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Os MBAs brasileiros e o discurso da redenção

No documento Pop-management: MBAs no Brasil (páginas 38-43)

II. Resultados da pesquisa bibliográfica

3. O ensino de Administração no Brasil

3.3. Os MBAs brasileiros e o discurso da redenção

No Brasil, o discurso da redenção primeiro se voltou para os MBAs norte- americanos e europeus, como revela uma análise dos textos publicados na revista Exame entre 1996 e 2001:

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“Há três anos, o engenheiro químico paulista Danny Siekierski, então com 28 anos, lançou-se no que, à primeira vista, poderia parecer uma aventura: abandonou um promissor posto de chefe de produção na subsidiária brasileira da Procter & Gamble para voltar aos bancos escolares. Fora uma decisão cuidadosamente pensada. Siekierski, ao pedir as contas na P&G, acreditava estar dando um passo e tanto para continuidade de sua carreira: seu objetivo era obter no exterior um diploma de Master of Business Administration (MBA), uma espécie de passaporte para o futuro que povoa os sonhos de jovens executivos como ele.” “Ao receber seu canudo de MBA em maio do ano passado, tinha nas mãos quatro ofertas de emprego, uma delas lá fora mesmo.” (Sganzerla, 1995, p.108 e p.109)

“Cerca de 250 brasileiros moram hoje nos Estados Unidos em busca de um pedaço de papel com três letras: MBA. É o diploma em Master of Business Administration, uma espécie de ‘abre-te Sésamo’ do mundo dos negócios para profissionais jovens e ambiciosos. Para o obter o mestrado dos executivos, muitos deixaram no Brasil a família e o emprego. Para quem não tem bolsa nem é financiado pela empresa, o investimento pode alcançar 180.000 dólares em 2 anos de curso. Questão: vale a pena?” “Então ficamos assim: se você é jovem, tem ambição e acha que a disputa feroz pelas vagas dos melhores cursos, as noites insones diante dos livros e o desafio de viver num ambiente desconhecido são barreiras superáveis, mãos à obra.” (Gomes, 1996, p.47 e p.54)

A partir de 1997, o discurso começa a apresentar uma variante para incluir as opções locais, ainda que com ressalvas:

“Poucos sonhos habitam mais o imaginário do executivo hoje do que um diploma de MBA. O Master in Business Administration, mestrado em Administração de Empresas, é a promessa para carreiras em ascensão, salários milionários e, sonho dos sonhos, para a cadeira de presidente de uma companhia de respeito. Só que nem todos os executivos conseguem abdicar por dois anos do emprego em nome de um canudo nos Estados Unidos ou na Europa, onde estão os cursos mais prestigiados. Opções locais? Se o executivo brasileiro abrir o jornal nos cadernos de empregos encontrará

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anúncios de todo tipo, sempre com a sigla MBA escrita em letras garrafais. Mas não se iludam: não existe MBA no Brasil. Pelo menos no formato que tornaram famosas escolas como Harvard e Wharton. MBA aqui virou uma grife. Uma marca que vende desde cursos de dois anos a cursinhos de três meses.” “A boa notícia é que o uso pouco apropriado do nome não impede que se encontrem no país bons cursos de especialização.” “O MBA à brasileira pode não ser a mais charmosa das opções, mas é sempre uma chance para você aprender.” (Gomes, 1997, p.112-113)

A reportagem então cita uma opção diferenciada, que não segue o padrão dos mestrados tradicionais brasileiros (mínimo de dois anos de curso, dedicação exclusiva e defesa de tese), mas também não confere o título de mestre como os MBAs norte-americanos. O modelo teria sido inspirado em um subproduto criado pelas business schools norte-americanas – o Executive MBA – cuja principal característica é a flexibilidade de horários e a possibilidade de se trabalhar durante os estudos.

Na época, a disseminação deste modelo gerou muita polêmica em relação a sua validade (ver Shoeps, 1997). Aqueles contrários ao modelo passaram a defender o modelo tradicional norte-americano, enquanto aqueles favoráveis, argumentavam que esta seria mais uma opção disponível para a qualificação de executivos e que caberia ao mercado avaliar a legitimidade das certificações.

