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4 Recife: ambiente, qualidade dos serviços e resiliências

4.3. Os componentes da ESF e PSA e os seus Recifes

Pelo que foi contextualizado ao longo deste capítulo, os sujeitos estudados (direção dos distritos sanitários, dirigentes das equipes na área, agente de saúde na entrevista com grupo focal e agentes de saúde no local de trabalho) descrevem a cidade em perspectivas diferenciadas quanto à observação dos aspectos bons e ruins de seu contexto sócio-espacial. Há, de fato, alguns posicionamentos que são mais homogêneos e outros que refletem vários Recifes convivendo juntos. Assim, essas visões da cidade podem ser ao mesmo tempo homogêneas e heterogêneas, refletindo uma cidade de contrastes, pelo menos na perspectiva dos profissionais mencionados.

Recife é observada, assim, pela superposição de escalas através das quais, dependendo da função social (agente de saúde, responsável pela área ou pelo distrito), se observa, ao mesmo tempo, uma cidade fragmentada (pobres x ricos; rios x morros; incluídos x excluídos) e uma cidade homogênea que de acordo com a qual todos são, diretamente ou indiretamente, afetados pelos aspectos bons e ruins que caracterizam a configuração territorial da cidade, socializada, por exemplo, através do problema de saneamento e da violência.

Uma das formas de entender o Recife homogêneo foi refletida a partir de posicionamentos gerais sobre a cidade, em que foram destacados temas que são visualizados por toda população, seja por conhecê-los ou vivenciá-los. Entretanto, este mesmo Recife homogêneo pode se mostrar heterogêneo, na medida em que apresenta características diferentes e até mesmo opostas.

Essa constatação foi possibilitada através da entrevista realizada com grupo focal (agentes de saúde da ESF e do PSA), que apontou para o entendimento de Recife como: cidade linda, maravilhosa, desenvolvida e patriota, mas que sofreu com a urbanização desenfreada, prejudicando a implementação de uma boa infra-estrutura, principalmente, no que diz respeito às redes de coleta de esgoto, situações factíveis de se observar ou vivenciar no conjunto da cidade. Além desses problemas, há o sofrimento da população na dificuldade para conseguir o que comer, e o sofrimento nas unidades de saúde, na busca por um leito hospitalar.

Ao mesmo tempo, essa homogeneidade pode ser entendida como heterogeneidade, uma vez que a cidade se mostra multifacetada, devido esses posicionamentos serem contraditórios em determinados temas, ou seja, é concebida como uma cidade desenvolvida, mas ao mesmo tempo é considerada uma cidade que não tem infra-estrutura compatível, principalmente no que diz respeito ao esgotamento sanitário.

Outra maneira de entender o Recife homogêneo é a partir das temáticas que perpassaram todas as escalas geográficas de atuação desses profissionais, são elas: serviço de saúde, condições sócio-econômicas e ações no ambiente e condições de saneamento. Porém, na medida em que essas temáticas foram mencionadas nas

diferentes escalas, esta heterogeneidade se reflete na forma de observar o problema, o que passa a ser cada vez mais particular, de acordo com a diminuição da extensão de domínio territorial do ponto de vista jurídico, isto é, a partir da ação exercida enquanto trabalhador. É importante salientar que essas visões mais particulares ajudam a entender o problema geral mencionado quando se observa a cidade como um todo.

Tomando como exemplo o serviço de saúde, quando o mesmo foi mencionado no momento em que se pensava a imagem da cidade, Recife foi visualizada pela falta de leitos hospitalares, tanto por parte dos ACS como pelos ASAS, e por problemas nas unidades, mencionados apenas pelos ACS. Neste nível, os problemas ou êxitos não foram mencionados em relação ao PSA. Eles foram mencionados nos outros níveis, porém não serão apresentados para se focar no exemplo citado.

Por Distrito Sanitário, os dirigentes do distrito também mencionaram a falta de leitos hospitalares, mas apenas na situação em que essa cobertura funciona, a exemplo do que foi afirmado sobre o DS V. Já com relação às unidades da ESF foram destacados, como problemas, a falta de recursos humanos e o modelo de visita mensal, os quais não está atendendo as reais necessidades da população na atualidade. Porém, também houve elogios à atuação dos agentes de saúde. Percebe-se um detalhamento do problema mencionado na escala anterior, no qual os leitos hospitalares parecem estar disponibilizando um bom apoio apenas em um distrito. Já com relação às unidades, é percebido neste nível que há problemas devido às equipes estarem incompletas.

