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Os Esquemas de Organização e de Ordenação dos Conhecimentos

Capítulo II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: a leitura no contexto da pesquisa

2.3 Os Esquemas de Organização e de Ordenação dos Conhecimentos

Os conhecimentos produzidos pelos humanos - quando focalizados no espaço das práticas discursivas, formalizadas em língua - são assegurados pela interação que tem como ancoragem aqueles que se tipificam pela permansividade: os socialmente partilhados. São eles que, segundo os autores citados, funcionam como ponto de partida para as ações de linguagem que visam a tornar comuns aqueles que não são comuns aos interlocutores; razão pela qual são os saberes compartilhados o fundamento da compreensão e, ao mesmo tempo, o suporte que funciona como ancoragem para os processos de interpretação.

Os estudiosos da área da cognição, dentre os quais se situam estudos referentes à inteligência artificial, têm dado ênfase aos modelos de organização e ordenação dos conhecimentos, por analogia com a memória do computador. Deslocados para o campo de estudos da linguagem humana propriamente dita, os resultados destes estudos têm favorecido uma melhor compreensão dos processos referentes à produção de sentidos, ativados durante as práticas de leituras por sinais gráficos que ativam estes esquemas e, consequentemente, possibilitam revesti-los de significação. Este revestimento significativo, implicado na transmudação do sinal em signo léxico-gramatical – significante que mantém uma relação necessária com o significado conceptual – tem possibilitado tratar de forma adequada questões referentes à linguagem. Estas questões referem-se ao desenvolvimento da linguagem pela extensividade de conhecimentos prévios, o uso adequado desses mesmos conhecimentos e, principalmente, os modos pelos quais eles são empregados durante o processamento de novas informações de que resultam a compreensão e interpretação, quando tais informações são convertidas em novos conhecimentos.

Nesta acepção, estudiosos da Linguística Textual, como Beaugrand & Dressler (1981), têm diferenciado os conhecimentos prévios em declarativos e procedurais; embora tal diferença faça remissão a um mesmo saber focalizado em dois tempos e por uma dupla perspectiva. Assim, eles são concebidos como declarativos quando, por meio de declarações de fatos ou crenças, possibilitam construir representações cujo sistema de referenciação abarca relações significativas que se qualificam como “real”, ou seja, inerentes ao saber do senso

comum. Trata-se, portanto dos sentidos institucionalizados pelo uso, porque socialmente aceitos. Logo aqueles tipificados como permansivos. Os procedurais são estes mesmos conhecimentos focalizados em relação à sua aquisição, armazenagem e seu uso, no fluxo das atividades verbais, expressas por modelos cognitivos globais, ativados no espaço e no tempo dos processos implicados na produção de sentidos.

Esses modelos de esquemas não são estáticos, mas dinâmicos e atuam em concomitância, orientados por um plano de ação, modalizado pelo propósito de estender conhecimentos prévios dos leitores, cujo objetivo – no caso desta pesquisa – é a leitura compreensivo-interpretativa. Tais modelos de ação são assim considerados pelos cognitivistas:

a) planos de ação - aqueles elaborados pelos interlocutores, consoante grau de simetria e assimetria estabelecido pelas contingências inerentes à própria comunicação, dadas pela construção da identidade dos interlocutores: posição social, grau de escolaridade, idade.... Assim, tais modelos orientam as estratégias de projeção do quadro enunciativo e da imagem do interlocutor leitor pelo autor, ou vice-versa e, tendo por parâmetro o princípio da gradação, são concebidos por Iser (1999), como:

a.1) o simétrico, inscrito no espaço da designada pseudo-contingência – inerente a modelos de situação comunicativa em que os interlocutores dominam os conhecimentos uns dos outros, tornando possível prever, com alto grau de precisão, o seu modo de proceder e/ou de agir numa dada situação interativa. Trata-se de um modelo de ação interativa em que o alto grau de previsibilidade do que se diz responde pela construção de um cenário em que os interlocutores exercem o papel de personagens de uma peça bem ensaiada e o “dito”, por ser previsível, remete-se ao saber institucionalizado, à permansividade. Contrapõe-se a este modelo, cujo grau de simetria é elevado,

