• Nenhum resultado encontrado

Notações estatísticas

1.4. Epidemiologia do consumo de tabaco em Portugal

1.4.1. Os médicos e o consumo de tabaco

A profissão médica nem sempre foi um bom exemplo para a população em matéria de consumo de tabaco. Na primeira metade do século passado a imagem dos médicos foi largamente utilizada na publicidade ao tabaco, em revistas e jornais de

grande expansão, incluindo jornais e revistas médicas de prestígio, como o Journal of American Medical Association (Gardner e Brandt, 2006).

Em 1953, a direcção deste jornal decidiu deixar de aceitar a inserção de publicidade ao tabaco nas suas publicações e proibiu as companhias de tabaco de fazerem publicidade ou oferecerem os seus produtos em reuniões e congressos médicos. A última publicidade ao tabaco com recurso à imagem dos médicos teve lugar em 1954, no âmbito de uma campanha sobre cigarros com filtro, sob o slogan "just what the doctor ordered!". Estes cigarros eram publicitados como sendo inteiramente seguros (entirely harmless), devido ao filtro especial de “micronite”, apresentado como capaz de filtrar totalmente o fumo (effectively filtered the smoke). Esta campanha foi vivamente condenada pela American Medical Association, dando- se, assim, por finda a utilização da imagem dos médicos na promoção do consumo de tabaco nos EUA (Gardner e Brandt, 2006).

No nosso País, na década de 70, do século passado, a imagem dos médicos associada ao consumo de tabaco era ainda usada e permitida (Silva, 2010). A publicidade ao tabaco viria a ser totalmente proibida em Portugal em 19823.

Após os estudos iniciais, efectuados na década de 50 do século passado, que revelaram uma associação causal entre consumo de tabaco e o cancro do pulmão, tem vindo a assistir-se a um declínio do consumo de tabaco entre os médicos. Richard Doll e colaboradores (1994) mostraram que, no Reino Unido, este consumo desceu de 62%, em 1951, para 18%, em 1990. Actualmente, menos de 5% dos médicos no Reino Unido, na Austrália e nos EUA são fumadores (Nelson et al.,1994; Smith e Leggat, 2007; Tong et al.,2010).

Contudo, esta tendência de decréscimo não foi generalizada, sendo possível documentar prevalências elevadas de consumo de tabaco entre os médicos, em diversos países. Numa revisão efectuada por Smith e Leggat (2007), abrangendo o período de 1974 a 2004, foi amplamente documentada essa diversidade de prevalências: numa amostra de médicos de família franceses, em 1998, foi obtida uma taxa de prevalência de fumadores de 32,1%, 33,9% nos homens e 25,4% nas mulheres. Na Grécia, foi encontrada uma prevalência de 49% de médicos fumadores. Na China, 61% dos médicos eram fumadores, não existindo consumo expressivo no

3

sexo feminino. Em Itália, 34% das médicas referiram ser fumadoras, (Hajjar et al., 2006; Josseran et al., 2005; Li et al.,2007; Smith e Leggat, 2007).

Em Portugal, os primeiros estudos sobre os hábitos tabágicos dos médicos portugueses datam do início da década de 80 do século passado. Medeiros e outros (1982) encontraram uma prevalência global de consumo entre os médicos dos Hospitais da Universidade de Coimbra de 49%, (51% em homens e 46% em mulheres). Robalo Cordeiro e outros (1988) encontraram, numa amostra de profissionais de saúde do Distrito de Coimbra, uma proporção global de 41,9% de médicos fumadores, 44% do sexo masculino e 38% do sexo feminino.

Sá, Ferreira e Branco publicaram, em 1994, os resultados do primeiro estudo de prevalência do consumo de tabaco nos médicos de família portugueses. Numa amostra de 597 respondentes (50,7% da amostra inicial, correspondente a 20% dos inscritos, à época, na APMCG), foi observada uma proporção de médicos fumadores de 35%, 41% de homens e 30% de mulheres. Do total da amostra, 71% dos médicos já tinham fumado. Quanto aos ex-fumadores, a proporção encontrada foi de 33%.

A proporção de fumadores com mais de 15 anos, na população do Continente, segundo os dados do INS de 1995/96, foi de 20,5%; 32,8% nos homens e 9,5% nas mulheres. Estes valores, embora não directamente comparáveis, permitem concluir que os consumos referidos pelos médicos se situavam claramente acima dos encontrados na população, em particular no sexo feminino (Portugal. MS. DGS; Portugal. MS. INSA, 2011).

Tendo por base a elevada proporção de ex-fumadores e as proporções de consumo mais baixas nos grupos etários mais jovens, os autores, nas suas conclusões, perspectivaram como provável a redução progressiva do número de médicos de família fumadores e sugeriram a realização de estudos sobre os hábitos tabágicos das novas gerações de médicos, a fim de confirmar esta tendência.

Estudos mais recentes mostraram prevalências de consumo nos médicos inferiores às anteriormente referidas. Num estudo efectuado em 2004, em Hospitais e Centros de Saúde da rede pública de serviços de saúde da cidade do Porto, foi encontrada uma proporção de fumadores de 20,8% no total de médicos; 19,5% nos médicos dos cuidados de saúde primários e 21,0% nos médicos hospitalares (Costa, 2006). Num outro trabalho realizado em 2008, em centros de saúde da cidade do Porto e em vinte serviços do Hospital de S. João, foi obtida uma proporção de fumadores, entre os médicos, de 13% (Ramos; Vinagre; Cardoso, 2010). O facto de as

amostras, em ambos os estudos, não serem representativas impõe, todavia, uma interpretação cautelosa destes valores.

Conforme referido por Lledó (2002), citado por Barreira, Gomes e Cunha (2007), os profissionais de saúde detêm funções educativas e terapêuticas na luta contra o tabagismo: uma função de exemplo, através da adopção de comportamentos promotores de saúde; uma função educativa e de aconselhamento sobre os riscos do consumo de tabaco e suas consequências; uma função terapêutica, no apoio e no tratamento dos fumadores que tentam abandonar o consumo; uma função de crítica social e de sensibilização da opinião pública, mediante a participação em iniciativas de âmbito comunitário.

Diversos estudos apontam no sentido de o consumo de tabaco, por parte dos médicos, poder influenciar as suas crenças, atitudes e comportamentos de aconselhamento dos pacientes, relativamente à cessação tabágica, contribuindo para a não adopção de práticas adequadas (Cornuz et al., 2000; Frank; Breyan e Elon, 2000; Frank et al., 2000; Frank, 2004; Hajjar et al., 2006; Vickers et al., 2007).

1.4.2. Ca rga da doença e impacte na mortalida de por doenças