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Os comportamentos da informalidade e da precariedade nos anos recentes

No documento marcelafernandadapazdesouza (páginas 71-75)

2 A FORMAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO INFORMAL E

2.4 Os comportamentos da informalidade e da precariedade nos anos recentes

A expansão do trabalho precário em sua ―roupagem‖ resultante da reestruturação produtiva se acentuou no Brasil após 1990. As empresas privadas adotaram uma reestruturação que incluiu novas tecnologias e novas gestões do trabalho visando a um aumento da produtividade. A reestruturação produtiva surgiu em um processo social e histórico no momento em que ocorria a crise estrutural do capital em países como os Estados Unidos, o Japão e também na Europa Ocidental na década de 1970. A reestruturação9 atingiu a diversas esferas da vida social e abrangeu o mundo do trabalho organizado. A dinâmica da reestruturação esteve presente no âmbito da III Revolução Industrial, cujo comportamento produtivo incide sobre a tecnologia da microeletrônica e das redes telemáticas e

9 A tese não se aterá ao debate referente à reestruturação produtiva a fim de não fugir ao propósito do tema. Uma leitura mais acurada pode ser encontrada na obra: ALVES, Giovanni. Dimensões da reestruturação produtiva- Ensaios de sociologia do trabalho. Londrina: Praxis, 2007.

informacionais, sendo que ela ocorreu à luz da mundialização do capital e de uma modificação das formas de constituição da precarização do trabalho (ALVES, 2007).

As consequências deste comportamento econômico trouxeram, por um lado, a otimização empresarial, mas, por outro, houve a redução da força de trabalho. Tanto Arne Kalleberg (2009) quanto o estudo do Dieese (2012) indicaram que, até o ano 2003, a criação de postos de trabalho ocorreu em ritmo lento. Posteriormente, quando ocorreu a abertura dos postos de emprego, eles também foram caracterizados pela alta rotatividade, dificultando a aquisição da experiência e a qualificação profissionais em uma categoria específica.

A terceirização é um conceito chave neste processo, pois se insere especialmente na realidade de muitas empresas caracterizadas pela reestruturação produtiva. A terceirização consiste na dinâmica em que uma empresa não executa determinadas atividades mediante a contratação direta de trabalhadores, pois opta por transferi-la para uma empresa encarregada daquela determinada função. Embora exista há muitos anos, com a reestruturação produtiva da década de 1990, ela ganhou novo impulso e é considerada por muitos críticos como uma forma perversa de precariedade (DIEESE, 2012).

De acordo com o pesquisador Pais (2005), as transformações no trabalho e sua realidade flexível são avaliadas por muitos como um projeto renovado de sociedade e, caso ocorressem em uma realidade de pleno emprego, ofereceriam um tempo maior para os indivíduos se dedicarem às atividades livres, em razão da possibilidade de redução da jornada de trabalho. Entretanto, o sociólogo pondera que, para outros analistas, o sistema econômico capitalista, ao visar à competitividade e desejar reduzir os custos, provoca o aumento da produtividade, embora cause a flexibilização do mesmo. A consequência direta é a redução do emprego fixo, com suas variantes subsequentes de desemprego ou trabalho.

Sobre a flexibilidade10, Sennett (2005) indica que uma nova caracterização do mercado se traduz na tríade: concentração de poder sem a centralização do mesmo; especialização flexível da produção e a necessidade de as instituições se reinventarem continuamente. A burocracia rígida e a rotinização do trabalho sofreram rupturas; para se

10 As consequências pessoais da flexibilidade apresentam um forte impacto sobre a ansiedade, e os trabalhadores não têm mais a perspectiva de segurança e carreira. Conforme Sennett (2005), a corrosão do caráter está intrinsecamente ligada a este processo. O caráter está relacionado às experiências emocionais de longo prazo, ao compromisso e às relações sociais e trabalhistas de longo prazo, e o mesmo é colocado em xeque em razão da realidade mais fugaz e incerta do mundo do trabalho. O pesquisador questiona como uma pessoa consegue se decidir pelo que é mais importante e se dedique a projetos se o contexto apresentado à vida é impaciente e imediatista, visto que as instituições estão em contínuo processo de transformação.

alcançar sucesso profissional e/ou emprego é necessário assumir riscos, estar preparado para rápidas mudanças e disposto a se apresentar a uma nova forma de controle social.

Como analisado no decorrer do capítulo, o Brasil apresentou, especialmente durante as duas últimas décadas, modificações importantes do ponto de vista econômico e social, que o inseriram em outro patamar de bem-estar e acesso a bens e serviços. Conforme Bresser- Pereira (2010), não é possível mais analisar o país como "pobre", visto que ele se desenvolveu e apresenta, hoje, sua renda média. Enfim, no pensamento do autor, ele já apresenta sua revolução capitalista. Entretanto, embora estes avanços tenham ocorrido, o mercado de trabalho permanece com sua ruptura.

É uma sociedade na qual a apropriação do excedente econômico não mais se realiza através do controle direto do Estado, mas através dos lucros realizados no mercado pelos empresários; é uma sociedade capitalista tecnoburocrática, porque a classe profissional se tornou igualmente importante na partilha do excedente econômico sob a forma de ordenados elevados. Entretanto, não obstante o razoável grau de desenvolvimento econômico que já alcançou, o Brasil é ainda um país subdesenvolvido. Não porque sua renda por habitante seja muito baixa, mas porque continua a ser um país dual – um país que até hoje não logrou integrar toda a sua população ao mercado de trabalho (BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 1).

O impacto da informalidade e da precariedade se potencializa negativamente na análise com o cruzamento de gênero. Embora a década de 2000 tenha assistido a um virtuoso crescimento da escolaridade feminina e da inserção das mulheres nas categorias profissionais privilegiadas, como gerentes, especialistas, qualificadas (SOUZA, 2010). De acordo com o artigo Crise econômica internacional e o impacto sobre as mulheres, publicado por

Vasconcelos et al (2010), observa-se que parte do universo feminino permanece em condições

ocupacionais precárias e com baixo rendimento, o que demonstra a tendência de continuidades e mudanças de gênero no mercado de trabalho, como já havia sido apontado por Souza (2010).

De acordo com Vasconcelos et al (2010), os dados indicaram que há um déficit no trabalho decente feminino, em contextos diversos, salientados pelo fato de que, mesmo possuindo escolaridade mais elevada que os homens, as mulheres enfrentam barreiras na inserção no mercado de trabalho e permanecem com rendimentos baixos. "As mulheres são mais presentes nas ocupações informais e precárias, e as mulheres negras são a grande

maioria no emprego doméstico, uma ocupação que possui importantes déficits no que se refere ao respeito aos direitos trabalhistas" (VASCONCELOS et al, 2010 p. 102).

A reflexão do próximo capítulo se aterá à concepção teórica das dimensões da reprodução da desigualdade de gênero e de suas possibilidades de transformação do status

quo dominante e suas interfaces com o status e o reconhecimento da mulher. As abordagens

apresentam pontos de interseção com a análise da distribuição feminina no mercado de trabalho, assunto primordial nos capítulos subsequentes.

No documento marcelafernandadapazdesouza (páginas 71-75)

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