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Os confessores da rainha: os “médicos da alma” das primeiras monarcas da Casa

Casa de Bragança

5.1. - D. Luísa de Gusmão – a difícil tarefa de dirigir uma

consciência de “rei”

Os confessores dos reis e rainhas, por norma, diferenciavam-se quanto ao seu modo de actuação. Se, por um lado, o confessor do rei era chamado a participar em reuniões e conselhos de Estado, conseguindo inserir-se numa vida politicamente activa, o confessor da rainha lidava apenas com a sua parte espiritual para a qual havia sido escolhido primeiramente. Hoje e através de alguns casos, podemos seguramente afirmar que nem sempre foi isso que aconteceu. Através dos confessores das rainhas D. Luísa de Gusmão e D. Maria Francisca Isabel de Saboia, consegue-se evidenciar que a acção, reservada mas interveniente, destes padres vai muito além da confessionalização.

Confessores, conselheiros, diplomatas ou secretários, fosse qual fosse o seu verdadeiro ofício, a sua maneira de actuar com as monarcas acabava por se reger de modo muito semelhante ao dos confessores dos reis, conseguindo a resolução de muitos problemas que deixavam a consciência “presa” na dúvida ou no sofrimento. O seu poder de intervenção resultava da privilegiada posição que ocupavam na corte, pois lidavam no privado e no secreto com o/a monarca, algo que não se encontrava ao alcance366 de qualquer um.

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De grandioso interesse os estudos de alguns investigadores que nos ajudam a compreender a vida dos confessores régios. Nomeadamente, MARQUES, João Francisco, “Franciscanos e Dominicanos Confessores dos Reis Portugueses das duas Primeiras Dinastias – Espiritualidade e Corte”. In Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Literaturas Anexo V – Espiritualidade e Corte em Portugal, Sécs. XVI – XVIII., Porto: 1993, pp. 53-60 e do mesmo autor, “Os jesuítas, confessores da corte portuguesa na época barroca (1550-1700)”. In separata da Revista da Faculdade de Letras. II Série, Vol. XII. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1995, pp. 231-270, MINOIS, Georges, Le Confesseur du Roi. Les directeurs de conscience sous la monarchie française. Paris: Fayard, 1988, NAVARRO, Julián Lozano,

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Olhando para o quadro geral dos confessores das rainhas, a orientação política acabava por nem sempre ser uma tarefa tão espinhosa como a dos reis, devido à pouca extensão da sua acção política. Atenta a conturbada conjuntura história em que viveram as rainhas da dinastia de Bragança, nomeadamente, D. Luísa de Gusmão, D. Maria Francisca Isabel de Saboia e D. Maria Sofia de Neuburgo, merece-nos alguma análise a acção dos seus padres confessores, devido ao atípico comportamento destas senhoras, na trama política e conspiracional367.

Não era comum uma princesa ou rainha ter um papel muito activo nas questões do estado e da nação, pese embora tal facto, isso nunca foi impedimento para que o mesmo não viesse a acontecer. Das três monarcas, aqui em estudo, foi sem dúvida o caso de D. Luísa do Gusmão que mais se evidenciou dentro desta temática, pois após a morte do marido viu-se obrigada a dirigir sozinha um reino em período de “paz podre” e com filhos em idade menor. Nesta árdua tarefa contou com a ajuda preciosa do seu primeiro confessor, o frade Daniel O’Daly, mais conhecido por Domingos do Rosário368.

Apesar de no período de vida de D. Luísa, a escolha de confessores ir deixando aos poucos, as ordens mendicantes e jeronimitas para passar à escolha dos padres da Companhia de Jesus, D. Luísa escolhe primeiramente um frade dominicano e depois um frade agostinho.

La Compañia de Jesús y el Poder en la España de los Asturias. Madrid: Cátedra, 2005 e PEÑAS, Leandro Martínez, El Rey y su confessor en el Antiguo Régimen”. In ESCUDERO, J.A. (ed.) - El Rey. Historia de la Monarquia. Vol. 3. Barcelona: 2008, p. 112.

367 Relembrando que o tema desta dissertação se baseia na investigação dos confessores de D. Pedro II, merece também a nossa atenção realizar uma breve análise aos confessores da mãe e esposas do monarca, que em algumas vezes estiveram de certa maneira ligados aos confessores de D. Pedro. No entanto, e para uma análise mais extensa e pormenorizada, é de salientar os vários trabalhos de investigação de Maria Paula Marçal Lourenço. Veja-se LOURENÇO, Maria Paula Marçal, “Os Confessores das Rainhas de Portugal (1640-1750)”. In MILLÁN, José Martínez Millán e RODRIGUÉZ, Manuel Rivero (coords.), La en Europa: politica y religión (siglos XVI-XVIII)., Vol. I, Ediciones Polifemo, 2012, pp. 359-382.

