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CAPITULO III: A EDUCAÇÃO NAS ENTRELINHAS DA MEMÓRIA

3.1 OS JORNAIS OPERÁRIOS

Antes de mais, o operário deve negar decididamente qualquer solidariedade com o jornal burguês.

Gramsci, 2005b

A citação acima foi extraída do texto de Gramsci "Os jornais e os Operários" (2005b), que fala do jornal e seu papel na conquista da hegemonia. Nesse texto, Gramsci se pergunta o porquê, e se espanta, de o trabalhador continuar a ler, nos jornais burgueses, a verdade de quem os oprime, travestida de notícia e que ainda pague por isso. Gramsci exorta os operários a boicotarem o veículo de propaganda burguesa.

Deveria recordar-se sempre, sempre, sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um instrumento de luta movido por ideias e interesses que estão em contraste com os seus. Tudo o que se pública é constantemente influenciado por uma ideia: servir a classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. (GRAMSCI, 2005b)

Antes de Gramsci, Marx e Lênin já haviam se debruçado sobre a questão da imprensa. Marx, porque se sustentou por muitos anos como jornalista e, embora trabalhasse na imprensa comum, era combativo quanto aos interesses expressos nos jornais. Chegou a ser redator chefe de um jornal posteriormente fechado pela censura do governo na Prússia (BORGES, 2013).

Lênin escreveu diversos textos sobre o assunto e fez propostas de imprensa operária e coletiva. Em Teses sobre a democracia burguesa e a ditadura do proletariado (1919), apresentado no congresso de fundação da Terceira Internacional, Lênin desconstrói a ideia de liberdade de Imprensa no Capitalismo, e em O que fazer? Problemas candentes do nosso movimento (1946), ele traz a ideia de que o jornal coletivo pode ser um órgão importante nos governos revolucionários, já que se traduz em instrumento de coesão, de aprendizado e de diálogo entre todos os trabalhadores que seriam, ou deveriam se tornar, responsáveis pelo Estado.

Para Marx e Engels o jornal operário exigia estudo, rigor, cultura. Engels escreve: (...)você que, sem dúvida, já produziu alguma coisa, notou certamente como é reduzido o número de jovens literatos, filiados ao Partido, que se dão ao trabalho de

estudar a economia, a história da economia e a história do comércio, da indústria, da agricultura e das formações sociais. Quantos conhecem de Maurer mais do que o nome? É a auto-suficiência do jornalista que deve resolver todas as dificuldades, mas depois os resultados medem-se proporcionalmente! Dir-se-ia que esses senhores julgam que tudo é sempre suficientemente bom para os operários. Se esses senhores soubessem a que ponto Marx considerava que as suas melhores produções não eram ainda bastante boas para os operários e como considerava um crime oferecer aos trabalhadores qualquer coisa que estivesse aquém da perfeição! (Engels: 1951, p.127- 128)

Marx, assim como Engels, via o jornal e a imprensa operária como uma pratica política, uma possibilidade de intervenção à luz de elaborações teóricas, científico-filosóficas. Ele buscou construir textos de natureza “panfletária” (Manifesto do Partido Comunista), abrindo um canal de diálogo com o povo e, concomitantemente, desenvolveu o exercício intelectual mais árduo que comparece na redação de O capital.

No Brasil os jornais operários foram experiências concretas da população trabalhadora. Desde fins do século XIX, muitas foram as experiências de imprensa popular, uma imprensa que tinha por intenção propagar os ideais anarquistas, denunciar condições de vida, estadia e trabalho no Brasil, entre outras coisas, como divulgar festas, grêmios, empregos e sindicatos.

Os jornais de tendência anarquista, anarco-sindicalista, comunista, ou jornais de sindicatos, dos pequenos grupos socialistas ou antifascistas, eram parte integrante do cotidiano da cidade e do ponto de vista de como os trabalhadores viam seus problemas. (DECCA, 1987, p. 97)

Na cidade de São Paulo, no início do século XX, circularam diversos folhetins, publicados não só em português, mas também nos dialetos dos italianos que aqui viviam. A proibição do uso da língua estrangeira viria apenas mais tarde, com a figura de Vargas.

Gramsci também discute a possibilidade educativa das redações coletivas:

Um tipo de colegiado deliberativo, que busca incorporar a competência técnica necessária para operar de um modo realista, foi descrito em outro local, no qual se fala do que ocorre em certas redações de revistas, que funcionam ao mesmo tempo como redação e como círculo de cultura. O círculo crítica de modo colegiado e contribui assim para elaborar os trabalhos dos redatores individuais, cuja operosidade é organizada segundo um plano e uma divisão do trabalho racionalmente preestabelecidos. Através da discussão e da crítica colegiada (feita através de sugestões, conselhos, indicações metodológicas, crítica construtiva e voltada para a educação recíproca), mediante as quais cada um funciona como especialista em sua matéria a fim de integrar a competência coletiva, consegue-se efetivamente elevar o nível médio dos redatores individuais, alcançar o nível ou a capacidade do mais preparado, assegurando à revista uma colaboração cada vez mais selecionada e orgânica; e não se consegue apenas isso, mas cria-se também as condições para o surgimento de um grupo homogéneo de intelectuais, preparados para a produção de uma atividade "editorial" regular e metódica (não apenas de publicações de ocasião e

de ensaios parciais, mas de trabalhos orgânicos de conjunto). (GRAMSCI, 1982, p.120)

Os jornais e boletins operários tinham, nessa época, boa circulação entre a classe operária e eram vistos como uma instância não só de informação, mas também de formação política. Segundo Saviani (2010, p. 182),

Os ideais libertários difundiram-se no Brasil na forma das correntes anarquista e anarcossindicalista. Aquela mais afeita aos meios literários e está diretamente ligada ao movimento operário. Seus quadros provinham basicamente do fluxo imigratório e expressavam-se por meio da criação de um número crescente de jornais, revistas, sindicatos livres e ligas operárias.

Em 1925, três anos após a fundação do Partido Comunista Brasileiro, inicia-se a publicação do jornal A Classe Operária, com a intenção de ser um órgão oficial do partido.

Para todos os militantes que ingressaram em partidos de esquerda nas últimas três décadas da história brasileira, falar em política cultural é, quando muito, lembrar da influência difusa das teses de determinada organização política sobre esse ou aquele artista ou veículo cultural em particular. Imprensa partidária é, para nossa geração, sinônimo de jornais e revistas de circulação restrita, voltados para o público interno, com dimensões acanhadas e periodicidade larga e irregular (...) olhando desse nosso presente, é fundamental resgatar a história – e quem sabe o exemplo – de um partido de esquerda que, atuando há mais de meio século, publicava uma rede de oito jornais diários e vários semanários em diferentes capitais brasileiras. O mesmo partido que fundou 24 editoras, a mais importante delas a Editorial Vitória, já no ano de sua criação pôs em circulação 57 mil volumes de livros. (MATTOS, 2010, p.249) A fala de Mattos traz uma nova perspectiva. Hoje, a palavra partido parece esvaziada do mesmo significado que tinha para esses homens e mulheres do trabalho. Enquanto que para o cidadão do século XXI, essa palavra é atrelada à busca da representatividade através da via eleitoral, na época, o partido ia muito além disso. Além de uma associação de classe, o partido era o apoio moral e financeiro nas dificuldades pontuais da vida: no desemprego, na doença, na viuvez, e também nas dificuldades sociais enfrentadas relativas ao ideal e à estigmatização dos comunistas.