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Os Fatos Históricos

No documento O empréstimo a juros em João Calvino (páginas 94-98)

CAPÍTULO 03 – CALVINO E O EMPRÉSTIMO A JUROS

3.3 Calvino e o Empréstimo a Juros

3.3.1 Os Fatos Históricos

Calvino nasceu no início do século XVI, onde “o mundo do comércio havia se expandido assustadoramente com a descoberta das Américas; bem, como com a abertura de novas rotas comerciais”.234 Isto provocou uma grande mudança, não só na atividade econômica da Europa, como na vida das pessoas, pois, “235o aumento no suprimento de ouro e a abundância de moedas tinham produzido uma inflação que se espalhou por toda parte. O novo comércio parecia estar tornando o pobre mais pobre ainda”. Como comenta Biéler:

234 Wallace, R. Calvino, Genebra e a Reforma. São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p.77 235 Ibidem, p.77

O descobrimento do Novo Mundo canalizou para a Europa ouro em quantidade para fecundar inúmeras indústrias e para multiplicar as trocas comerciais. Os antigos quadros corporativos não podiam mais conter nem orientar essa transbordante atividade. Nascia, assim, um capitalismo não controlado e que se desenvolvia rapidamente fora dos antigos centros urbanos de produção. Ao mesmo tempo que gerava o aumento vertiginoso do custo de vida, esse desenvolvimento econômico produzia a depreciação da mão-de- obra, o que provocava a proletarização rápida das cidades e dos campos. Acumulavam-se grandes fortunas e seu número se multiplicava ao mesmo tempo que proliferavam as massas miseráveis.236

Mas o que isto importa a Calvino? Sua preocupação era apenas dedicar-se aos estudos. Mas, quando por necessidade de repouso, decide passar apenas uma noite em Genebra, é instado por Farel a ajudá-lo a promover a reforma religiosa nesta cidade, a isto Calvino argumenta: “Sou acanhado e tímido. [...] Uma sala de estudos é o lugar para mim. Sou um homem de letras. [...] Não pode exigir isso de mim”. – ao que respondeu Farel – “Digo-te, em nome de Deus Todo-poderoso, que estás apresentando os teus estudos como pretexto. Deus te amaldiçoará se não nos ajudares a levar adiante o Seu trabalho”. 237 Era para ser apenas uma noite, agora já são quase dois anos de permanência até ser expulso da cidade, para posteriormente, rogarem seu retorno, para dali sair apenas para a glória celestial.

Esta cidade transformou este homem, que transformou esta cidade. Agora ele se preocupa com os acontecimentos e se manifesta sempre que for necessário. Como nos mostra Wallace:

Ele era tão ousado em condenar a “face inaceitável” do novo sistema comercial estabelecido quanto outros pregadores de seus dias. Ele mesmo poderia descrever a vida de um mercador como “muito semelhante à vida de uma prostituta”, cheia de truques e armadilhas e enganos, e “muitas artimanhas novas e desconhecidas a fim de ganhar dinheiro”. Porém ele reconhecia que no século 16 não

236 Biéler, op. cit., pp. 32-33

237 Halsema, op. cit., p. 72 Ainda quanto a este episódio ver depoimento de Calvino em : Alister

poderia haver nenhum movimento de retorno a uma sociedade agrária primitiva “ideal”.238

Calvino aproveitou uma única oportunidade que lhe fora dada para poder transformar esta cidade. Calvino não era cidadão de Genebra, ao menos até poucos anos antes de sua morte, portanto não tinha direito a votar e nem de ser votado, assim, as mudanças que ocorreram em Genebra não foram implantadas por Calvino, ele influenciou, mas quem realmente implantou foram os conselhos que administravam a cidade. Entendamos melhor os fatos: Os habitantes de Genebra eram divididos em três tipos de categorias. Os cidadãos “eram aqueles que haviam nascido (e foram subseqüentemente batizados) na cidade e eram filhos de pais que eram citoyens. O corpo diretivo o Petit Consiel – era inteiramente composto por cidadãos”.239 Uma segunda categoria eram os bourgeois, que eram os “habitantes da cidade que possuíam (ou tinham condições de adquirir ou de outro modo negociar) o privilegiado título”.240 Estes poderiam votar e serem votados para os outros dois conselhos: os dos sessenta e dos duzentos. E, uma última categoria, a dos estrangeiros “que eram residentes legais, com nenhum direto de voto, de portar armas ou de assumir qualquer posto público na cidade”,241 estes só poderiam se tornar pastores ou dar aulas, mesmo assim, “somente em razão da ausência praticamente absoluta de outras pessoas, que fossem nascidas em Genebra e estivem qualificadas para desempenhar tais funções”.242 Calvino se encontrava nesta situação.

