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3 O CASAMENTO, A UNIÃO ESTÁVEL E A RELAÇÃO EXTRACONJUGAL

3.2 OS DEVERES MATRIMONIAIS TÍPICOS NO CÓDIGO CIVIL

O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.566, descreve como obrigações de ambos os cônjuges no matrimônio o dever de fidelidade recíproca; a vida em comum, no do- micílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos e respeito e consi- deração mútuos.

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Todos os deveres são de extrema importância para a manutenção do matrimô- nio, sendo assim o legislador não atribuiu uma ordem hierárquica entre eles, nesse sentido é o entendimento de Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 287):

Não existe, nesse dispositivo, uma necessária ordem de prevalência lógica, nem muito menos, uma escala hierárquica de valores feita pelo legislador. Não podemos, também, simplesmente dizer que se trata de um rol exaustivo, pois, ainda que o afirmássemos, iríamos nos deparar com a largueza herme- nêutica dos conceitos vagos aí consagrados, a exemplo do “respeito e consi- deração mútuos”, que nem era previsto na norma equivalente anterior, cujo espectro de alcance é inalcançável aprioristicamente.

No entanto, devido a pertinência temática do presente estudo, será feita a análi- se mais específica de alguns deveres típicos do matrimônio, considerados de maior interesse à pesquisa elaborada.

3.2.1 Dever de Fidelidade Recíproca

A fidelidade é (e jamais deixará de ser) reconhecida como um valor juridica- mente tutelado, tanto é verdade que foi elevada à condição de dever legal decorrente do ca- samento e, pode-se dizer, também da união estável. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2014).

A própria letra da lei tratou de deixar explícito esse dever, tanto no casamento quanto na União estável. Para o casamento dispõe o Código Civil:

Art. 1. 566. São deveres de ambos os cônjuges: I – fidelidade recíproca.

No art. 1.724, da mesma forma, o legislador foi enfático ao tratar da união es- tável:

Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deve- res da lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

Uma simples análise dos dois dispositivos permite perceber que o código utili- za para o casamento o termo “fidelidade”, enquanto que, para a união estável consta “lealda-

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de”. Conforme ensinam Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 288), a diferença entre lealdade e fidelidade está na amplitude dos conceitos, os doutrinadores defendem:

A lealdade, qualidade de caráter, implica um comprometimento mais pro- fundo, não apenas físico, mas também moral e espiritual entre os parceiros, na busca da preservação da verdade intersubjetiva; ao passo que a fidelidade, por sua vez, possui dimensão restrita à exclusividade da relação afetiva e se- xual. [...] Talvez fosse melhor, para evitar maiores digressões na análise dos deveres nas diferentes modalidades familiares, que o legislador utilizasse, também para os cônjuges, a dicção normativa consagrada para a união está- vel (art. 1.724), em que exigiu o dever recíproco de lealdade, tecnicamente mais amplo, como visto.

Interessante seria uma alteração legislativa que incluísse no ordenamento jurí- dico brasileiro a lealdade como dever matrimonial, já que como visto, é um conceito mais amplo do que o conceito de fidelidade. No entanto, é cediço que não é a tipificação ou previ- são em lei que modifica plenamente uma situação de fato. Fossem assim, todos os crimes que estão previstos em lei não seriam cometidos, e a norma teria plena efetividade. O respeito ao companheiro é algo que foge muito da disciplina legal e depende essencialmente do caráter e respeito dos partícipes que integram a relação de afeto.

Segue a exposição de Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 463-466):

A Fidelidade é reconhecida como um valor juridicamente tutelado, mas mesmo consagrada como valor, não se trata de um aspecto comportamental absoluto e inalterável pela vontade das partes. Ou seja, é possível falar em fidelidade sem exclusividade com uma única pessoa. Conclui-se, portanto que o Conceito tradicional do dever de Fidelidade tem sido flexibilizado quando há mútuo conhecimento e aceitação.

De acordo com os supra referidos autores “a violação desse dever poderá, in- dependentemente da dissolução da sociedade conjugal ou da relação de companheirismo, ge- rar consequências jurídicas, inclusive indenizatórias”. Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 289).

Nesses casos, em que se configura a quebra do dever de fidelidade, o cônjuge ou companheiro traído pode pleitear na esfera Cível, mais especificamente na área de respon- sabilidade civil nas relações familiares, uma indenização pelo dano moral sofrido em virtude da conduta do cônjuge ou companheiro infiel.

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Nesta senda, abre-se espaço para a discussão travada entre grande parte da dou- trina, se a monogamia seria ou não um princípio. Como já explanado no primeiro capítulo também, há doutrina para ambos os posicionamentos, no entanto, não há previsão constituci- onal para a monogamia como princípio. Contudo, o dever de fidelidade no casamento e de lealdade na união estável, como disposto no Código Civil, devem ser respeitados, não dando margem para que alguém, que já se encontra em um casamento ou união estável, inicie um novo relacionamento concomitantemente. Nesse sentido ensina Dias (2013, p. 155):

O casamento é uma relação complexa, assumindo o par direitos e deveres re- cíprocos que acarretam sequelas não só de âmbito pessoal. A identificação do estado civil serve para dar publicidade à condição pessoal e também à si- tuação patrimonial, proporcionando segurança a terceiros.

As pessoas tem a liberdade de casar, mas, uma vez que se decidam, a vontade delas se alheia e só a lei impera na regulamentação de suas relações, visto que o casamento gera o estado matrimonial, no qual os nubentes ingressam por vontade própria, por meio da chancela estatal, mas a partir daí são assegurados direitos e impostos deveres, tanto no campo pessoal, como no campo patrimonial. (DIAS, 2013).

O casamento, portanto, é uma das formas de configuração de entidade familiar, e do instituto decorrem direitos e deveres, para ambos os cônjuges, que devem ser respeitados, destaca-se, em razão de pertinência do tema ao presente trabalho, os deveres de fidelidade; vida em comum no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; bem como respeito e consideração mútuos, em conformidade com o expresso no Códi- go Civil vigente.