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Os conflitos de documentação imobiliária, identificados no período 1985-2000

1. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO PÚBLICAS NO ESTADO DE SÃO PAULO

1.4 Os conflitos de documentação imobiliária, identificados no período 1985-2000

Nas últimas décadas do século XX, os remanescentes florestais contínuos de grande extensão no Estado foram reduzidos à região da Serra do Mar, litoral e Vale do rio Ribeira de Iguape. Da mesma forma que no processo de destruição das Reservas do Pontal do Paranapanema, utilizando-se da confusão estabelecida com documentação imobiliária irregular e ilegal, grupos privados investem contra as unidades de conservação dessa região, extraindo produtos florestais, implantando loteamentos clandestinos e reivindicando indenizações vultosas ao governo do Estado, mediante ações de indenizações indiretas.

No contexto favorável a ações de criação e implantação de unidades de conservação, o governo do Estado – que estava freqüentemente pressionado por campanhas públicas realizadas por ONGs para implantação efetiva das unidades de proteção integral – encontrou-se diante da demanda de regularizar os conflitos de documentação e do registro da propriedade imobiliária. Esses conflitos incidem sobre a maior porção da área dos parques e estações ecológicas estaduais, que foi ampliada pela

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Em casos específicos como no PETAR e EEJI ocorreu a integração das equipes do Instituto Florestal e Procuradoria Geral do Estado, com excelentes resultados, sem que isso tenha configurado a necessária estruturação e integração dos órgãos, que pudesse agilizar definitivamente a regularização fundiária das UCs .

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criação de unidades de conservação a partir da década de 1970, sem a necessária implementação de uma política de regularização fundiária.

Em 1982, Franco Montoro, primeiro governador do Estado de são Paulo eleito após a ditadura militar, iniciou o processo de regularização fundiária no Vale do Rio Ribeira de Iguape, com a realização de ações discriminatórias e legitimação de posses de pequenos proprietários.

Nos objetivos do Plano Diretor do Desenvolvimento Agrícola do Vale do Ribeira (SÃO PAULO, 1985) foi incluído o Projeto de Regularização de Domínio do Estado em parques situados nessa região. Para a realização dos trabalhos, foi constituída junto ao CONSEMA – Conselho Estadual do Meio Ambiente – equipe denominada “grupo de parques”, com a responsabilidade de realizar, em conjunto com a Procuradoria do Patrimônio Imobiliário, levantamentos necessários.

Em 1985 foi iniciada a implantação do projeto piloto de regularização fundiária do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira – PETAR, sendo constatado um grande número de conflitos de documentos e do registro da propriedade imobiliária, cuja superposição configurou vários “andares”.

Essa metodologia teve como base o mapeamento dos conflitos de documentação imobiliária e a análise dos títulos de domínio e registros dos imóveis envolvidos. Dessa forma, no caso do PETAR, foi decodificada a confusão estabelecida nos documentos e registros da propriedade imobiliária, sendo adotadas estratégias para o equacionamento e resolução destes documentos, de forma a viabilizar a implantação efetiva dessa importante unidade de conservação.

A metodologia desenvolvida para o PETAR foi aplicada, no período de 1985 a 2000, em situações específicas de conflitos existentes em outras unidades localizadas no Vale do Rio Ribeira, Serra do Mar e litoral do Estado, resultando na identificação de um cenário de conflitos fundiários generalizado nessa região.

Mesmo em áreas de unidades consideradas regularizadas há décadas, sob o ponto de vista dominial, como o P. E. Carlos Botelho29 e porções do P. E. da Serra do Mar, foram constatados conflitos de documentação que se desdobram em demandas judiciais entre o poder público e particulares.

Nesse contexto, foram identificadas ações de particulares para “corrigir” escrituras, utilizando-se das mais modernas técnicas disponíveis, inclusive de imagens de satélite e aparelhos como o GPS (Global Positioning System) e Estação Total30. Em muitas situações, os mapas elaborados não estão vinculados à documentação imobiliária que possua uma descritiva que permita a identificação dos limites físicos do imóvel (COSTA NETO, et al., 2001; COSTA NETO, 2002).