De 1550 a 1560 a população de Genebra quase dobrou, isto devido ao “grande número de refugiados protestantes que buscavam refúgio lá”.243 Muitos destes refugiados possuíam profissões, alguns tiveram que deixar tudo para trás, outros vieram com suas riquezas. Como nos relata Wallace a respeito de um escrito de Calvino:

Calvino, escrevendo em 1547, observou que muitos desses refugiados haviam sido forçados a deixar para trás seus bens e

238 Wallace, op. cit., pp. 77-78 239 McGrath, op. cit., p.130 240 Ibidem, p. 130

241 Ibidem, p. 130 242 Ibidem, p. 130 243 Ibidem, p. 145

estavam vivendo, no momento, em circunstâncias bastante difíceis. Entretanto, alguns eram ricos, bastante instruídos e de considerável posição social.244

Os olhos do conselho cresceram para com estes novos estrangeiros ricos, e em face de dificuldades financeiras, viram uma oportunidade de se evitar uma crise.

O conselho havia estado preocupado com sua situação financeira por algum tempo e, subitamente, para haver despertado para a possibilidade de extrair consideráveis recursos desses estrangeiros abastados. O Petit Conseil há muito detinha o direito de conceder a indivíduos o status de bourgeois, desde que o pedido fosse acompanhado de riqueza e distinção social suficientes. Uma robusta taxa de admissão assegurava que a cidade se beneficiasse.245

Com a chegada destes refugiados, Genebra tornou-se, como fôra no século XV com suas feiras, em pouco tempo, “um importante centro do tipo de dinamismo econômico”.246 Vejamos o relato de McGrath:

A Maioria dos refugiados havia estado envolvida com a produção manual em pequena escala, o artesanato ou o comércio, em sua terra natal, a França, e muitos tiveram pouca dificuldade em retomar suas atividades, um vez estabelecidos em Genebra.[...] Em um curto espaço de tempo Genebra se tornou um centro de produção de relógios de parede e de bolso em razão da chegada de refugiados franceses, cujas especialidades se concentravam nessa área. Uma substancial indústria editorial se desenvolveu, juntamente com indústrias acessórias, tais como a de produção de papel e de tipos de impressão. A imigração de famílias ligadas ao comércio de tecidos e cortinas – como os Bordiers e os Mallets – levou ao crescimento dessas indústrias em Genebra. A indústria de seda desenvolveu-se como uma importante indústria de exportação, com

244 McGrath op. cit., p. 145 245 Ibidem, p. 146

246 Ibidem, p. 259. para maiores informações quanto às feiras de Genebra do século XV e se declínio

ver André Biéler. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990. pp. 215-216

base na experiência de habilidosos refugiados franceses e italianos e no capital, fornecido por astutos banqueiros comerciais italianos. [...] As feiras de Genebra, que já haviam sido ponto de distribuição para as mercadorias italianas, na Europa ocidental, tornaram-se, nesse momento, o centro de uma rede de distribuição para os itens produzidos em Genebra.247

Pelo que foi visto até aqui podemos perceber o contexto em que Calvino estava inserido. A atividade econômica era uma realidade, não podia mais haver um retrocesso econômico. Para que a atividade econômica pudesse continuar o crédito se fazia necessário. Tratemos, então, dos empréstimos a juros.

No documento O empréstimo a juros em João Calvino (páginas 94-98)

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