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RELATOR PAUTA CCJ

4.2 OS CONSENSOS NECESSÁRIOS PARA A CONCRETIZAÇÃO DA REFORMA POLÍTICA

Considerando que a busca pela reforma política envolvendo a alteração das competências institucionais conferidas aos Poderes Legislativo e Executivo em matéria de política externa se insere na segunda geração de reformas, não se pode afastar a percepção de fatores que contribuem para a dificuldade de concretização desse objetivo, tais como a necessidade da formação de consensos e a cooperação de diferentes atores. Dessa forma, retomando o debate teórico acerca das reformas exposto na primeira seção deste trabalho, Rennó (2008) ressalta a imprescindibilidade da existência de dois tipos de consensos: o primeiro, de caráter empírico, e o segundo, de caráter normativo.

Quanto ao consenso empírico, da análise das justificativas expostas nas Propostas de Emendas apresentadas por ambas as Casas Legislativas, poderia se argumentar haver um consenso entre seus parlamentares proponentes e signatários e, portanto, de uma parcela do Poder Legislativo quanto à necessidade de reforma institucional para conceder ao Parlamento maior participação na formulação e condução dessa política, especialmente ex ante, não sendo mais suficiente um

97 O Poder Judiciário, ainda que não participe do processo de reforma política do mesmo modo que os demais Poderes, pode realizar essas mudanças por meio da interpretação judicial, tal como ocorreu no ano de 1998, com o fim da candidatura nata de deputados federais à reeleição, no ano de 2001 com a aprovação da verticalização eleitoral e no ano de 2007, com uma decisão judicial no sentido do fortalecimento da fidelidade partidária, ao impor maiores punições aos políticos que migram de partido político.

papel meramente homologatório das decisões adotadas pelo Poder Executivo, sobretudo diante das alterações conjunturais internacionais e internas identificadas expressamente por estes quando da propositura dessas medidas. Todavia, para o sucesso do Poder Legislativo nessa empreitada há a necessidade de se alcançar não apenas um quórum qualificado dos congressistas, mas, ainda, o apoio do Poder Executivo, tendo em vista o funcionamento do sistema político brasileiro e os poderes legislativos conferidos a este Poder que o permite influenciar, direta ou indiretamente, na arena legislativa, como exposto supra.

No mais, ainda há, dentre estes consensos, o apoio da sociedade. Como argumenta Melo (2006, p. 61), “a ocorrência de um processo de reforma política, sua direção e seus resultados, depende de como se combinam pressões sociais e constituição de maiorias legislativas”. Nesse sentido, destaca-se a observação feita por Souza (2001, p. 6) de que, por mais paradoxal que seja a percepção de que os interesses e as opiniões “da sociedade civil são insuficientemente representados não se traduz em consenso quanto à participação do Congresso nas decisões de política externa”. Para esse autor:

[...]. Embora a metade da comunidade brasileira de política externa (54%) defenda que essas decisões devem ser previamente negociadas com o Congresso, a outra metade (46%) acredita que a política externa deve ser, como é hoje, atribuição exclusiva do Executivo, cabendo ao Congresso apenas ratificar as decisões tomadas. É este o painel geral dos consensos e principais divergências sobre a política externa brasileira ao qual este estudo permitiu chegar. [...]. Em um país como o Brasil, onde a definição dos objetivos e estratégias da política externa esteve tradicionalmente restrita ao corpo diplomático, a ideia de ampliar o espaço para que o Congresso ou grupos sociais organizados exerçam influência no processo decisório, introduzindo questões de seu interesse na agenda internacional do governo, ainda esbarra em resistências. (SOUZA, 2001, p. 6; 86).

As forças que se contrabalanceiam nesse contexto envolvem, de um lado, a “[...] visão da política externa como uma política de Estado, e a relutância em se impor limites à sua condução por círculos fechados de especialistas, aninhados no Executivo federal”, e, de outro, a visão da política externa “como uma política de governo, e que, por esta razão, deve ser mais permeável às influências de segmentos da sociedade diretamente atingidos pelas decisões do poder público”, defendendo, assim, uma ampliação das prerrogativas parlamentares nessa área temática (SOUZA, 2001, p. 92).

Já quanto às análises da atuação do empresariado e o Poder Legislativo, especialmente no tocante à política comercial, ainda que esse Poder tenha figurado como uma instância institucional relevante na dinâmica de atuação dos interesses organizados nesse campo, não se pode “afirmar que há consensos bem formados entre o setor privado sobre a necessidade de estimular o Legislativo a exercer plenamente o seu papel de contrapeso ao Executivo”. Pelo contrário, da avaliação do posicionamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), há até mesmo uma cautela “em chancelar essa alteração na correlação de forças, com receio de um possível entrave na dinâmica de negociações de acordos internacionais” (OLIVEIRA; ONUKI, 2010, p. 17).

Por fim, cabe ressaltar que os próprios estudos na literatura sobre a participação do Congresso Nacional na política externa, como tratado na segunda seção desse trabalho, não atingem um consenso com relação ao papel desempenhado pelo Poder Legislativo na prática, nem acerca dos mecanismos institucionalizados constitucional e regimentalmente que permitam a intervenção mais efetiva desse Poder nessa política pública. Sequer houve a constatação de um posicionamento expresso e claro do Poder Executivo a respeito do comportamento propositivo de alteração do status quo institucional por parte do Poder Legislativo nessa temática. Logo, a exigência de tais consensos empíricos, múltiplos e sequenciais, torna o processo de reforma política nesta seara complexo e, portanto, difícil de ser atingido.

Já quanto ao segundo consenso necessário às reformas políticas, qual seja, a de natureza normativa, as reformas políticas enfrentam, ainda, alguns dilemas característicos das mudanças institucionais, tais como a imprevisibilidade dos efeitos causados pela reforma, o paradoxo entre governabilidade e representatividade, os efeitos não antecipados de mudança política, o possível caráter casuístico da reforma, além da dependência da trajetória (path dependency) (RENNÓ, 2008). Da pesquisa empreendida, pode-se argumentar a presença desses dilemas e a ausência de consenso normativo.

A própria existência de diferentes propostas apresentadas concomitantemente ou sobrepostas, em ambas as Casas Legislativas, com escopos mais amplos ou mais pontuais sobre quais alterações devem ser feitas para ensejar uma maior participação desse Poder na política externa, bem como a ausência, até o momento, de aprovação dessas medidas, sugerem a falta desse consenso

normativo. Vale destacar, inclusive, que, por vezes, os proponentes das PEC’s analisadas atentam para os desafios que a mudança institucional nesse campo acarreta, tal como exposto na terceira seção.

Ante ao exposto, atingir os consensos normativos sobre como deve funcionar o sistema a ser substituído por meio da reforma política pretendida parece ser ainda mais difícil do que alcançar os acordos sobre o que há de errado nesse mesmo sistema. No caso brasileiro, resta claro que a ausência de consensos empíricos e normativos sobre mudanças políticas tornam as reformas políticas raras e se configuram em um sério entrave à ocorrência dessas mudanças no futuro (RENNÓ, 2008).