• Nenhum resultado encontrado

3.1. A Cláusula geral do artigo 190 do CPC/15

3.1.3 Os fundamentos do art 190 do CPC/15

3.1.3.1 Consensualidade

Como bem destacado por Ludmilla Camacho Duarte Vidal, o Código de Processo Civil de 2015 apresenta uma política pública de fomento à autocomposição116, de modo que foi estabelecido aos órgãos jurisdicionais o dever de buscar, a todo o momento, a solução consensual dos conflitos, conforme se verifica nos artigos 3º, §§2º e 3º117; 139, V118; 165119 e; 221, parágrafo único120.

Diante disso, nota-se que a consensualidade é uma das características da jurisdição contemporânea, buscando-se a superação da verticalidade entre Estado- juiz e partes que permeia as normas processuais121. Trata-se do modelo cooperativo, o qual visa a um debate paritário entre o juiz e os litigantes, sem protagonismos

115 BARREIRAS, Lorena Miranda Santos. Convenções processuais e poder público. Salvador:

Juspodivm, 2016. p. 185.

116 VIDAL, Ludmilla Camacho Duarte. A importante função das convenções processuais na

mudança da cultura do litígio: a interligação entre consensualidade e convencionalidade. Revista

FONAMEC. Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p. 200 - 224, maio 2017. Disponível em:

<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistas/fonamec/volumes/volumeI/revistafonamec_numero1volume1_ 200.pdf>. Acesso em: 29 de maio de 2019.

117

Art. 3º (...) § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

118 Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-

lhe:(...)

V - promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais; (...).

119 Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis

pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

120 Art. 221. (...) Parágrafo único. Suspendem-se os prazos durante a execução de programa

instituído pelo Poder Judiciário para promover a autocomposição, incumbindo aos tribunais especificar, com antecedência, a duração dos trabalhos.

entre os sujeitos do processo122. Dessa forma, o gerenciamento do processo pelas partes, não apenas pelo órgão julgador, reforça a democratização do processo, haja vista pressupor cooperação entre eles na condução do procedimento123.

Diante disso, o primeiro fundamento para a cláusula geral de atipicidade da negociação processual seria a consensualidade. Os negócios jurídicos processuais estariam diretamente relacionados a essa perspectiva atual, na medida em que as partes não seriam apenas meros receptores das prescrições procedimentais feitas pelo legislador, mas sim verdadeiros agentes de produção de normas processuais, moldando o procedimento às peculiaridades do caso concreto.

Nas palavras de Lorena Miranda Santos Barreiros

Se o processo deve ser visto como uma comunidade de trabalho em que todos os sujeitos processuais hão de colaborar para a obtenção, em tempo razoável, de decisão de mérito justa e efetiva, revela-se natural que, nesse contexto, às partes se reserve um espaço também para dispor sobre aspectos do processo no bojo do qual o conflito será solucionado124.

Deve-se ter em mente que, apesar de o fundamento dos métodos de resolução consensual de conflitos (conciliação, mediação etc.) também subsidiar os negócios processuais, faz-se necessário destacar a crucial distinção entre eles. Os primeiros são destinados a por fim ao litígio entre as partes, ou seja, busca satisfazer o direito material dos conflitantes; já os segundos “representam acordos sobre os atos processuais das partes para a modificação do procedimento ou de situações jurídicas processuais, não com vistas à disposição do direito material, mas acordos de natureza processual”125.

3.1.3.2 Contraditório-influência

Além da consensualidade, outro fundamento para a previsão dos negócios jurídicos processuais seria o contraditório-influência. O princípio do contraditório está previsto no art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988126 desde sua promulgação. Ocorre que ele foi reforçado pela lógica cooperativa do CPC de

122 BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Convenções processuais e poder público. Salvador:

Juspodivm, 2016. p. 190.

123 ANDRADE, Erico apud BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Ib idem. p. 190.

124 Ib idem. p. 192.

125 VIDAL, Ludmilla Camacho Duarte. Op cit.

126 Art. 5º (...) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral

2015, o qual instiga as partes e os juízes a cooperarem uns com os outros, tendo como objetivo a solução justa do litígio.

Ao analisar o artigo 6º do CPC/15127, conclui-se que o dever de cooperação não foi estabelecido apenas às partes da relação jurídica processual, mas também ao Estado-juiz, haja vista ter sido usada a expressão “sujeitos”, e não “partes”.

Isso é reforçado no art. 10º128, o qual estabelece que o magistrado não pode decidir com base em fundamento a respeito do qual não tenha se dado às partes a possibilidade de manifestação. Trata-se da vedação às decisões-surpresa, de sorte que o autor e o réu têm o direito de se pronunciar sobre o fato ou norma jurídica que serão utilizados pelo juiz em sua decisão. Assim, permite-se que as partes possam influenciar o órgão julgador na formação do seu convencimento, reforçando o contraditório, o qual era visto antes apenas como a presença das partes em juízo, sob o aspecto meramente formal.

Partindo-se da premissa de que vigora, atualmente, o contraditório- influência, forçosa a ilação de que a possibilidade de as partes disporem sobre certas regras procedimentais reforça seu poder de influência sobre o convencimento do órgão julgador. Veja bem, desde quando se iniciou a fase do instrumentalismo processual, o processo judicial não é mais tratado como um fim em si mesmo, mas como um instrumento para a realização do direito material, sendo apto a ensejar tutelas jurisdicionais adequadas, tempestivas e efetivas129.

