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Os Direitos do Nascituro e a Expectativa de Direito

2.2 Da Proteção Constitucional à Gestante Vs Nascituro

2.2.2 Os Direitos do Nascituro e a Expectativa de Direito

No Brasil, a sede principal dos direitos da personalidade é a própria Constituição, que prevê, de forma implícita, a cláusula geral de tutela da pessoa humana144, ao eleger como

140SOARES, G. S., GALLI, B. & VIANA, A.P.A.L., Advocacy para o acesso ao aborto legal e seguro: semelhanças no impacto da ilegalidade na saúde das mulheres e nos serviços de saúde em Pernambuco, Bahia, Paraíba, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro. Recife, PE: Grupo Curumim. 2011.

141DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; MADEIRO, Alberto. Pesquisa Nacional de Aborto 2016.Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 2, p. 653-660, Feb.2017.Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017000200653&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 09 mar.2018.

142Ministério da Saúde. Guia de vigilância epidemiológica do óbito materno. Brasília-DF: Autor. 2009.

143SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição. Revista de Direito Administrativo, v. 240, 2005, p. 44.

144TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. In. Temas de direito civil. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.23-58.

valor fundamental da República a dignidade da pessoa humana. Neste contexto, é evidente que é sobretudo na Constituição que deve ser buscado o norte para o equacionamento jurídico a ser conferido a questão da interrupção voluntária da gravidez, porém no Código Civil, por causa do art. 2º, por causa das teorias da personalidade civil, por causa da dicotomia público v. privado, por causa do movimento de constitucionalização do Direito Civil, é que se tem a maior balburdia doutrinária acerca da matéria.

Primeiramente, o art 1º do Código Civil afirma que ‘‘toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil’’, o que não impede que outros sujeitos ou entes desprovidos de personalidade jurídica também o sejam, como é o caso da massa falida e herança jacente.

Do ponto de vista técnico-jurídico, se toda pessoa é capaz de direitos, e nem todo sujeito de direitos é pessoa, vemos que o nascituro é sujeito de direitos, mesmo para aqueles que entendem que ele não seja uma pessoa.

Em ato contínuo, o art. 2º do CC afirma, ‘‘a personalidade civil da pessoa começa com do nascimento com vida mas a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção’’, mostrando que i) a personalidade civil e a pessoa não são conceitos que caminham juntos; ii) se não colocasse os direitos do nascituro a salvo estaria cometendo manifesta inconstitucionalidade, pois não conferiria personalidade no sentido subjetivo a quem é ‘‘pessoa’’. Colocar a salvo os direitos do nascituro significa impedir situações que venham a prejudicar o nascituro, tentativa de coibir práticas que se pretende evitar.

Dentre as teorias, a natalista é a que melhor reflete a interpretação extraida da exegese do art 2º do Código Civil, só existe personalidade jurídica a partir do nascimento com vida, assim, o nascido não tem personalidade, mas tão somente, expectativa de direitos145, porém, como vimos, e então na quadra história presente, tem se afirmado cada vez mais a força normativa da Constituição e o caráter vinculante dos princípios, na busca da constitucionalização do Direito, envolvendo a ideia de que todos os institutos jurídicos devem ser objeto de releitura a partir de valores constitucionais e todos os institutos jurídicos devem ser objeto de releitura e filtragem,146 não há que se falar em mera expectativa de direito, como se reconhecem os direitos da personalidade ao nascituro, é possível a lesão a esses direitos,

145PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito Civil: Alguns aspectos de sua evolução. Rio de Janeiro:Forense, 2001, p.79.

146SARMENTO, Daniel em Legalização do aborto e Constituição. Revista de Direito Administrativo, v. 240, 2005, p. 57.

possibilidade do nascituro pleitear a correspondente indenização por danos, assim já entendeu o STF e o STJ, possibilita também a investigação da paternidade, somente o nascituro teria a legimitade para promover a ação investigatória, devidamente representado pela mãe (a ação deve ser proposta pela mãe, sendo substituído o polo ativo da ação após o nascimento da criança) não temos duvida ao afirmar que o nascituro é pessoa, e tem seus direitos amparados pela lei.

A teoria adotada, em regra, pelo ordenamento jurídico é a teoria concepcionista. Se o Código Civil em vigor deixa dúvidas147, a interpretação sistemática do sistema não afasta esses direitos, como vimos anteriormente, eles só não são tutelados da mesma forma que os de uma pessoa já viva.

147TARTUCE, Flávio. A Situação Jurídica do Nascituro: uma página a ser virada no Direito Brasileiro. In: Revista Brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro: Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro, n. 33, 2007, p. 155.

3 O PANORAMA GERAL DO ABORTO

No mundo todo, a questão relativa ao tratamento jurídico que deve ser conferido ao aborto desperta polêmicas intensas e até passionais, pondo em campos opostos os defensores do direito à escolha da mulher e os que pugnam pelo direito à vida do nascituro, no Brasil não poderia ser diferente, em primeiro lugar, aqui vigora na matéria o Código Penal, editado no início da década de 40, do século passado, que optou pela criminalização do aborto nos seus arts. 124 a 128, que fora aprovada no contexto de uma sociedade profundamente machista, e num momento politicamente autoritário, os efeitos dissuasórios da legislação repressiva são mínimos, haja vista que veremos que quase nenhuma mulher deixa de abortar em razão da proibição, causando ao longo dos anos grandes danos à saúde e vida das mulheres, sobretudo as das mais pobres.

Em segundo lugar existe uma insistência na manutenção da mesma equação legislativa, resistência na mudança, por fatores estranhos ao direito em pleno século XXI, num cenário de questionamento de todos os comportamentos passados e sob a égide de uma Constituição que entroniza a liberdade como um de seus valores máximos148, os direitos da mulher ainda vêm sendo ignorados nessa equação, violando diversos direitos fundamentais da mulher, com reflexos diretos à dignidade humana, e não observando suficientemente o princípio da proporcionalidade149, além de impactar desproporcionalmente as mulheres pobres, que não têm acesso a médicos e clinicas particulares, nem podem se valer do sistema público de saúde para realizar o procedimento, precisando recorrer a clínicas clandestinas que geram os problemas de saúde pública que serão tratados à frente.

Anote-se, por derradeiro, que praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Holanda, Alemanha, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal e Japão devendo-se ressaltar que, nos países que legalizaram a interrupção voluntária da gravidez, não se constatou qualquer aumento no número de aborto realizados150.