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3 DISCUTINDO A TRAJETÓRIA DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA

3.1 OS CONSELHOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

O desmonte de direitos e a crescente retração do Estado, vêm exigindo da gestão pública novas estratégias de intervenção, uma gestão que se afaste das práticas burocráticas e setoriais, uma gestão que se materializa especialmente pelo trabalho coletivo e é construída na perspectiva da participação e do controle social. No entanto, essa mudança na forma de gerir o público se constrói sob bases contraditórias: ao mesmo tempo que preconiza a descentralização, participação social, relações democráticas entre os atores e instituições, fortalece também as práticas de um Estado mínimo, legitimando a divisão de responsabilidades na execução da política pública com esses atores, repassando as funções públicas estatais para o espaço privado da sociedade civil e do mercado (FONSECA et. al, 2009). Raichelis (2009) assevera que a Constituição de Federal de 1988 legitimou os conselhos gestores de políticas públicas, espaço de participação de atores sociais e de controle

social, e estabeleceu uma série de mudanças no cenário social, político e cultural, de modo que se verifica o protagonismo de novos atores sociais e a contribuição destes para o fortalecimento da democracia do País. As inovações institucionais em andamento estruturam- se de modo a incorporar representantes da sociedade civil e do Estado, inclusive aquelas categorias e grupos sociais que antes estavam excluídos do espaço público institucional e do debate com as representações formais do Estado. Tais fatos, portanto, tornam-se relevantes quando se pensa e se atua na avaliação de políticas públicas.

De acordo com Pellini (2003), cinco estratégias ocorrem no exercício do controle social pela sociedade civil: organizações não-governamentais; participação na elaboração de orçamento público; por colaboração junto ao Poder Legislativo; no controle da execução financeira; e por meio dos conselhos. Todavia, alguns elementos limitadores dificultam o exercício do controle social, tais como: ênfase no aspecto financeiro; reduzida preocupação com indicadores sociais; e frágil prática do exercício do controle social no Brasil a partir dos conselhos gestores de políticas públicas, ainda pouco incorporados na cultura da sociedade. Aqui o desafio está na dificuldade das organizações da sociedade civil em ocupar os espaços dos conselhos de modo propositivo, conforme registra Santos (2005), uma vez que há em certo grau, centralidade nos representantes governamentais por residir nestes o domínio da elaboração e da execução financeira e orçamentária.

Os conselhos municipais de assistência social, a despeito de, é um espaço de resultante do processo de interação das ações dos diversos atores, atuando como instituição legitimadora. Para Arendt (1973, p. 35) a esfera social é ―o domínio curiosamente híbrido onde os interesses privados adquirem significação pública‖. Entende-se que o que caracteriza a modernidade política é a compreensão da política como uma função da sociedade, com a implicação fundamental de que as questões eminentemente privadas da sobrevivência e da aquisição transformaram-se em interesse coletivo, ainda que nunca se possa conceber de fato de tal interesse como sendo público. Os conselhos, como formas de gestão da coisa pública, foram defendidos Arendt (1973) ao estudar as revoluções francesa e americana assim como ao definir os espaços da ação coletiva9 entre o público e o privado. Para a autora, os conselhos são a única forma possível de um governo horizontal; um governo que tenha como condição de existência a participação e a cidadania. Em Crises da república, a autora afirmou que os conselhos poderiam ser não apenas uma forma de governo, mas também uma forma de

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A ação coletiva é vista aqui com referência aos estudos sobre trabalho coletivo, que interessam especialmente em como o trabalho prescrito se transforma em trabalho real de cada docente ou de um coletivo de docentes no contexto escolar (BORGES, 2010).

Estado. Obviamente, esta constatação não conflitua com a existência, em volume bem menos expressivo, de outras formas de participação direta da sociedade civil nas ações públicas. Ressalte-se que a emergência de novos atores sociais e espaços coletivos representa o alargamento das fronteiras temáticas do espaço público.

Com o Estado Democrático de Direito introduzido pela Constituição Federal de 1988, o Brasil criou espaços públicos em que a população participa do processo de formulação das políticas públicas. São os conselhos que exercem o papel de ligação entre os anseios da população e os gestores locais, permitindo uma cooperação na definição das políticas públicas (ROCHA, 2011). Assim o conselho assume o papel de espaço de empoderamento e de governança local (interação entre o governo e a sociedade sob uma ótica democrática) e redefine a cultura política brasileira, sendo imprescindível o esforço da população em fazer parte do processo decisório nas políticas públicas, fortalecendo a cidadania, com tomada de decisões, controle dos recursos públicos, respeito aos princípios que regem a Administração Pública e defesa da qualidade de vida de todos os cidadãos.

No Brasil, a partir de 2003 a política de assistência social vem alterando profundamente as formas de organização e gestão que, agora, trazem um espírito absolutamente novo para o setor, rompendo com práticas, ideias e ideologias que persistiram desde os primórdios da assistência social como política pública na década de 1930. O Sistema Único de Assistência Social vem sendo construído desde 2004, quando a nova Política Nacional de Assistência Social é constituída em conjunto com a Norma Operacional Básica – NOB/SUAS. A estruturação material pensada para o SUAS tem sido relativamente rápida, porém, restando o desafio colocado – para operadores técnicos e gestores – de internalizar os conceitos que orientam a execução da política na ação cotidiana (COELHO, 2014). A IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em dezembro de 2003, em Brasília/DF, apontou como principal deliberação a construção e implementação do Sistema Único da Assistência Social, requisito essencial da LOAS regulamentada pela Lei nº 8.742 de 07 de dezembro de 1993, alterada pela lei nº 12.435 de 06 de julho de 2011, para dar efetividade à assistência social como política pública.Vale lembrar, ainda, que a LOAS e a organização do SUAS reforçam a articulação entre os três entes federados para a melhor execução da Política. O mesmo caminho também foi tomado na V conferência realizada em 2005.

