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Os desafios da sociedade da informação e a escola

1. Desafios da escola actual: algumas reflexões

1.2. Os desafios da sociedade da informação e a escola

Em todas as transformações da sociedade, a escola foi chamada a dar resposta aos desafios impostos pelas conjecturas económico-sociais da época. Podemos constatar isso mesmo com a abordagem mecanicista do paradigma industrial, que pretendeu dar resposta às necessidades da Revolução Industrial ao aplicar a racionalidade científica às actividades humanas, numa perspectiva de progresso material. Esta abordagem garantia a formação necessária que o mundo laboral exigia com vista à produção em massa e à rentabilidade da força humana. Apostava-se numa transmissão de conhecimentos e a valores predeterminados que fossem de encontro aos interesses económicos

A sociedade actual impõe outras orientações. Dadas as fontes inesgotáveis de acesso à informação, impõe-se que a actualização de conhecimentos seja efectiva a não fique na mera transmissão de conteúdos. Como é referido em Educação, um tesouro a

descobrir:

a educação deve transmitir, de facto, de forma maciça e eficaz, cada vez mais o saber ser e o saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva, pois são as bases das competências do futuro. Não basta a mera transmissão racional de conhecimentos, pois corre-se o risco de desactualização constante dada a evolução tecnológica acelerada dos dias de hoje. (Delors, 1996, p. 77)

Sem descurar a transmissão de conhecimentos básicos e o treino da memória, aprender a conhecer significa aprender a conhecer os instrumentos do conhecimento num conceito de aprender a aprender. Para tal, a sociedade da informação impõe que se desenvolva nos adultos de amanhã os conhecimentos técnicos para que não se tornem info-excluídos e tenham as competências necessárias à aprendizagem ao longo da vida. Contudo, estes assentam em conhecimentos básicos e na formação pessoal, moral e ética do indivíduo. Devem, por isso, ser preparados para aceder criticamente à informação, reflectindo sobre o que lhe interessa a si e à sociedade em que está inserido, discernindo de acordo com os valores morais e éticos. Todo o ser humano deve ser preparado “para elaborar pensamentos autónomos e críticos e para formular os seus

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próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo como agir nas diferentes circunstâncias da vida (Delors, 1996, p. 85-86).

Se são estes os desafios educacionais da sociedade actual, é nas Escolas Superiores de Educação e Universidades formadoras de docentes que a transformação deve começar. E a mesma comissão recomenda aos governos “especial empenho em reafirmar a importância dos professores de educação básica e criar condições para que melhorem as suas qualificações” já que “se o primeiro professor que a criança ou o adulto encontra na vida tiver uma formação deficiente ou se revelar pouco motivado, são as próprias fundações sobre as quais se irão construir as futuras aprendizagens que ficarão pouco sólidas” (Delors, 1996, p. 136).

A formação integral do indivíduo está prevista no currículo nacional, mediante o desenvolvimento das competências transversais e do “patamar comum de conhecimentos” que Nóvoa, em Nada substitui o bom professor (2007, p. 8), refere. Na verdade, estes consagram competências básicas incontornáveis que devem ser obrigatoriamente desenvolvidas para que todas as crianças tenham sucesso. E é neste sucesso que todos os professores devem fazer confluir todos os seus esforços. O programa dos Estados Unidos da América, “No child left behind”, apresentado por G.W.Bush constituiu um programa internacional que poderia ser de qualquer parte de mundo, já que pretende que todas as crianças, sem excepção, tenham acesso à educação, ao desenvolvimento das competências necessárias para ter sucesso na vida. Estas competências incluem as novas tecnologias, para que não se crie uma nova forma de exclusão: a info-exclusão. Nóvoa refere que:

Na sociedade do conhecimento, só há uma maneira de incluir: é conseguir que as crianças adquiram o conhecimento (…) A pior discriminação, a pior forma de exclusão é deixar a criança sair da escola sem ter adquirido nenhuma aprendizagem, nenhum conhecimento, sem as ferramentas mínimas para se integrar e participar activamente da sociedade do conhecimento (2007, p. 12).

Não se pode pretender um estado democrático e desenvolvido se os seus sistemas de ensino não forem verdadeiramente inclusivos, não ignorando aqueles que ficam para trás. Rangel cita F. Chung, que afirma que os “países que conhecerão uma evolução mais positiva, em termos de desenvolvimento nos próximos anos, serão aqueles que dispuserem de uma população suficientemente instruída para responder às

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exigências de uma economia de base tecnológica avançada” e que “o papel da educação será determinante nesse processo” (Rangel, 1998).

Nenhum professor ignora e discorda da necessidade de desenvolver as competências transversais conducentes ao sucesso e à formação integral do indivíduo. A lógica diz-lhes que sim. A questão é: até que ponto elas são realmente, na prática, desenvolvidas. Nóvoa refere a situação caricata da sua vida quando foi formador de professores. Munido das mais recentes ideologias pedagógicas, deu aos seus alunos as melhores orientações para desempenharem a sua função como professores modernos, mas quando se confrontou com uma aula prática verificou que uma das alunas dava a aula segundo os moldes tradicionais pelos quais tinha sido ensinada nos seus primeiros tempos de estudante. Este hiato que vai entre as ideologias e prática na sala de aula, defende Nóvoa, deve-se aos poucos momentos de prática na formação inicial. Para este investigador, só será possível que os aprendentes do século XXI atinjam os conhecimentos e competências básicas de que irá necessitar para ser um aprendente ao longo da sua vida se os “professores mudarem as suas práticas e identidades profissionais” (Nóvoa, 2007, p. 8).

Se considerarmos que no Currículo Nacional1 este “patamar comum de conhecimentos”, defendido por Nóvoa, está definido nas competências gerais de Ensino Básico e vão ao encontro dos pilares da educação apontados pela comissão Delors, porque se assiste ainda hoje a uma desresponsabilização quanto ao desenvolvimento destas competências? Sabemos que, por variadas razões, os professores ainda trabalham muito “per si” e de uma forma muito compartimentada. Não raramente os docentes preocupam-se mais em “dar a matéria”, esquecendo que, mesmo sendo professor de matemática ou de educação física, tem também que desenvolver nos alunos competências para “usar a língua portuguesa para comunicar adequadamente e para estruturar pensamento próprio” ou para “pesquisar, seleccionar, organizar informação par a transformar em conhecimentos” ou para “realizar actividades de forma autónoma, responsável e criativa”, como se podia ler nas orientações do Currículo Nacional. De facto, todos os professores, independentemente da área científica, são chamados a

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Documento entretanto extinto pelo actual governo, mas que durante o período em que desenvolvemos a nossa investigação teve como função orientar uma parte significativa do trabalho escolar, servindo igualmente como documento de referência na formação inicial de professores.

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desenvolver estas e as outras sete competências básicas que constam do currículo nacional.

Porque é, pois, que ainda se “passa ao lado” destas competências? Porque é que se tenta ainda transformar estas competências gerais em competências específicas das disciplinas? Quem nunca esteve em Conselho de turma onde se atribuiu a competência “usar a língua portuguesa para comunicar adequadamente e para estruturar pensamento próprio”exclusivamente à disciplina de Língua Portuguesa? Paradoxalmente, os docentes das outras áreas queixam-se de que os alunos não sabem interpretar o que lêem e que é necessário desenvolver a competências da leitura efectiva. Contudo, pensam, muitas vezes, que essa não é a sua tarefa.

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