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4 MEDIDAS EFICAZES PARA A CRISE PENITENCIÁRIA NO BRASIL

4.1 Outras medidas relacionadas ao trabalho e aos direitos sociais

4.1.1 Os Direitos Sociais no Sistema Carcerário

Os direitos sociais podem ser sim implementados no sistema prisional, uma vez que os mesmos estão elencados na Carta Magna, garantindo ao cidadão prestações positivas por parte do Estado, conforme salienta o ilustre professor Pedro Lenza:

Assim, os direitos sociais, direitos de segunda dimensão, apresentam-se como prestações positivas a serem implementadas pelo Estado (Social de Direito) e tendem a concretizar a perspectiva de uma isonomia substancial e social na busca de melhores e adequadas condições de vida, estando, ainda, consagrados como fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1.º, IV, da CF/88).

Enquanto direitos fundamentais (alocados no Título II da CF/88), os direitos sociais têm aplicação imediata (art. 5.º, § 1.º) e podem ser implementados, no caso de omissão legislativa, pelas técnicas de controle,

quais sejam, o mandado de injunção ou a ADO (ação direta de inconstitucionalidade por omissão) (LENZA, 2015, pág. 1812).

Desta feita os direitos sociais buscam conferir ao indivíduo a assistência pública, bem como a liberdade de trabalho, como salienta o nobre constitucionalista J.J. Canotilho, que aduz:

Os direitos sociais, econômicos e culturais têm um lugar mais que modesto no documento republicano, não obstante o impulso humanista do ideário republicano e do “estatuto ideorealista” que ele assinalava aos valores essenciais do solidarismo. Consagra-se a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário elementar (art. 3º/11) e reconhece o direito à assistência pública (art. 3º/29). Reconheceu-se também a liberdade de trabalho (art. 3º/29), mas apenas como consequência do princípio da liberdade individual (CANOTILHO, 2002, pág. 170).

Pode-se observar, que no direito português, os direitos sociais estão vinculados à liberdade individual. Porém, a dogmática do sistema prisional brasileiro determina que seja direito do preso trabalhar e ainda mais, faz parte do requisito subjetivo para que o apenado possa galgar um sistema de cumprimento de pena mais brando.

Nesse ínterim, poderia o Poder Público criar parcerias com o setor privado e até mesmo com cooperativas, para que presos que preencham os requisitos objetivos e subjetivos passassem, de forma habitual, exercer atividade laborativa. Isso implicaria de forma direta na ressocialização do preso, bem como teriam de fato a remissão de suas penas, claro atendidos os requisitos da lei.

Nessa senda, cumpriria o Estado o direito social da pessoa humana que é o direito de trabalhar, como já demonstrado acima.

Então, porque o Poder Público suprime esse direito da população carcerária?

Como resposta tem-se o clamor social, que não permitiria que tal direito fosse alcançado a essa minoria, por outro lado, o Estado alega que não teria como fiscalizar tal engrenagem.

Nesse diapasão, pode-se perceber que ao se estabelecer uma política social do trabalho do preso, na qual o Estado terá a condição de diminuir custos com alimentação e higiene, bem como propiciar a condição digna em que presos possam ter uma vida mais ativa. Além, claro, de poder exercer atividades que lhe permitam uma oportunidade melhor de ressocialização.

Diante disso, caberia ao Poder Público, além de propiciar o direito do preso que é o trabalho, o lucro advindo dessa iniciativa, depois de descontado a

remuneração do detento. O excedente poderia, como já estabelecido em lei, ser repassado ao FUNPEN, para real aplicação ao fim que lhe é assegurado, qual seja, investir no sistema prisional.

Nessa toada, não poderia se suprir e nem deixar de mencionar o direito à educação, que também estabelece o ordenamento jurídico, que ao preso seja garantido o direito de estudar para obter uma capacitação, para quando for reingressar na sociedade o mesmo possa competir de igual para igual com as demais pessoas.

Isso está posto de forma bem latente na norma infraconstitucional, conforme prevê a Lei de Execução Penal:

Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado.

Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa.

