• Nenhum resultado encontrado

4. QUADRO TEÓRICO: SOCIOLINGÜÍSTICA

4.2. Bilingüismo e difusão dialetal

4.2.1 Os dialetos

Acredita-se na possibilidade de sustentar a hipótese de formação de um dialeto dos descendentes de italianos, utilizado pela comunidade residente em Chapecó. A vida cultural e comunitária fechada que o grupo em estudo levou, durante tantos anos, oportunizou o surgimento de características comuns na fala do grupo, provocadas pela interferência dos dialetos italianos, e que são diferentes das regras do dialeto-padrão do português brasileiro. A dificuldade no emprego do fonema

17 Orientação para o prestígio caracteriza-se pela situação de influência de pressões externas em que se encontra o indivíduo. Já a orientação para a identidade é um traço que envolve aqueles que tendem à preservação do seu dialeto. (Bortoni, 1989)

49

vibrante evidencia essas características próprias. A leitura de diferentes autores, sobre a conceituação de dialeto, também contribui para aprofundarmos a discussão.

O estudo dos dialetos iniciou no fim do século XIX, pelo interesse dos eruditos na manifestação da cultura de determinadas comunidades. Também teve grande importância no surgimento desses estudos a preocupação dos lingüistas em descrever as diferentes variedades lingüísticas regionais. (Faraco, 1991)

A estes estudos, que se propõem a observar a língua na perspectiva de sua variabilidade no espaço geográfico, denomina-se Dialetologia. Faraco explica a importância dos fatores geográficos nos estudos dialetológicos:

A distribuição duma comunidade numa certa área geográfica é fator de diferenciação lingüística: cada ponto dessa área tem experiências sociais, históricas, culturais diferenciadas e isso tem repercussões na sua linguagem. (1989:112)

O pioneiro no estudo dos dialetos foi o lingüista alemão Georg Wenker (1852- 1911) que investigou a história das consoantes germânicas, dividindo o baixo

alemão das variedades do Norte, do alto alemão das variedades do Sul. O lingüista

suiço Jules Gilliéron (1945-1926) também aprofundou-se no estudo dos dialetos, realizando uma análise dialetológica em 639 localidades francesas, da qual resultou o Atlas Lingüístico da França, referência para vários atlas posteriores elaborados na Europa e América. (Faraco, 1989)

Gilliéron observou que os dialetos não eram uniformes e propôs aos lingüistas o estudo da história de cada palavra isoladamente. Faraco rebate, afirmando que a falta de unidade e uniformidade total é característica das diferentes variedades de qualquer língua, decorrente do fato de que os falantes mantêm permanentes relações de troca.

Assim, não se trata de abandonar o conceito de dialeto, mas de estudar as variedades justamente no contexto social, histórico, político, cultural das comunidades, procurando detectar as diferentes linhas de contato e influência que se entrecruzam em cada ponto do espaço. (Faraco,

1989:114)

Langacker (1972) também apresenta uma detalhada discussão sobre o conceito de dialeto. Em princípio, afirma o autor, se poderia definir dialeto de tal modo que duas pessoas falarão dialetos diferentes sempre que os sistemas lingüísticos

50

empregados por elas tiverem pelo menos um traço distintivo, podendo ele ser fonológico, lexical ou sintático. Adiante, o autor complementa que muitas vezes é útil poder-se falar de dialetos em um sentido mais amplo, que não restrinja o termo ao sistema lingüístico de uma só pessoa.

Diante dessa necessidade de ampliar o conceito de dialeto, Langacker utiliza o termo idioleto para definir as características de fala de uma só pessoa, e dialeto englobando os traços lingüísticos de uma determinada comunidade. Langacker explica a situação da seguinte forma:

A base que permite a distinção entre vários dialetos de uma mesma língua consiste no fato de que o sistema lingüístico usado pelos falantes de um dialeto difere sob certos aspectos daquele usado pelos falantes de outros dialetos. (1972:55)

Para definir o surgimento de um novo dialeto em uma determinada área geográfica, Langacker afirma que se pode considerar os falantes de uma comunidade Bi como área dialetal da língua B, a partir da constatação de que os falantes de Bi partilham de traços lingüísticos não característicos de outros dialetos de B.

