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2. A GESTÃO PÚBLICA NO BRASIL

2.2 Os desafios da Gestão Pública

A visão sobre o papel do governo está mudando. Com a ênfase na nova gestão pública, o governo é chamado a adotar uma orientação econômica de mercado, ser competitivo, focar mais em produtividade, desempenho e resultados, fazer mais com menos e controlar custos (KYARIMPA; GARCIA-ZAMOR, 2006).

Assim, administrar o setor público não é uma tarefa fácil e, a gestão pública brasileira encontra grande dificuldade para tornar efetivas as suas ações que, em geral, são morosas e inflexíveis. Isso reflete na baixa capacidade de resposta da administração pública no atendimento das demandas da população, o que tem contribuído para aumentar a insatisfação da sociedade para com o Estado (PEREIRA, 2011).

Ainda para Pereira (2011), fazer cortes e reduzir despesas públicas, estimular o crescimento acelerado da economia e combater a inflação e, ao mesmo tempo, promover a

desburocratização, gerar estímulos para a inovação tecnológica ou implantar adequadamente os programas sociais e promover a redução da pobreza no país não se concretizam pela manifestação da vontade do governante. Isso exige competência da administração pública e, consequentemente, de deliberações acertadas por parte do agente público.

O modelo atual da administração pública brasileira enfrenta dificuldades relacionadas com a ineficácia social, quer pela ausência, quer pela inadequada prestação de serviços públicos básicos à população. Assim, a realização do bem comum, da justiça social e a inclusão cidadã se tornam objetivos cada vez mais distantes de serem atingidos (ARRUDA NETO, 2010).

Dessa maneira, o agente público, ao assumir a difícil tarefa de gestão da coisa pública, tem sérios desafios a serem considerados. Na visão de Fonseca (2017), há quatro relevantes desafios, estando o primeiro relacionado com a responsabilidade do agente público em garantir igualdade social nas políticas públicas. Isso porque o papel do Estado é garantir que os escassos recursos sejam distribuídos de maneira a atingir os interesses da coletividade, atendendo às diversas demandas, tais como, garantir segurança, bem-estar, saúde e educação e, muitas vezes, fazer intervenções de grande porte e alta complexidade na economia.

Como segundo desafio, Fonseca (2017) aponta que o agente público precisa se atentar para a prestação de serviços de qualidade para o cidadão, levando em consideração o princípio da eficiência da Administração Pública. Para isso, deve-se buscar por profissionais capacitados e aptos a prestarem um serviço eficiente e, dessa forma, garantir que a população tenha acesso a serviços que atendam suas demandas de forma célere e com qualidade. Ainda no bojo dos desafios para a gestão pública, a autora entende que o agente público precisa cuidar pela promoção de uma gestão mais participativa, uma vez que delibera sobre ações que impõem limites, normatiza condutas e organiza atividades que influenciam, diretamente, a vida dos cidadãos. Por esse motivo, a participação da população deve ser incentivada, pois são os cidadãos os principais interessados e atingidos pelas decisões.

Como quarto elemento desafiador, Fonseca (2017) cita a necessária capacitação dos recursos humanos. Nesse caso, o profissional que atua no setor público precisa controlar uma série de variáveis para tomar decisões acertadas e propor soluções aplicáveis, sendo o conhecimento (leis, gestão pública e ética) fundamental.

Nesse sentido, Oliveira (2016) corrobora ao dizer que não há como se fazer uma boa gestão sem que o agente público tenha conhecimentos atualizados das leis, normas e códigos de ética, em especial, do órgão ao qual responde. Isso ocorre devido ao agente público ser condicionado a fazer tudo que é permitido pela lei e, portanto, para que consiga administrar

sem infringir a legislação é necessário que deva estar atualizado. Além desses desafios, o agente ainda deve considerar as pessoas com as quais terá que conviver. Isso porque o relacionamento humano é um processo complexo e, portanto, nas interações entre os indivíduos de qualquer sociedade, comunidade e organização pública ou privada, é inevitável a existência de conflitos, uma vez que cada indivíduo carrega consigo laços culturais, profissionais, familiares e de afinidades.