Por conseguinte, permitir que as partes disponham sobre o procedimento judicial mediante negociação está de acordo com a visão do processo como um instrumento, pois, dessa forma, os atos processuais são moldados de modo que os litigantes consigam adequá-lo às particularidades do caso concreto e tenham uma maior capacidade de usá-lo para influenciar o convencimento do magistrado.

127 Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo

razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

128 Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a

respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

129 TAVARES, Pedro Machado. Das fases metodológicas processuais: instrumentalismo

processual e formalismo valorativo. Disponível em: <http://www.ambito-

juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=19598&revista_caderno=21>. Acesso em: 29 de maio de 2019.

3.1.3.3 Princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo

O princípio do autorregramento da vontade advém do direito fundamental à liberdade. Ele consiste no direito que todo sujeito tem de regular seus interesses130.

Segundo Fredie Didier Jr., ele pode se concentrar em quatro zonas: liberdade de negociação (o direito de realizar negociações preliminares, antes da consumação do negócio), liberdade de criação (possibilidade de criar negócios atípicos, para além dos previstos na lei), liberdade de estipulação (o direito de estabelecer qual será o conteúdo do negócio) e liberdade de vinculação (o direito em si de negociar ou não)131.

O princípio do autorregramento da vontade também incide no âmbito processual, assegurando às partes o direito de disciplinar suas condutas processuais sem a imposição de restrições irrazoáveis ou injustificadas132. Salienta- se que a aplicação deste princípio no processo civil não se dá na mesma amplitude que no direito civil, haja vista aquele se relacionar com o exercício da função jurisdicional133.

Tendo em vista o processo civil compor o Direito Público, há certa resistência na aceitação do princípio do autorregramento da vontade no processo. Ocorre que, como bem preleciona Didier,

O princípio do devido processo legal deve garantir, ao menos no ordenamento jurídico brasileiro, o exercício do poder de autorregramento ao longo do processo. Um processo que limite injustificadamente o exercício da liberdade não pode ser considerado um processo devido. Um processo jurisdicional hostil ao exercício da liberdade não é um processo devido, nos termos da Constituição brasileira134.

Verifica-se, porém, que há limitações legais a ele, como ocorre na vedação de negócios processuais por incapazes (a redação do caput do art. 190 traz a expressão ‘plenamente capazes’) ou que visem alterar a competência absoluta do

130 DIDIER JR., Fredie. Princípio do respeito ao autorregramento da vontade no Processo Civil. In:

CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios Processuais. Salvador: Ed. Juspodivm, 2015. p. 20.

131 Ib idem.

132 BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Convenções processuais e poder público. Salvador:

Juspodivm, 2016. p. 188.

133 DIDIER JR., Fredie. Princípio do respeito ao autorregramento da vontade no Processo Civil. In:

CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios Processuais. Salvador: Ed. Juspodivm, 2015. p. 20.

órgão jurisdicional135. Mas isso não afasta a existência da autonomia da vontade no processo.

Diante disso, nota-se que não há incompatibilidade entre o princípio em tela e o processo civil, estando, inclusive, inserido no modelo cooperativo de processo, consubstanciado no art. 6º do CPC/15. Na verdade, defende-se que ele, embora não esteja previsto expressamente no Código de Processo Civil, seja considerado uma de suas normas fundamentais136. Fredie Didier Jr. apresenta seis justificativas para esta conclusão137.

A primeira seria o fato de que o CPC é estruturado de modo a estipular a solução do conflito por intermédio da autocomposição: estabelece a audiência de conciliação e mediação antes do oferecimento da defesa do réu, nos termos do art. 334138; permite a homologação judicial de acordo extrajudicial de qualquer natureza (art. 515, III139); autoriza que o acordo judicial contenha matéria estranha ao objeto litigioso (art. 515, §2º140) e; permite negócios processuais atípicos.

A segunda consiste no fato de que é a vontade da parte que delimita o objeto litigioso do processo, de acordo com os arts. 141141 e 490142. Assim, a cognoscibilidade do magistrado fica limitada ao pedido das partes, sendo vedado o julgamento extra petita, ultra petita e citra petita.

A terceira justificativa reside na previsão de negócios processuais típicos, como já exemplificados em momento anterior.

A quarta justificativa seria a própria cláusula geral de negociação processual, a qual permite a celebração de negócios processuais atípicos.

135 Ib idem, p. 22.

136 BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Convenções processuais e poder público. Salvador:

Juspodivm, 2016. p. 188.

137 DIDIER JR., Fredie. Princípio do respeito ao autorregramento da vontade no Processo Civil. In:

CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios Processuais. Salvador: Ed. Juspodivm, 2015. p. 23-25.

138 Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de

improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

139 Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os

artigos previstos neste Título: (...)III - a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza; (...).

140 Art. 515 (...) § 2º A autocomposição judicial pode envolver sujeito estranho ao processo e versar

sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo.

141 Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer

de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.

142 Art. 490. O juiz resolverá o mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos

A quinta justificativa diz respeito à consagração do princípio da cooperação como norma fundamental do Código de Processo Civil (art. 6º).

Por fim, a sexta justificativa seria o prestígio que o ordenamento jurídico dá à arbitragem (método alternativo de resolução de conflitos, no qual as partes elegem um árbitro para compor o litígio, tendo sua decisão força de título executivo judicial, de acordo com o art. 515, VII, do CPC/15), tendo em vista a existência de uma lei voltada exclusivamente à sua regulamentação (Lei n.º 9.307/96). De forma acertada, Didier afirma que o processo arbitral nada mais é do que um processo negociado, haja vista a organização do processo ser estabelecida pelas partes, além da própria escolha do juízo arbitral143.