• Nenhum resultado encontrado

1. LEITURA DO GÊNERO LITERÁRIO MICROCONTO

1.2 NOÇÕES SOBRE OS GÊNEROS TEXTUAIS

1.2.1 Os Gêneros da Ordem do Narrar

No plano geral, a capacidade humana de narrar foi desenvolvida muito precocemente, sendo ela tão antiga quanto o homem. Conforme Lajolo (2005), o gosto humano pela narração é anterior à apropriação da escrita. Desde sua origem, provavelmente, antes da escrita rupestre, o homem sempre usou as narrativas para contar sua própria história e a dos outros. Sem elas, talvez, a sociabilidade e a percepção daquilo que o homem efetivamente seja fossem impossíveis.

Segundo Bajard, “a origem do homem é marcada pelas histórias contadas, que estabelecem a fronteira com os outros primatas. Homo Sapiens é um primata que conta histórias.” (BAJARD apud PATRINI, 2005, p. 13). Em outras palavras, a narrativa sempre acompanhou a vida do homem em sociedade. Ela é própria do ser humano e, por meio dela, foi possível a preservação da cultura.

A narratividade, segundo Barthes (1976, p. 19), “está presente em todos os

tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não há, não há em parte alguma, povo algum sem narrativa.” Durante muito tempo, ela foi a única causa de obtenção e propagação do conhecimento, sendo útil, inclusive, para o homem exprimir seus anseios e transmitir valores para seus descendentes. Salienta Ramos (2011, p. 29) que,

A arte de narrar histórias encontra suas raízes nos povos ancestrais que contavam e encenavam histórias para difundirem seus rituais, os mitos, os conhecimentos acerca do mundo sobrenatural ou não, e sobre as experiências adquiridas pelo grupo ao longo do tempo. Além da comunicação oral e gestual, ao narrarem suas histórias, também, registravam nas paredes das cavernas, com desenhos e pinturas, suas experiências, algumas delas vividas no cotidiano. A partir daí, ao adquirir a linguagem, o homem foi desenvolvendo modos diferentes de narrar como, por exemplo, o gênero conto, mito, lenda e fábula. O ato de narrar histórias acompanhou todo o percurso histórico do homem e convocou-o a refletir sobre a vida e sobre suas atitudes. Assim, da contação de histórias nas

comunidades primevas até uma comunidade mais avançada tecnologicamente o ato de narrar cria elos entre os humanos.

No plano pessoal, o gosto de narrar de cada indivíduo também é desenvolvido mais precocemente. Antes mesmo da apropriação da escrita. A capacidade narrativa de cada pessoa origina-se desde sua mais tenra idade, quando, na fase infantil, ela vive o mundo da fantasia. Nesse mundo fantasioso, a pessoa sente prazer em ouvir e contar histórias, sobretudo, do mundo imaginário. A narrativa ouvida ou contada constitui fator de enriquecimento psíquico-social e robustece vínculos sociais, educativos e afetivos. Para Tahan (Apud GALLAND, 2002, p.15),

A criança e o adulto, o rico e o pobre, o sábio e o ignorante, todos, enfim, ouvem histórias com prazer – uma vez que estas histórias sejam interessantes, tenham vida e possam cativar a atenção. A história narrada, lida, filmada, dramatizada, circula em todos os meridianos, vive em todos os climas. Não existe povo algum que não se orgulhe de suas histórias, de suas lendas e de seus contos característicos. É a lenda a expressão mais delicada da literatura popular. O homem, pela estrada atraente dos contos e histórias, procura evadir-se da vulgaridade cotidiana, embelezando a vida com uma sonhada espiritualidade. Decorre daí a importância das histórias.

A narratividade trabalha a emoção do indivíduo e constitui uma atividade lúdica que socializa, informa, instrui e desperta a criatividade e a imaginação. Por meio das narrativas, os homens interagem entre si, num processo que Bakhtin denominou de caráter dialógico da interação. Segundo Abramovich (1993, p. 16),

É importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas, muitas histórias [...]. Escutá-las é o início da aprendizagem para ser um leitor, e ser um leitor é ter um caminho absolutamente infinito de descobertas e compreensão do mundo.

A criança que, frequentemente, ouve histórias estimula a sua imaginação criadora e, simultaneamente, torna-se capaz de dialogar com a cultura circundante, desenvolvendo, destarte, sua cidadania. Para Rodrigues (2005, p. 4),

A contação de histórias é atividade própria de incentivo à imaginação e o trânsito entre o fictício e o real. Ao preparar uma história para ser contada, tomamos a experiência do narrador e de cada personagem

como nossa e ampliamos nossa experiência vivencial por meio da narrativa do autor. Os fatos, as cenas e os contextos são do plano do imaginário, mas os sentimentos e as emoções transcendem a ficção e se materializam na vida real.

Em síntese, todos os povos, de todas as épocas, construíram suas narrativas, pois o ser humano é e sempre será um ser narrativo. Por isso a narrativa tem papel fundamental para o homem e, por possuir tal papel, constitui um objeto útil ao ensino-aprendizagem de língua materna. Devido à inerência da narrativa na vida do homem, os estudiosos entenderam ser ela um recurso propício para o processo de

ensino-aprendizagem.Por ser atividade fundamental que transmite conhecimentos e

valores e por ser uma experiência capaz de gerar o que Maffesoli chama de revolução pelo “reencantamento do mundo” (MAFFESOLI, 2001 apud BUSATTO, 2007, p.12), a narrativa constitui uma oportunidade de ampliação do saber humano. Afirma Santos (2011, p. 29) que:

Dentre as várias respostas possíveis e cabíveis para a questão do por que contar histórias pode-se destacar, entre eles, o prazer que este ato proporciona para o contador e para o ouvinte, independentemente da idade.

Além de proporcionar este deleite, a contação de história na educação infantil, pode ser vista como um elemento facilitador para o desenvolvimento de inúmeros temas, situações, comportamentos e atitudes como já foi dito por Abramovich.

Assim, por meio das histórias e das reflexões que são feitas em torno delas o aluno reconstrói sua maneira de pensar, de ver a si mesmo e ao mundo e isso se reflete em suas atitudes.

A narrativa aguça não somente a imaginação, mas também o gosto e o hábito da leitura como também amplia o vocabulário. Consoante Mellon (2006, p. 13), “contar histórias nos mantém em contato com forças que podem ter sido esquecidas, sabedorias que podem ter esmaecido ou até mesmo desaparecido e esperanças que caíram na obscuridade.” A necessidade, portanto, de expressar os sentidos da vida, refletir sobre nossas preocupações e transmitir valores têm sido a força impulsionadora do ato de narrar. A atuação da narratividade é, pois, decisiva na formação do ser humano.

Segundo os Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental e Médio de Pernambuco (2012, p. 17),

O domínio da narrativa, por exemplo, é foco das práticas de linguagem desde os anos iniciais da escolarização até o último ano do Ensino Médio. Em atividades de leitura, escrita e oralidade, os estudantes vão compreendendo o que são narrativas, para que servem, como se estruturam e a que práticas sociais estão associadas, que recursos da língua são mobilizados pelos gêneros do narrar, quais são esses gêneros, o que os distingue etc. Vão aprendendo a escrever narrativas e, sobretudo, a gostar de ler narrativas, apreciando-as, inclusive, como produto artístico.

Reconhecendo, destarte, esse papel e delimitando seu campo de abordagem, este trabalho de pesquisa trata de um texto da ordem do narrar, o microconto, o qual será objeto de estudo nas páginas que seguem. Antes, porém, veja-se o gênero conto do qual emergiu o microconto: