandas.

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