368 Veja-se mais sobre Domingos do Rosário em WALSH, R., “Daniel O’Daly” .In The Catholic Encyclopedia. Robert Appleton Company, 2016, disponível em http://www.newadvent.org/cathen/11205c.htm, O’CONNEL, M. J. e BARRY, James G., For Faith and Fatherland: Father Dominic of Rosary and Sir John Bourke of Brittas, Marttyr. Dublin: 1888, O’DALY, Daniel, The Rise, Increase and Exit of the Geraldines, Earls of Desmond and Persecution after their fall. 2nd, trans., C.P. Meehan, Dublin: 1878.

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Domingos do Rosário nasceu na cidade de Kerry na Irlanda tornando-se religioso da Ordem dos Pregadores na cidade de Tralee369. Estudou em Espanha370, na cidade de Burgos, onde deixou o seu nome de nascença para se tornar no frade Domingos do Rosário. Seguiu para Bordéus para se formar em Teologia e volta novamente à cidade de Tralee já como religioso. A sua formação acaba por lhe valer um lugar na Universidade de Louvain371, no ano de 1627, para leccionar Filosofia e Teologia. Anos mais tarde, ganhou grande confiança por parte de Filipe IV que lhe deu alguns benefícios para a construção de um convento372, em Lisboa, em troca de apoio de soldados irlandeses para auxiliar no desempenho espanhol, nos Países Baixos.

“[…]in the following year, the queen’s confessor, Father Daniel O’Daly, a Kerryman, know as Frei Domingos do Rosário, the founder of the Irish Dominican community of Corpo Santo in Lisbon, went to Ireland to raise a body of soldiers”373.

Mestria talentosa na sua actuação durante o período após as Guerras da Restauração, ao permanecer em Madrid374 para tratar das árduas questões diplomáticas para as quais demonstrava grande capacidade em operar, o que lhe permitiu ganhar a confiança e o respeito dos grandes nomes da corte. Em 1655, nas suas missões em França375, teve novamente um importante papel público ao ser enviado diplomático por D. João IV de Portugal à corte da rainha Ana de Áustria e do filho Luís XIV, com o objectivo de se proceder à conclusão da assinatura da liga formal com a França, como já referido acima, onde esta se obrigaria a não assinar a paz com Espanha, sem que

369 Cidade irlandesa pertencente ao Condado de Kerry.

370 Os seus votos também foram realizados em Espanha, na cidade de Lugo.

371 Ou Leuven - Flandres. Esta universidade havia formado recentemente um colégio para dominicanos irlandeses.

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Partindo para Limerick, Domingos do Rosário consegue o prometido e o Convento do Bom Sucesso é construído.

373 Cf. LVERMORE, H. V., A History of Portugal. Cambridge: University Press, 1947, p. 299.

374 Em 1629. A sua partida para Madrid foi a mando do colégio onde lecionava, o que fez com que o rei espanhol Filipe IV aprovasse a fundação de um colégio dominicano em Lisboa, onde Domingos do Rosário seria o seu primeiro reitor.

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Portugal fosse incluído. Esta acção diplomática376 de sucesso valeu-lhe a possibilidade de servir a Casa de Bragança e a rainha D. Luísa de Gusmão acabou por escolher o frade irlandês para seu confessor, sendo este mais um genuíno exemplo da extensão do ofício destes padres além da confessionalização.

Domingos do Rosário aconselhava377 constantemente D. Luísa quanto às questões diplomáticas e políticas, principalmente no período de conveniência francesa onde, segundo Paula Lourenço, o frei era considerado um “confidente dos franceses”378.

Apesar de não enveredar pela via ministrante, que tanto ambicionava, não deixou de cumprir com o seu ofício379, mantendo sempre uma postura fiel à sua devota rainha. Sabendo como Portugal poderia beneficiar com tais decisões, em questões do foro político-diplomático, não deixou de auxiliar e resguardar a aliança com França, numa possível aproximação diplomática de ambas as nações. O confessor usava-se deste modo da sua posição para influenciar os grupos partidários de causas comuns.