a.2) o assimétrico, também inscrito no mesmo espaço das pseudo-contingências – inerente a modelos de situação comunicativa em que os interlocutores refutam os respectivos planos de ação uns dos outros, impedindo que cada um deles realize ou coloque em cena o que busca, gostaria ou precisaria dizer. Neste caso, têm -se dois procedimentos ou modo de agir:

a.2.1) o mais tolerante deles opta por adaptar-se ao plano de ação do outro, deixando-se absorver pelo que ele diz. Neste caso e devido ao alto grau de assimetria, o esforço despendido pela busca da compreensão é abandonado e a relação sócio-interativa não se efetiva, de sorte a não haver comunicação;

a.2.2) os interlocutores são respectivamente intolerantes e um refuta o plano de ação do outro, levando-os a desistirem de realizar a comunicação, diante do alto grau de refuta recíproca, de que resulta o que se designa por “bate-boca”. Em contraposição a esses modelos, tem-se o designado por

a.3) simetria inscrita no espaço das contingências sócio-interativo-cognitivas reguladas por ações comunicativas – neste caso, prevalece o esforço despendido pela busca da compreensão, como objetivo mútuo dos interlocutores. Ambos se orientam e se deixam orientar pelo plano de ação do seu outro que, no fluxo do agir comunicativo, são continuamente reformulados para atender a um propósito comum: compreenderem-se.

b) frames – ordenam os conhecimentos por associações conceptuais, organizadas em redes que conectam, por meio de nós – lexicalmente designados por palavras – que interrelacionam um conceito genérico àqueles que lhes são específicos, destituídos de quaisquer relações de ordem temporal. Todavia, o fato de um conceito específico poder ser tomado como genérico faculta a cada um desses nós, considerados específicos em relação ao nó original, abrir-se para outras ramificações da rede. Tomando-se, como exemplo, o frame de piscina cujo nó central é “água contida num reservatório”.

c) scripts – ordenam conhecimentos na linha do tempo e, sob a forma de ações estereotipadas, por meio de relações de causa e consequência, entretecidas por aquelas de meio e finalidade, de modo a fazer referência a modos de proceder designados por “rituais”, no campo dos estudos antropológicos. A ativação de esquemas scripturais, segundo van Dijk (2002), possibilita associar agentesaçõesestados que participam de eventos, de modo a favorecer projeções de modelos de situação global, do longo tempo, e local, do curto tempo. Para esse autor, os atos de fala também têm caráter ritualístico, dentre outras ações sociais como aquelas ordenadas pelos modelos de planos de ação interativos, acima descritos, por meio dos quais as relações sociais se tipificam como “comunicativas” ou pseudo-comunicativas, qualificando-se pelo consentimento em

relação ao já institucionalizado, pela refuta total, abarcando a indiferença ou a falsa concordância, ou o esforço pela reformulação dos planos de ação daqueles com quem se está em interação.

Para Silveira (2002) estes modelos de esquemas mentais qualificam o contexto cognitivo, inscrito na memória de trabalho, e, ativados pela memória de longo prazo, respondem pela produção de significações. Eles funcionam como guias, durante o processamento das informações, de modo a facultar a ordenação dos sentidos, por conseguinte,

(...) Ao experienciar novas situações (...) os indivíduos vão reformulando suas representações mentais a partir da interiorização de guias mentais relativos aos papéis sociais. Os guias de situação são representações mentais persistentes impostos aos indivíduos na medida em que eles vivenciam o mundo em sociedade e estas vivências são relativas a conhecimentos estruturados no/pelo grupo social. (p. 181)

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