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Fauna mamalógica do sítio do Fariseu

foto 3 Painel A da rocha 1 de Vale de

3. Os dados da Arqueozoologia

Durante os trabalhos de escavação realizados no Prazo recolheram-se centenas de peças ósseas, sobretudo nas unidades estratigráficas U4a (Mesolítico), U4, U3 e U3-sector VII (Neolítico Antigo). Na sua grande maioria, estas peças encontravam-se muito fragmentadas e desprovidas de elementos anatómicos de diagnóstico, o que dificultou os processos de determinação das espécies. Por isso, em muitos casos, tal determinação assentou na avaliação da dimensão/ robustez dos segmentos anatómicos, tendo como referência as características das peças originais (Cardoso, 1996).

Para além de fragmentadas, quase todas as peças osteológicas evidenciavam nítidas marcas de fogo, confirmadas quer pelo padrão de fracturação – estalamento devido a dissecação – quer pela coloração cinzento-esbranquiçada, no limite cinzento-azulada. Tal facto poderá corresponder à prática da projecção dos ossos para as estruturas de combustão, adjacentes aos locais de consumo, após descarnamento. A hipótese de marcas de fogo devido a churrasco é de rejeitar, uma vez que neste caso tais marcas seriam mais circunscritas e menos intensas (idem).

Outros tipos de informações normalmente obtidas pela Arqueozoologia, tais como o sexo e a idade de abate dos animais, a determinação das partes anatómicas mais utilizadas, os modos de desmanche das carcaças, e mesmo aspectos de carácter tafonómico (idem) foram, obviamente, impossíveis de obter em função do elevado grau de destruição patente nas peças ósseas.

Assim, o estudo realizado possibilitou apenas o reconhecimento das espécies indicadas no quadro 1, sem que tenha sido possível proceder-se a qualquer tipo de quantificação.

quadro 1 Mamíferos identificados no sítio

pré-histórico do Prazo

Muito embora as espécies selvagens assinaladas no quadro (Cervus elaphus, Capreolus

capreolus, Sus scrofa e Oryctolagus cuniculus) sejam extremamente adaptáveis a diferentes

ecossistemas (habitam desde o Norte de África até às mais diversas latitudes da Europa, Ásia e América do Norte), a sua presença nos níveis pré-históricos do Prazo não contraria os dados avançados pela Paleopalinologia e pela Antracologia no que diz respeito à existência, no passado, de uma paisagem florestal de tipo mediterrânico. De facto, estes mamíferos encontram nestes ambientes florestais condições favoráveis à sua sobrevivência, desde a abundância de alimentos a aspectos relacionados com a sua reprodução e segurança. Relativamente a esta última, o bosque proporciona protecção contra predadores através, por exemplo, de esquemas de mimetismo conseguidos em grande parte pelos padrões da pelagem, sobretudo durante a fase juvenil.

A presença do Veado pode ainda corroborar a existência de quercíneas (Carvalho, Sobreiro e Azinheira), do Freixo (Fraxinus), bem como de outras árvores e arbustos com fruto, como por exemplo o Zambujeiro (ou Oliveira brava, Olea europaea), já que todos eles integram o seu regime alimentar (com destaque para as folhas das quercíneas e da bolota, com alto valor nutritivo). O Veado alimenta-se também de pequenos rebentos, líquenes (frequentes na casca das árvores), cogumelos e herbáceas que se encontram nas clareiras.

Por vezes, o Veado procura zonas de matagal, sobretudo durante o Verão, para se proteger do calor. Todavia, esses locais não poderão ter vegetação excessivamente densa por causa das suas hastes, que aí lhes dificultariam a mobilidade.

A ocorrência deste cervídeo em regiões de clima mediterrânico, marcadas por verões quentes e secos, implica uma cobertura arbórea importante, capaz de lhe assegurar alimento na época em que as herbáceas tendem a secar. Estas últimas, por seu turno, têm de existir

forçosamente nos ecossistemas frequentados pelo Veado pois garantem o seu bom desenvolvimento físico, nomeadamente no que concerne ao peso, à corpulência e ao desenvolvimento de hastes de boa qualidade, com diversas pontas e amplos contra-estoques

(a qualidade das hastes tem reflexos na reprodução e, portanto, na sobrevivência da espécie). O Corço, tal como o Veado, também habita as florestas, e tem uma dieta variada. Contudo, revela uma certa apetência por biótopos com maior quantidade de espécies arbustivas, herbáceas e gramíneas.