Thaler e Helming (2015), em um estudo sobre os funcionários públicos alemães, identificaram a importância da liderança ética, precisamente em relação ao seu impacto em variáveis de resultado bastante imediatas, como atitudes relacionadas à organização. Os resultados indicam a necessidade de selecionar e desenvolver capacidades de liderança ética para organizações do setor público. O estudo revelou percepções interessantes sobre os efeitos da liderança ética e dos códigos de conduta nas intenções e atitudes comportamentais éticas dos funcionários nas administrações públicas alemãs. Segundos os autores, a tarefa de melhorar o comportamento ético continuará sendo uma tarefa proeminente e, ao mesmo tempo, desafiadora para a gestão pública.

Ainda nesse sentido da ética no serviço público, Kyarimpa e Garcia-Zamor (2006) comentam que organizações públicas contemporâneas estão enfrentando inúmeros desafios e que o mais crítico deles está relacionado com questões éticas e aos maus comportamentos no ambiente de trabalho. Para os autores, o Século XX viu o foco na gestão pública ampliar-se para abranger questões como moralidade e virtude entre os funcionários públicos e suas obrigações para com a cidadania e a teoria democrática. A referência convencional à ética no serviço público evoca pontos de vista sobre questões como virtude, moralidade, integridade, corrupção, suborno, peculato, uso indevido de recursos públicos, conflito de interesses e uso indevido de cargos públicos. Na opinião dos autores, a ética deve orientar as ações e o desempenho dos funcionários públicos, e valores como a moralidade devem ajudá-los a delinear ações corretas e erradas.

Por fim, Mello (2006) afirma que um desafio a ser enfrentado, quando se pensa na nova administração pública, é a necessidade de adaptação dos modelos de organização e governança, mais usualmente associados ao setor privado, sem deixar de considerar as questões específicas do setor público. Isso significa que a incorporação de modelos usualmente utilizados na gestão privada não deve ser feita de maneira acrítica, uma vez que sua adaptação pode não ser completa, necessária ou possível. Nesse sentido, Thaler e Helming (2015) afirmam que as descobertas de organizações do setor privado podem não ser facilmente transferidas para organizações do setor público, pois existem diferenças notáveis

entre organizações do setor público e privado em termos de valores, metas e práticas de gestão.

No caso de instituições públicas de ensino, os desafios se repetem. Isso porque a área da educação foi fortemente influenciada pelas ideias neoliberais que provocaram reformas importantes quanto à intervenção do Estado na administração dos serviços educacionais. Essas ideias ocasionaram modificações de ordem jurídico-institucional em consonância com a reforma do Estado que resultaram em novos modelos de gestão na esfera pública. Assim, introduziram-se as noções de eficiência, produtividade e racionalidade, as quais são inerentes à lógica capitalista e em conformidade com o modelo de gestão proposto pela NPM. Para Cunha (2012, p. 7), as instituições de ensino superior (IES) têm procurado “adotar os novos modelos de gestão aplicados em empresas privadas no intuito de melhorar a qualidade de seus serviços”. Nesse sentido, Carvalho e Sousa (2016) asseveram que, ao se adotarem esses novos modelos de gestão, os projetos devem levar em conta as características específicas do setor público. Isso porque há grande risco de insucesso das iniciativas de implementação de novos processos devido às características do setor público – empecilhos legais, falta de recursos, incertezas políticas e descontinuidade administrativa. Por sua vez, Motta (2013, p. 85) aponta que:

Por serem sacudidas, todos os dias, por pressões de mercado e revoluções tecnológicas, as empresas privadas, para sobreviver, dependem da capacidade de agir com rapidez e introduzir o inusitado. A área pública, por sua vez, está sujeita a normas fixadas em leis e decretos, não fácil ou imediatamente alteradas: dependem de novos consensos políticos para introduzir novidades. A Administração Pública carrega dificuldades para resolver com rapidez problemas da comunidade: inserir a eficiência privada com a possibilidade de êxito imediato resultou, em grande parte, em mera ilusão.