Contudo e após ter transmitido à rainha consorte a trágica notícia da morte do seu marido, o rei D. João IV, Domingos do Rosário viu a sua posição aumentar de poder e importância com a passagem do trono para as mãos de Luísa de Gusmão que passou a ser regente, devido à menoridade do herdeiro.

D. Luísa de Gusmão sabia o quanto lhe era útil manter o frade por perto, pois reconhecido o seu talento para outras problemáticas além da religiosa, a regente conseguia manter-se deste modo informada de todas as conspirações e possíveis cabalas que circulavam, sem o seu total conhecimento. Deste modo, Domingos do Rosário conseguia aconselhar a rainha sobre a melhor maneira de agir perante as adversidades do dia-a-dia do paço.

376 Vide, PRESTAGE, Edgar, As Relações Diplomáticas de Portugal com França, Inglaterra e Holanda de 1640 a 166. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1920.

377 Veja-se, IDEM, Frei Domingos do Rosário, Diplomata e Político (1595-1662). Coimbra: Imprensa da Universidade,1926, pp. 39-41.

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LOURENÇO, Maria Paula Marçal, “Os séquitos das rainhas de Portugal e a influência dos estrangeiros na construção da “Sociedade de Corte”, (1640-1754)”. In Penélope Revista de História e Ciências Sociais, n.º 29, Lisboa, 2003, p. 56.

379 Além do seu ofício de confessor, acabou por se tornar bispo de Coimbra para conseguir fundos para os seus colégios, fundou o do Corpo Santo, em 1659, que era outro colégio como o do Bom Sucesso, consultor do Santo Oficio. Veja-se. PRESTAGE, Edgar, As Relações Diplomáticas de Portugal com França, Inglaterra e Holanda de 1640 a 1668. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1920, p. 32.

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Como já referido acima por Paula Lourenço, o facto de Domingos do Rosário ser considerado um confidente de França, poderia causar algum desconforto quanto a questões diplomáticas. Desconforto que, por sua vez, causava desconfianças junto do frade.

A sua carreira política acaba por terminar mais cedo do que se esperava após o sucesso da batalha decisória das Linhas de Elvas, com o início de um grupo partidário francês a circular na corte portuguesa, o que dava uma vasta preocupação aos membros do Conselho de Estado, receosos com o aparecimento de novos favoritos junto da regente. Neste contexto, Domingos do Rosário não vê qualquer sentido em continuar a prosseguir com as suas missões, pois as mesmas sairiam fracassadas.

Como temos vindo a verificar, por muito que os confessores régios afirmassem e demonstrassem só trabalhar para o bem do/a monarca e do reino, por vezes eram também alvo de duras críticas e acusações de valimento, por parte dos restantes membros da corte. Como já sabemos a ténue linha entre o público e o privado era facilmente ultrapassada devido a ambições que eram por vezes extremas. Mas a razão seria apenas e só pelo bem da nação, ou pela ascensão ao poder? No caso de Domingos do Rosário e como já aqui referimos, o seu talento para lidar com situações além do foro espiritual era já reconhecida, o que originou alguns boatos sobre a sua possível avidez em se tornar ministro.

D. Luísa de Gusmão nutria por este frade grande amizade, confessando-lhe com honestidade todos os “fantasmas” que pairavam na sua verdade, esperando uma orientação divina para agir de acordo com a vontade de Deus. Manteve-se ao lado de D. Luísa até à sua morte, a 30 de Junho de 1662, aos 66 anos de idade.

Domingos do Rosário fica na história pela sua sagaz vertente diplomática e pelos ensinamentos. Deixa-nos a obra Initium incrementum et exitus familiae Giraldinorum

Desmoniae Comitum Palatinorum Kyerria in Hibernia, ac persecutionis haereticorum descriptio, ex nonnullis fragmentis collecta ac Latinitate donata de 1655380.

380 Veja-se, O’DALY, Daniel, Initium incrementum et exitus familiae Giraldinorum Desmoniae Comitum Palatinorum Kyerria in Hibernia, ac persecutionis haereticorum descriptio, ex nonnullis fragmentis collecta ac Latinitate donata. 8 Vols., Lisboa: 1655.

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Seguidamente D. Luísa opta por um frei de uma diferente congregação, o frade Agostinho Manuel da Conceição381. Seria este o confessor a permanecer ao lado de D. Luísa até ao fim dos seus dias.