Art. 18-A. O ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação profissional de nível médio, será implantado nos presídios, em obediência ao preceito constitucional de sua universalização. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

§ 1o O ensino ministrado aos presos e presas integrar-se-á ao sistema estadual e municipal de ensino e será mantido, administrativa e financeiramente, com o apoio da União, não só com os recursos destinados à educação, mas pelo sistema estadual de justiça ou administração penitenciária. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015) § 2o Os sistemas de ensino oferecerão aos presos e às presas cursos supletivos de educação de jovens e adultos. (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

§ 3o A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal incluirão em seus programas de educação à distância e de utilização de novas tecnologias de ensino, o atendimento aos presos e às presas. 7.627 (Incluído pela Lei nº 13.163, de 2015)

Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico.

Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição.

Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.

Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos (Lei 7.210/84 – LEP, arts. 17 ao 21).

Outrossim, como requisito subjetivo, os direitos acima expostos são de natureza impositiva para o preenchimento de tais requisitos, conforme nos ensina o renomado professor J. J. Canotilho:

Por fim, como direitos subjectivos a prestações sociais, econômicas e culturais, os direitos fundamentais constituem dimensões impositivas para o preenchimento intrínseco, através do legislador democrático, desses direitos (CANOTILHO, 2002, pág. 291).

Desta feita, podem-se colocar em prática, além, claro, da medida liminar da APDF 347, já discutida acima, essas medidas subjetivas do apenado para termos uma contribuição direta do mesmo na melhoria do sistema prisional. Isso implicaria num resultado de que o próprio preso arcaria com seus gastos enquanto estivesse com sua liberdade tolhida.

Nessa toada, nos mostra o célebre constitucionalista Paulo Bonavides que somente uma interpretação harmônica pode nos guiar a refletir tais postulados:

Enfim, só uma hermenêutica constitucional dos direitos fundamentais em harmonia com os postulados do Estado social e democrático de direito pode iluminar e guiar a reflexão do jurista para a resposta alternativa acima esboçada, que tem por si a base de legitimidade haurida na tábua dos princípios gravados na própria Constituição (arts. 1º, 3º e 170) e que, conforme vimos, fazem irrecusavelmente inconstitucional toda inteligência restritiva da locução jurídica “direitos e garantias individuais” (art. 60, § 4º, IV), a qual não pode, assim, servir de argumento nem de esteio à exclusão dos direitos sociais (BONAVIDES, 2016, pág. 678, 679).

Diante de tal premissa, é o que se busca com a inovação do Estado de Coisa Inconstitucional – ECI, portanto, vê-se com bons olhos esse novo instituto que trará ao Supremo Tribunal Federal um alívio em demandas repetitivas sobre a violação dos direitos fundamentais no Estado brasileiro.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme foi observado no curso desse trabalho, onde se perquiriu demonstrar que o direito fundamental do indivíduo inserido no sistema prisional brasileiro, tem sido constantemente violado pelo Poder Público. Dessa forma, ao constatar que não há ausência de normas que garantam que o referido direito seja cumprido, pode-se encontrar no ordenamento jurídico brasileiro algum mecanismo para pugnar pela prestação dos direitos fundamentais de forma válida por parte do Estado.

Com vistas a isso, a própria Constituição Federal previu os referidos mecanismos que permitem suprimir tais omissões do Legislativo-Executivo- Judiciário, como o mandado de injunção e o recurso ordinário. Pois os mesmos tratariam dos litígios estruturais que versem sobre as violações massivas (CAMPOS, 2016).

Um mecanismo que melhor atenderia a necessidade para solução do litígio seria a ADPF, pois teria maior abrangência e melhor encaixe nas falhas estruturais, entretanto, o ponto fraco da ADPF é o fato dos legitimados para propô-la, pois só possuem legitimidade ativa os mesmos das ações diretas de inconstitucionalidade. Sendo que os legitimados a proporem a ADPF, não se preocupam muito com esse assunto de políticas públicas relacionadas com o sistema prisional.

Diante disso, como já demonstrado no capítulo dois, surge então um novo mecanismo que em muito deu certo no país vizinho (Colômbia), o ECI, que ficou muito bem elucidado no referido capítulo. Pois quando preenchidos os requisitos das falhas estruturais advindas das omissões estatais, deveria ser declarado o referido ECI, uma vez que as violações dos direitos fundamentais ferem, e em muito, a dignidade da pessoa humana.

O ápice do ECI opera que qualquer pessoa do povo poderia propor o referido instituto. Ademais, o próprio Supremo Tribunal Federal diante de grave violação dos direitos fundamentais poderia declarar o referido ECI ao se ver uma situação recorrente em seu tribunal advindo de uma violação massiva dos direitos fundamentais. Desta feita sua atuação seria mais direta com a sociedade.