Os falantes de B1 têm várias diferenças individuais, mas constituem um grupo coeso, pelo menos no sentido de que têm muitos traços lingüísticos em comum, os quais os distinguem de outros falantes da mesma língua.

(1972:58)

Dubois ([1973J1993) também apresenta como conceituação de dialeto a manutenção de características comuns em um sistema lingüístico, mesmo não apresentando todos os traços do chamado padrão:

Dialeto ó um sistema de língua que tem o seu próprio sistema léxico, sintático e fònético, e que ê usado num ambiente mais restrito que a própria língua. (...) é um sistema de signos e de regras combinatórias da mesma origem que outro sistema considerado como a língua, mas que se desenvolveu, apesar de não ter adquirido o status cultural e social dessa língua. ([1973] 1993:184)

No Dicionário de Lingüística, Dubois acrescenta que o dialeto social é um sistema de signos e de regras usado em um dado grupo social ou em referência a

51

este. Ainda de acordo com esse autor, o emprego de um determinado dialeto revela

a origem ou a referência de seu usuário. (Ibidem: 185)

Com relação a questão social que envolve o emprego de um determinado dialeto, Langacker afirma que a diversidade lingüística tem, além da questão geográfica, outras duas dimensões que precisam ser consideradas. A primeira delas é a dos grupos e classes sociais. (...) os membros da alta sociedade e os

trabalhadores de classes econômicas inferiores, em geral, se distinguem de maneira bastante nítida quanto à sua fala. (1972:59)

Desta forma, fica claro que são questões externas à língua que fazem com que um dialeto seja elevado à condição de padrão, em detrimento das demais variedades da mesma língua:

As maneiras de faiar das pessoas proeminentes e admiradas é, freqüentemente, adotada como padrão ou modelo, embora não haja razão para crer-se ter qualquer dialeto de uma língua maiores méritos intrínsecos do que outros. (1972:62)

Langacker explica, citando como exemplo o dialeto parisiense, que se tomou altamente considerado na França por razões de ordem externa (em função da posição ocupada por Paris na situação econômica, social e política do país). Mesmo que estejam evidentes as razões que elevaram o dialeto parisiense à condição de superioridade em relação aos demais, Langacker aponta o fato de que ninguém chega a uma posição proeminente na França sem dominar o dialeto de Paris.

Além das questões econômicas e sociais envolvidas na elevação de um dialeto à condição de padrão, fatores como a escola e os meios de comunicação se combinam favorecendo um dialeto na sua tendência de se tomar mais forte. A partir dessa condição, segundo Langacker, o dialeto que tem o maior prestígio é freqüentemente considerado o mais correto, mais adequado e mais puro do que os

dialetos de menor prestígio, (p.63)

Embora fique claro que exista uma convenção social de superioridade do dialeto considerado padrão em uma sociedade, em relação aos demais, Faraco sustenta que os diversos estudos realizados sobre a variação dialetal conseguiram mexer com o conceito de que apenas o dialeto padrão era o correto frente a dialetos que deturpam as normas da língua: Quebrou-se a idéia de que a variedade-padrâo

52

passavam de corrupção da ‘boa linguagem’. (1991:114) Faraco conclui que os

estudos dialetológicos conseguiram provar que a variedade-padrão é um dialeto como os outros, com estatuto especial atribuído por causas externas ao sistema lingüístico.

Esta seção contribuiu para aprofundar duas questões importantes na realização desta pesquisa. A primeira é a possibilidade de sustentação da existência de um dialeto característico da comunidade de descendentes de italianos residentes em Chapecó, consideradas suas características fonológicas próprias. Outra questão considerada de extrema relevância é a discussão do preconceito que envolve os dialetos não-padrão e as exigências sociais mais fortes que envolvem os falantes das demais variedades de uma língua. Retomaremoso assunto em uma etapa posterior.

Documentos relacionados