Nascido em Vila Viçosa e descendente de irlandeses, tornou-se doutor em Teologia, pela Universidade de Coimbra acabando por se tornar no mestre do príncipe D. Teodósio, filho de D. Luísa de Gusmão quando este tinha apenas cinco anos de idade.

Professou no instituto eremita de S. Agostinho, no Real Convento de Nossa Senhora da Graça de Lisboa382, onde rapidamente se destacou pela instrução nas letras e gramáticas. A sua instrução “[…]acompanhada da solida virtude o habilitaraõ para que a Serenissima Rainha D. Luiza Francifca de Gufmaõ o elegesse por feu Confessor, e confiar da fua judiciosa direçaõ os mais graves negocios da Monarchia […]”383.

Já Manuel da Conceição apresentaria uma postura completamente diferente de Domingos do Rosário. A sua função ficou limitada à orientação espiritual à qual se manteve fiel até à morte de D. Luísa. Por ser extremamente devota e também por estima ao seu confessor, Luísa de Gusmão acaba mesmo por se tornar protectora da reforma do Instituto dos Agostinhos Descalços, na qual Manuel Correia era vigário geral.

O facto de ter permanecido ao lado da rainha até ao fim acabou por lhe dar a missão de ser ele a informar a monarca do seu prognóstico como cita Monique Vallance a qual, a monarca, de certo modo, já esperava. “O confessor foi à câmara de D. Luísa para lhe transmitir as más novas, mas em vez de reagir com medo ou lágrimas, ela exclamou “Gracias a Dios!”384. Manuel da Conceição acaba por falecer a 24 de Fevereiro de 1682.

381 Sobre o padre veja-se, MACHADO, Diogo Barbosa “Frei Manuel da Conceição”. In Bibliotheca Lusitana, Hiftorica, Critica, e Cronologica na qual se comprehende a noticia dos Autores Portuguezes, e das Obras, que compuserão desde o tempo da promulgação da Ley da Graça, até ao tempo prezente: Offerecida à Augusta Magestade de D. João V. Nosso Senhor. Tomo II, Lisboa Occidental, Na Officina de Antonio Isidoro da Fonseca, 1741, pp. 225-226.

382 Em 4 de Janeiro de 1651.

383 Cf., Diogo Barbosa Machado, op. cit., p. 226.

384 Cf., VALLANCE, Monique, Luísa de Gusmão. A rainha restauradora. Rainhas de Portugal, Lisboa: Círculo de Leitores, 2012, p. 213.

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Merece ainda menção o caso do Padre António Vieira, que não tendo sido confessor de D. Luísa, sempre foi muito cúmplice da rainha, sendo-lhe prestável na amizade e aconselhamento. Este apoio valeu-lhe alguns benefícios por parte de D. Luísa, nomeadamente nas missões no Brasil.

Outra figura que marcou muito a vida espiritual de D. Luísa foi a do Pe. Bartolomeu do Quental385, eclesiástico da Congregação do Oratório nomeado para pregador da capela real pelo rei D. João IV, a quem não passou ao lado as suas capacidades mentais e sociais. Tais atributos foram o suficiente para que no ano de 1654 o monarca português o escolhesse como seu fiel confessor, aos vinte e sete anos de idade.

Quando falarmos da segunda esposa de Pedro II, iremos relatar mais aprofundadamente interessantes características da vida deste religioso; esta análise dos confessores de Luísa de Gusmão, não ficaria completa sem mencionar Quental. A sua interessante maneira de agir consegue conquistar a fidelidade e apoio386 da rainha D. Luísa, devota da Ordem Oratoriana que rapidamente se aliou aquela personagem madura, erudita e generosa387.

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Nascido no arquipélago dos Açores, em Fenais da Luz (Ilha de São Miguel), a 23 de Agosto de 1626. Estudou Teologia e Filosofia na Universidade de Évora e tornou-se Mestre das Artes, em 1647. Para uma análise mais alargada sobre a vida do padre Bartolomeu, veja-se; PIRES, Maria Lucília Gonçalves “O padre Bartolomeu do Quental, pregador da capela Real”. In Revista da Faculdade de Letras – Línguas e Literaturas, Anexo V – Espiritualidade e Corte em Portugal, sécs. XVI-XVIII. Porto: 1993, pp. 155-170, CATALANI, Giuseppe, Vida do venerável padre Bartholomeu do Quental: fundador da Congregação do Oratorio nos Reynos de Portugal. [s.l.]: Nabu Press, 2009. E sobre a Congregação do Oratório, DOMINGUES, Francisco Contente, Ilustração e Catolicismo – Teodoro de Almeida. Lisboa: Edições Colibri, 1994, DIAS, J. S. da Silva, A Congregação do Oratório de Lisboa, Regulamentos Primitivos. Instituto de Estudos Filosóficos, Universidade de Coimbra, 1966.