A problemática apresentada residiu no fato da violação massiva dos direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro, visto que de modo generalizado, o problema não reside em um só Estado membro da federação, porém, em todo

país. Isso não ocorre por ausência de normas que garantam a efetividade desses direitos. Mas, sim, pelo descaso do Poder Público com a população carcerária.

Nessa toada, foi proposta a ADPF 347 MC/DF, que tramita no STF desde 2015, versando exatamente sobre esse assunto, como demonstrado acima nesse trabalho. E que ao apresentar a proposta, o Supremo caminha no sentido de declarar o ECI, diante da gravidade das falhas estruturais oriundas das omissões do Estado. Nesse sentido, o Ministro Relator Marco Aurélio proferiu voto parcialmente favorável com vistas a declarar o referido ECI, sendo acompanhado com antecipação de voto pelos demais ministros.

Outrossim, são os princípios constitucionais em conflito, de um lado o Estado se escora no princípio da reserva legal financeira alegando não possuir recursos para garantir os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. De outro lado tem-se o princípio do mínimo existencial que visa garantir um mínimo de dignidade da pessoa humana. Portanto, depara-se com um conflito de direitos constitucionais, no qual a melhor solução será aquela em que o Estado garanta o mínimo possível de uma vida digna para a população carcerária, pois esta se encontra privada de sua liberdade, mas não dos demais direitos à sua dignidade, tais como saúde, educação, trabalho entre outros.

Como medidas a sanar as violações dos direitos fundamentais, além, claro de pugnar pelas que foram levantadas na ADPF 347 MC/DF, com vistas que juízes e tribunais lancem de maneira fundamentada os motivos pelos quais mantêm a prisão provisória e não outra medida cautelar, alternativa à prisão; bem como que sejam observados os Pactos de tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil faça parte, tais como as audiências de custódia no prazo de 24 horas para que o magistrado possa decidir acerca da prisão; também que sejam liberados os recursos do FUNPEN que estão contingenciados pelo Estado não tendo a devida aplicação para o qual foi criado.

Ademais, como uma das medidas passíveis de combater o ECI, foi mostrado que o Poder Público deveria criar parcerias com o setor privado para que a população carcerária trabalhe de forma obrigatória, pois como estabelecido em lei, é direito do apenado realizar trabalho e que esse trabalho sirva para ajudar na manutenção de seus gastos enquanto estiver preso. Sendo que os lucros obtidos desse trabalho, depois de retirada a remuneração dos mesmos, na forma da lei, o

excedente seja aplicado no referido fundo para manutenção e melhorias no sistema prisional.

Neste ínterim, o preso cumpriria sua pena e ao mesmo tempo garantiria uma profissão digna para quando do reingresso na sociedade viesse ter como competir no mercado de trabalho sem voltar a delinquir por força de não ter uma opção de trabalho.

Em suma, cabe ressaltar que a pena privativa de liberdade tem por escopo fazer com que o apenado a cumpra por causa do ilícito penal que praticara. Desta forma, ao mesmo tempo cabe ao Estado reeducá-lo para que ao final de sua pena, possa reingressar na sociedade de maneira que não venha a cometer novos atos ilícitos.

Assim como pode uma pessoa ser tratado como lixo humano, tendo seus direitos fundamentais tolhidos, vivendo em condições precárias de saúde, alimentação, higiene entre outras. E ser exigido que os mesmos ajam de forma diferente, quando na verdade durante o tempo que estavam sobre a custódia do Estado nada foi feito com políticas públicas para a mudança da situação. Isso é o que tem ocorrido corriqueiramente em nosso país, sendo necessário à intervenção da Suprema Corte para declarar o ECI.

Enfim, um ponto que não poderia ficar fora da análise do presente trabalho é o fato do perigo que um novo instituto no ordenamento jurídico traria a comunidade jurídica brasileira. Mas quanto às objeções questionadas sobre o ECI, se o mesmo teria aceitação no direito brasileiro, vale lembrar que o mesmo só seria decretado em situações excepcionais quando preenchidos os pressupostos já discutidos acima. Portanto, o STF só declararia o ECI após uma análise do caso concreto e da real necessidade no mundo jurídico ao constatar uma inconstitucionalidade generalizada de violações de direitos fundamentais.

Como se pode ver o Ministro Marco (Relator) da ADPF 347, sustenta em seu voto, que não haver espaço para ubiquidade do instituto, e sim excepcionalidade em sua afirmação.

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