A presença de um fragmento de haste de cervídeo (Cervus elaphus ou Capreolus capreolus) na unidade U3 (Neolítico Antigo) pode sugerir uma caçada realizada entre a Primavera e o Outono, pois fora deste período os cervídeos estão desprovidos de armações. Em todo o caso, há que ter em conta que a referida haste poderia ter sido simplesmente encontrada (após o desprendimento natural do crânio do animal), e levada para o acampamento numa outra qualquer época do ano.

O Javali, com os seus hábitos omnívoros, encontra igualmente uma grande diversidade de alimentos nas regiões florestadas. Os alimentos de origem vegetal são a base da sua dieta, que pode ser composta por plantas (no seu todo ou apenas partes, como as raízes), frutos (bolotas), insectos, pequenos mamíferos (ratos, esquilos e coelhos), aves, ovos e, por vezes, carne em decomposição. A componente animal é sempre menor que a vegetal, assumindo a primeira a função de complemento alimentar em virtude da componente proteica.

Dentro da floresta, o Javali procura com alguma frequência locais com matos mais densos para dormir, para se refugiar e, sobretudo, para ter as suas crias.

A fim de manter a sua pele livre de parasitas costuma tomar banhos de lama em charcos ou nas margens enlameadas dos ribeiros. Os vestígios no solo decorrentes deste comportamento são muito comuns ainda hoje no vale da ribeira de S. João que, como se referiu, delimita o lado E da área arqueológica do Prazo.

Apesar da sua ampla distribuição geográfica, o Coelho poderá constituir um bom indicador de ambientes térmicos ou, pelo menos, marcados por uma nítida sazonalidade. Para além de particularmente sensível ao frio e à humidade, o carácter altricial (relacionado com a vulnerabilidade das crias à nascença, nomeadamente com a ausência de pêlo) deste lagomorfo pressupõe períodos com temperaturas elevadas em que ocorrem a reprodução e os nascimentos. De facto, o ciclo reprodutor do Coelho encontra-se ligado às variações da temperatura e da precipitação e ao ciclo das plantas, estando a sua duração condicionada pela disponibilidade de alimento.

O habitat natural do Coelho possui uma cobertura arbórea importante que fornece protecção face ao ataque das rapináceas. Por outro lado, a existência de árvores possibilita tocas mais duráveis e seguras, uma vez que a estrutura radicular das raízes favorece a consolidação do solo nas suas imediações. O Coelho, no entanto, frequenta também zonas de matagal, zonas com vegetação rasteira e pastos. De um modo geral, evita deslocar-se em locais com herbáceas excessivamente altas, que não só o impedem de detectar a aproximação de predadores como de fugir rapidamente.

No que diz respeito à alimentação, este mamífero consome rebentos (e outras partes tenras das plantas), herbáceas, gramíneas, raízes e mesmo casca de árvore. A maior parte da água que assimila provém de vegetais muito ricos naquele mineral, o que pressupõe a existência de nichos com um elevado grau de humidade no solo (Confagri, 2006).

Quanto às espécies domésticas, estar-se-á, em princípio, perante restos de Ovelha (Ovis aries) e/ ou Cabra (Capra hircus), uma vez que as dimensões/ robustez de alguns dos fragmentos de osso assim o sugerem. Segundo J. L. Cardoso (inf. pess.), uma das peças dentárias estudadas (M1 ou M2 sup. esq.) é inquestionavelmente de um ovicaprídeo, embora não seja possível determinar com segurança a qual das espécies pertence. Em função do seu tamanho reduzido e fraca robustez poderá ser atribuída a Ovelha.

2001), este dente forneceu uma datação incompatível (4440 ± 50 BP: 3336-2924 cal. BC) com o contexto arqueológico a que terá estado ligado (Neolítico Antigo), o que provavelmente poderá decorrer do facto de se encontrar queimado e não calcinado (idem; Monteiro- -Rodrigues e Angelucci, 2004). Recorde-se que o molar em questão foi detectado na unidade U4a (Mesolítico), posição que resultará de fenómenos pós-deposicionais.

Apesar de consumirem uma enormíssima diversidade de plantas – ao ponto de serem considerados destruidores de ecossistemas por sobre-exploração (e por pisamento) –, os ovicaprídeos têm preferência pelos pastos dominados por herbáceas e gramíneas. Por isso, a prática da queimada em regiões florestais, com o objectivo de gerar paisagens abertas, é uma actividade bem conhecida no quadro das sociedades que desenvolvem o pastoreio.