386 Tinha como grande apoio a rainha D. Luísa de Gusmão, que sendo ligada aos eclesiásticos oratorianos, irá sustentar a constituição de uma congregação de sacerdotes consagrada à Virgem Maria, que servirá de base para a Congregação do Oratório.

387 A biografia do Pe. Bartolomeu do Quental foi escrita pelo Pe. José Catalano e traduzida do latim por Cândido Lusitano, podendo ser encontrada como: CATALANO, José, Pe., Vida do Venerável P. Bartolomeu do Quental. Lisboa, na oficina de António Isidoro da Fonseca, 1741.

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5.2. - Maria Francisca Isabel de Saboia e a direcção

espiritual jesuítica

D. Maria Francisca Isabel de Saboia contou com a presença de vários confessores388 ao longo da sua vida, provenientes de uma ordem diferente da de sua sogra. A Companhia de Jesus foi a Congregação escolhida pela futura rainha de Portugal para escolher os seus confessores.

Esta escolha em nada pareceu despropositada pois, como João Francisco Marques389 nos mostra nos seus preciosos estudos, os padres da Companhia já vinham dando largas provas da sua competência quer no âmbito da educação, quer enquanto directores de consciência régia.

No período em que D. Maria Francisca entrava na corte portuguesa, já Castelo Melhor tratava de incluir a sua clientela em cargos importantes de influência junto do rei. Com a nova rainha não seria diferente e o conde rapidamente tenta que o seu tio, o frei Luís de Sousa390se torne confessor de D. Maria Francisca. Porém, D. Maria Francisca que já tinha Francisco de Villes como seu fiel aliado rejeita a proposta.

Francisco de Villes391, foi seu confessor entre os anos de 1666 a 1680, período esse de graves problemas matrimoniais. Fiel durante a conturbada vida de D. Maria Francisca em Portugal, o Pe. Francisco de Villes juntamente com outro jesuíta, o secretário Luís de Verjus, foram os pilares que D. Maria Francisca sempre quis ter por perto para a auxiliar espiritualmente e politicamente. Não querendo permanecer na sombra do marido quanto às questões políticas e diplomáticas, D. Maria Francisca teima em estar presente em reuniões e conselhos, ficando deste modo a par de tudo o que se

388 MINOIS, Georges, Le Confesseur du Roi. Les directeurs de conscience sous la monarchie française. Paris: Fayard, 1988.

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Cf. MARQUES, João Francisco, “Os jesuítas, confessores da corte portuguesa na época barroca 1550- 1700”. In separata da Revista da Faculdade de Letras. II Série, Vol. XII. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1995, pp. 231-270.

390 Frei Luís de Sousa era um religioso de S. Bernardo. Veja-se, PAIXÃO, Alexandre da, Fr., Monstruosidades do Tempo e da Fortuna. Edição literária de Damião Peres. Vol. 1. Porto: F. Machado, 1938, p. 29.

391 Veja-se GUÉNEGAUD, Claude, Mémoires Inédites sur le Mariage de l’Infante Isabelle de Portugal (1675-1681). FERTÉ, A. Coche de la (pub.), Paris: Imprimerie Bussière, 1901, p. 68.

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passava no reino. O seu confessor392 uma vez usou a sua influência para aconselhar a rainha a permanecer com esta posição, utilizando o exemplo da própria mãe do monarca, D. Luísa de Gusmão que também marcava a sua presença em todos os assuntos relativos às questões de estado393.

Podemos assim constatar uma vez mais o duplo papel do padre confessor que neste caso era considerado quase que como um enviado da corte de Luís XIV para defender os interesses da causa francófila. De acordo com Maria Paula Lourenço394 e Cassiana Gomes395, D. Maria Francisca passa a usar-se do exemplo da sogra que estava continuamente presente nas reuniões de D. João IV com os seus ministros.

Ao contrário do que se pretendia, com o tratado da liga formal, as alianças entre as duas nações não trouxeram a total quietação pretendida, muito devido ao facto da acção de Castelo Melhor que tudo fazia para que Portugal não se tornasse em país inferior perante a supremacia francesa.

Sendo que o seu principal objectivo seria apenas o de lidar com os problemas da