Por outro lado, os princípios fundadores da escola pública (a universalidade do acesso, a igualdade de oportunidades e a continuidade dos percursos escolares) não tiveram correspondência nas políticas que foram implementadas com o NPM.

Ainda que as políticas implementadas, desde a segunda metade da década de 1990, implicaram em mudanças significativas no papel, nos valores, nas finalidades e na maneira de gestão das IES, essas mudanças não significaram a superação do patrimonialismo, do clientelismo e até da administração burocrática nas práticas vivenciadas dentro das IES, particularmente, nas universidades públicas. Corrobora essa ideia Vieira e Vieira (2004), ao afirmarem que as universidades federais brasileiras primam por estruturas organizacionais extremamente burocráticas, tanto no campo administrativo como no campo acadêmico, tornando as três dimensões da atividade acadêmica universitária – ensino, pesquisa e extensão – reféns da burocracia, bem como submetidas a normas e dependências, muitas vezes,

desnecessárias. Carvalho e Sousa (2016) ressaltam que, mesmo com as tentativas de implementação de novas estruturas na maneira de gerir a res pública, o modelo de estrutura organizacional adotado atualmente pelas universidades públicas continua sendo o burocrático. Nesse sentido, Costa (2018) identificou, em pesquisa realizada em universidades públicas, que a característica de personalismo é inerente ao setor público e que essas instituições têm a cultura de personalismo, poder e hierarquia.

Para Fávero (2005), a Universidade precisa caminhar também em direção à nova maneira de gestão, ultrapassando as barreiras da gestão burocrática e da NPM para sua completa democratização ou gestão societal. O autor afirma ainda que há a necessidade de se criar espaço para uma participação efetiva no governo da instituição. De acordo com Chauí (2003, p. 5), a universidade “exprime de maneira determinada a estrutura e o modo de funcionamento da sociedade como um todo”. Dessa maneira, podem ser percebidos, em seu interior, opiniões, atitudes e projetos conflitantes que revelam as divisões e contradições encontradas na sociedade.

Aqui, conclui-se a revisão da literatura sobre a gestão pública no Brasil. Ao longo deste capítulo fez-se um resumo dos principais modelos adotados a partir do Brasil República. Apresentou-se, em seguida, a teoria do modelo patrimonialista, burocrática, gerencialista e o modelo societal. A intenção com o histórico desses modelos foi entender a implementação dos modelos de gestão pública no Brasil e como isso se configurou, desde a macro (administração do país, estado e cidades) até a micro (dentro das instituições públicas, tais como, a UFU).

Essa contextualização trouxe ao pesquisador o entendimento de que os modelos de gestão implementados no Brasil estão caminhando, gradativamente, em direção, enquanto forma de gerir a res pública, para uma administração mais próxima de modelos utilizados na iniciativa privada, ainda que, por outro lado, haja dificuldades de implementação de modelos de gestão da iniciativa privada sem o necessário ajustamento para a gestão pública. Foi possível notar também que não há que se falar em modelos superiores e inferiores, uma vez que todos foram implementados na busca da eficiência e da eficácia da gestão com o objetivo de tornar a gigantesca máquina pública mais produtiva e adequada aos anseios da população pela prestação de serviços de melhor qualidade.

Como visto na literatura (SECCHI, 2009), não existe um modelo único a se estabelecer. A gestão pública brasileira carrega no seu cerne diversas características de modelos de gestão que fazem alusão, até mesmo, ao período colonial. O estabelecimento de novas metas e a identificação de novas necessidades e demandas sociais são importantes para

que se introduzam, mesmo que pontualmente, como no caso de uma autarquia, mudanças que possam contribuir para o melhor desempenho da gestão pública. Fazer essa contextualização trouxe ao pesquisador, ainda, o entendimento da importância em se buscar por novas ferramentas de gestão atualizadas que ajudem o agente público no desafio de administrar demandas específicas de instituições, órgãos e setores.