Os levantamentos realizados no período de 1985 a 2000 indicaram a necessidade da elaboração da malha fundiária do conjunto dos conflitos incidentes sobre a área dessas unidades e da respectiva análise de toda a documentação envolvida, permitindo a visão de conjunto necessária para a adoção de políticas públicas eficazes de saneamento da documentação imobiliária, proteção e implantação efetiva dessas unidades e defesa do Estado em ações judiciais.

Nesse sentido, em 1998 foi elaborado o Plano de Trabalho do Grupo Temático de Apoio à Regularização Fundiária, no âmbito do Projeto de Preservação da Mata Atlântica – PPMA, em implantação por meio de parceria entre a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e o Banco Alemão Kreditanstalt für Wiederaufbau - KfW. Esse plano detalhou a proposta para a realização de levantamento da malha fundiária em quatro parques estaduais e duas estações ecológicas, situados na Serra do Mar, Vale do Ribeira e litoral.

A proposta objetivou, a exemplo da metodologia já aplicada em situações específicas nessas unidades, a sistematização de todas as informações fundiárias já existentes e complementação dos levantamentos necessários, de forma a dar transparência à

29 SMA 10.466/99 e SMA 41.540/1998. 30

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superposição de documentação e conflitos existentes, concluindo com diagnóstico desses conflitos, espacializando-os em mapas digitalizados e permitindo a adoção de estratégias eficazes de resolução desses conflitos (SÃO PAULO, 1998J). Ainda no final de 2004 a proposta não havia sido implementada.

Os resultados obtidos são seguidos de períodos de impotência das equipes técnicas envolvidas para resolução dos conflitos de documentação imobiliária em UCs, que continuaram sendo tratados mediante ações pontuais e com o Estado na defensiva. As unidades de proteção integral continuam aguardando a implementação de políticas públicas para regularização das terras.

Os avanços e dificuldades no programa de apoio à regularização fundiária desenvolvido pela Divisão de Reservas e Parques Estaduais – DRPE IF –, durante a década de 1990, foram discutidos por Costa Neto et al. (2002b), sendo destacados os esforços realizados pelas equipes técnicas para integração institucional e implementação de uma política voltada à priorização do conhecimento da indisciplina da malha fundiária. De acordo com as conclusões apresentadas, na década de 1990 houve um rico período de busca de soluções para criação de novas unidades de conservação e saneamento dos conflitos existentes. No entanto, a falta de políticas voltadas para a resolução definitiva da questão fundiária no conjunto das UCs não permitiu a elaboração de malhas fundiárias que viabilizassem ações decisivas para acabar com esses conflitos.

Da mesma forma, discutindo as dificuldades para obtenção de resultados na conservação das florestas do Estado, Furlan (2000) afirma: “as políticas públicas são contraditórias e nas situações mais conflitivas prevalecem as não-políticas”.

Cabe ressaltar que o citado programa de apoio à regularização fundiária, até hoje, é caracterizado como “de apoio”, devido ao fato da atribuição da regularização fundiária das unidades existentes no Estado de São Paulo, esta sob responsabilidade de outra instituição, a Procuradoria Geral do Estado.

Apesar dos esforços para integração dessas instituições, e em alguns assuntos específicos existirem importantes avanços, ainda não existe uma política de regularização imobiliária para o conjunto dessas unidades, adiando a incorporação ao patrimônio do Estado, das terras devolutas, dos imóveis particulares por meio de desapropriações e a demarcação física, ações necessárias à consolidação do Sistema Estadual de Unidades de Conservação.

No início do século XXI, a indisciplina na documentação imobiliária ainda constitui limites à conservação da Mata Atlântica e coloca em risco a consolidação de uma rede de unidades de proteção integral, com abrangência territorial mínima para garantir a conservação das últimas amostras dos remanescentes dos ecossistemas originalmente existentes no Estado de São Paulo.

2. Origens da indisciplina da documentação