Com relação ao depoimento dos dirigentes das equipes na área sobre leitos hospitalares e as unidades, estes se refletem na dificuldade da unidade em conseguir vagas para hospitais especializados e, nas unidades, pela falta de profissionais, dificuldade de marcar consultas e falta de material básico.

Ainda com relação a este assunto o ACS, quando está no seu local de trabalho, fala de coisas semelhantes ao enfermeiro, sobre os leitos hospitalares. Já no que diz respeito aos problemas nas unidades, o ACS acrescenta a insuficiência na quantidade de medicamentos a serem distribuídos, além do atraso na chegada do material para

realizar ações programáticas, como as campanhas, o que dificulta um planejamento específico na unidade.

Além das visões homogêneas e heterogêneas, a partir de uma mesma base de informação, há também resultados contrastantes com relação às categorias observadas, colocadas como um destaque bom e ruim a partir do depoimento dos dirigentes das equipes.

Ao falar sobre suas áreas de atuação, ficaram evidenciadas as ações no ambiente e condições de saneamento, respectivamente como um bom destaque e como um mau destaque.

Dos 94 (noventa e quatro) bairros do Recife, apenas em 6 (seis), para os enfermeiros da ESF, e em 12 (doze), de acordo com os supervisores do PSA, houve coincidência a ressaltar, ao mesmo tempo, aspectos bons e ruins sobre as ações no ambiente e condições de saneamento. Entretanto, apenas no bairro Areias, onde trabalha o agente Tinhão, é que os dirigentes das áreas (enfermeiros e supervisores) apontaram destaques bons e ruins ao mesmo tempo com relação às temáticas que ora são apresentadas.

Quando os enfermeiros e supervisores descrevem o bairro Areias a partir de uma boa perspectiva, eles ressaltam que houve grande avanço no saneamento e pavimentação, faltando apenas uma área que ainda precisa de saneamento. Também foi evidenciado que o carro de coleta de lixo passa diariamente. Entretanto, quando esses mesmos profissionais falam sobre os aspectos ruins do saneamento ressaltam sua precariedade: é afirmado que não há bom saneamento nas ruas, que falta água para o consumo, que algumas áreas alagam e que há muitos roedores e escorpiões. Fica o questionamento: esses aspectos ruins não estariam exatamente nessa área mencionada anteriormente, que era a única parte do bairro que não havia sido saneada, e que por isso talvez a drenagem não estivesse tão boa na rua e por conseqüência, sofresse com o alagamento e a presença constante dos vetores mencionados.

Assim, a cidade é observada por suas características boas e ruins segundo a função (cargo) que o profissional desempenha, e o território onde atua. As conseqüências desses condicionantes são o nível de apreensão (escala) na qual o

profissional realiza suas atividades e a possibilidade, ou não, diante do contexto em que trabalha, de desenvolver e ter condições de agir de acordo com suas competências e habilidades sociais.

Essa ação induzida por um contexto diferenciado influencia no desenvolvimento das competências e habilidades sociais desses profissionais, uma vez que um ambiente hostil ao trabalho deste profissional inibe a criatividade para elaborar formas de enfrentamento dos problemas encontrados a partir do conhecimento adquirido ou a adquirir durante este processo ou ainda a ser obtido ao longo das atividades. Por outro lado, um ambiente receptivo estimula a criatividade e facilita um trabalho em equipe, na medida em que se expressa a intenção de se obter um bem comum. Neste caso, um grupo buscará enfrentar problemas a partir da aplicação deste conhecimento, incluindo neste grupo o próprio morador.

No próximo capítulo busca-se verificar quais as possíveis origens e as nuanças do conhecimento geográfico que está sendo desenvolvido pelos agentes de saúde nessa realidade multifacetada.

Competências e habilidades dos agentes de

saúde da ESF e PSA na cidade do Recife:

enfoque no sujeito

Aprendemos a cada dia...

principalmente porque lidamos com o

povo... e eu acho que o trabalho mais

rico é você lidar com os outros

Severino Silva (ASA)

5. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DOS AGENTES DE SAÚDE DA ESF E PSA NA CIDADE

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