Ressalta-se que em 2004 foi elaborada uma agenda comum entre os conselhos municipais, estaduais, do Distrito Federal e nacional de assistência social, definindo estratégias e ações para o exercício e efetivação da intersetorialidade, sendo tema central da VII Conferência Nacional, realizada em 2009. Desencadear a discussão e o processo de

reestruturação orgânica da política pública de assistência social na direção do SUAS, ampliando e ressignificando o atual sistema descentralizado e participativo foi compromisso conjunto firmado entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e gestores da política de assistência social, à frente das secretarias estaduais e municipais. A Política Nacional de Assistência Social busca incorporar as demandas presentes na sociedade brasileira no que tange à responsabilidade política, objetivando tornar claras suas diretrizes na efetivação da assistência social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado.

A gestão proposta por esta Política pauta-se no pacto federativo, que deve detalhar as atribuições e competências dos três níveis de governo na provisão das ações socioassistenciais, em conformidade com o preconizado na Lei Orgânica da Assistência Social e na Norma Operacional Básica, a partir das indicações e deliberações das Conferências, dos Conselhos e das Comissões de Gestão Compartilhada (Comissões Intergestores Tripartite e Bipartite – CIT e CIBs), que se constituem em espaços de discussão, negociação e pactuação dos instrumentos de gestão e formas de operacionalização da Política de Assistência Social. A forma de gestão no sistema descentralizado e participativo proposto pela LOAS, em seu capítulo III, artigo 6º, implica na participação popular e na autonomia da gestão municipal, potencializando a divisão de responsabilidades e o co-financiamento entre as esferas de governo e a sociedade civil (BRASIL, 2012). Quanto aos repasses financeiros aos estados e municípios, existem os fundos de participação que atuam como agente central na manutenção e autonomia da Política em relação às esferas subnacionais. Mesmo reconhecendo que, embora a maioria dos Estados e dos Municípios assegure recursos próprios, ainda não há uma dinâmica de repasse destes aos Fundos de Assistência Social.

O exame das variadas concepções institucionais e, nelas, a visão de gestão, permitem deduzir que não há a negação do fato de que os conselhos são instituições sociais que, para cumprirem seus objetivos e planejamentos, precisam ser em alguma medida administradas ou geridas e com garantia sistemática de transferência de recursos. No entanto, apresentam posições complexas e, frequentemente, com grau de discussão ampliado quando envolve poder público, sociedade civil e organizações sociais, com relação aos seus objetivos e às formas organizacionais.

4 CONCEITOS E CONCEPÇÕES ACERCA DO INSTITUCIONALISMO

Os primeiros estudos organizacionais adotam o conceito de instituição de modo prescritivo. Essa perspectiva, chamada de desenvolvimento institucional, preocupa-se com as formas como uma organização pode se tornar instituição, ou seja, ganhar legitimidade perante a sociedade e tornar-se permanente, sobrevivendo no ambiente. Neste sentido, nos primórdios dos estudos das organizações, verifica-se a adoção prescritiva do conceito de instituição, uma vez que se tinha como foco de compreensão e análise a forma como organizações poderiam se transformar em instituições. Entretanto, para efeito de discussão e base teórica do estudo, aqui se toma como referência o novo institucionalismo, porém sendo necessário retomar em alguns momentos ao velho institucionalismo para entender a perspectiva no novo institucionalismo.

Peci (2006) relata que a permanência das instituições decorre não apenas do fato de que estas satisfazem necessidades humanas (culturalmente definidas), mas, também um conjunto de fatores contingenciais que nascem de relações inevitáveis. Peci (2006) destaca que a chamada corrente de desenvolvimento institucional ou (institutional building), causou grande impacto nos estudos organizacionais, especialmente, devido a seu caráter aplicado (PECI, 2006). Para Barroso (2006) a legitimação das instituições compreende ―[...] os processos formais e informais que garantem a coordenação da ação coletiva, através de produção e manutenção de regras que asseguram o seu funcionamento‖. Esses processos com base nas teorias desenvolvidas por Reynaud (1997) incluem a regulação de controle, por meio da definição de normas e regras, nomeadamente pela ação do Estado, que orientam a organização e o funcionamento dos conselhos; a regulação autônoma, resultante da produção de regras próprias e das ações dos atores, neste caso, os que estão envolvidos na dinâmica dos conselhos municipais de assistência social em função da sua própria diversidade, onde estão em jogo interesses coletivos cujas relações resultam numa complexidade de debates que abrangem todas as diretrizes, ações e dinâmica territorial.

Tanto a perspectiva prescritiva quanto o trabalho de Hughes (1996) ressaltam a importância do caráter permanente das instituições. O que parece diferir entre eles é a praticidade do primeiro e a complexidade do segundo. Enquanto o primeiro busca formas para que uma organização se torne instituição, o segundo tende a considerar aspectos antropológicos, psicológicos e sociológicos. Selznick (1996) designa como ―processo de institucionalização‖, pode ser sintetizado num aspecto: valores substituem fatores técnicos na determinação das tarefas organizativas. Para o autor, a organização é uma expressão estrutural da ação racional que, com o passar do tempo, se apresenta sujeita às pressões do ambiente