Em 1998, surgiu a revista Você S.A., voltada para os interesses profissionais de jovens executivos, que deu continuidade ao discurso iniciado por Exame. A nova revista do Grupo Abril, de sucesso instantâneo, publicou sucessivas reportagens com notícias do mundo dos MBAs norte-americanos e europeus, rankings e “receitas” para conseguir fazer o curso (ver Jacomino, 1999; Fontana, 1999; Gomes, 1999; Fontana, 2000; Jacomino, 2000). O tom de redenção foi um pouco amenizado, pois a idealização da sigla já se encontra consolidada, mas a revista incorporou o MBA no imaginário explorado em seus artigos de tal forma que chegou a provocar críticas de alguns de seus leitores:

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“A revista tem fixação na necessidade de cursar um MBA. Sou analista de sistemas e formado em economia e administração empresarial na Alemanha e na Suíça. Já trabalhei em quatro continentes, e nunca senti falta de um MBA. Uma formação sólida, uma boa bagagem cultural, iniciativa e determinação me valeram mais que o título.”

G. J. T. (abril de 2000)

“Tenho lido muito sobre investir na carreira por meio da participação em seminários, domínio de outro idioma e, principalmente, fazendo um MBA. Mas como ficam os profissionais de pequenas e médias empresas do interior, que no dia-a-dia fazem verdadeiros milagres para mantê-las em funcionamento? Em um processo de seleção, eles nem sequer são entrevistados, por não preencher esses requisitos. Não está na hora de reavaliarmos estes conceitos?”

M. G. (julho 2000)

A revista Você S.A. também foi responsável pela categorização dos MBAs brasileiros e pela elaboração dos primeiros rankings nacionais na edição especial Os melhores MBAs no Brasil (2000; 2001). Em 2000, a revista realizou um ranking integrado dos MBAs brasileiros. Em 2001, passou a classificar os MBAs em duas categorias: MBA Executivo (pós-graduação lato sensu) e Mestrado Profissional (pós-graduação stricto sensu). De acordo com Você S.A., alguns cursos de extensão, cursos de educação continuada ou cursos fechados em empresas também usam o rótulo MBA, mas neste caso a sigla seria empregada como um nome fantasia, devido ao seu apelo comercial.

Antes de examinarmos os resultados da pesquisa de campo, vale ressaltar que os MBAs Executivos e Mestrados Profissionais foram criados paralelamente ao conflito entre o discurso da redenção e o discurso da crítica aos MBAs. Como verificamos, o discurso da redenção foi assimilado pela literatura popular de negócios local. Já o discurso da crítica começou a se disseminar com mais força nos últimos três anos, quando a própria Exame passou a publicar as críticas aos MBAs norte-americanos:

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“Um dos momentos mais efervescentes do Academy of Management, o principal evento da área de administração nos Estados Unidos, foi a intervenção do canadense Henry Mintzberg. Mintezberg, reputado especialista em estratégia, professor da Universidade McGrill, do Canadá e do francês Insead, que criticou acidamente o modelo americano de MBA.” (Exame, 1999)

“Em meu novo livro falo sobre os programas convencionais de MBAs, que chamo pejorativamente de currículo da última moda. Neles são aceitos alunos com uma experiência de no máximo, quatro anos de trabalho, com pouco ou nada de concreto na área de gestão. Os programas de MBA preparam o indivíduo para executar funções na área empresarial, mas não oferecem nenhum treinamento efetivo na área administrativa. Os alunos saem achando que já podem gerenciar alguma coisa só porque fizeram um curso de MBA. Estamos treinando pessoas egocêntricas que acabarão assumindo postos de comando, mesmo sem saber o que estão comandando. Vamos pegar um exemplo dentro da sala de aula: pede-se aos alunos que leiam 20 páginas sobre uma empresa da qual nunca ouviram falar. Logo em seguida, já começam a dar palpites. Se um deles disser: ‘Nunca estive nesta fábrica, não conheço seus produtos, portanto recuso-me a responder à sua pergunta. Este exercício é superficial’, esse indivíduo será reprovado. Estamos treinando pessoas para dizer um porção de bobagens sobre coisas que não conhecem. Trata-se de algo completamente não funcional.”

(Mintzberg em entrevista para McCarthy, 2000, p.144)

Acompanhando o debate internacional, o discurso da crítica também invadiu a academia brasileira. No XXV Encontro Nacional dos cursos de Pós-Graduação em Administração – ENANPAD, realizado em setembro em 2001, foi (re)introduzida a área temática “Ensino e Pesquisa em Administração”, na qual se discutiu, entre outras questões, a massificação do ensino de graduação em Administração (ver Nicolini, 2001) e o futuro dos Mestrados Profissionais (ver Fischer, 2001).

Seguindo a tendência, o II Encontro Nacional de Estudos Organizacional – ENEO, realizado em maio de 2002, teve em sua abertura a oficina “A Saga do Ensino de Organizações no Brasil em Roda Viva”. Estes debates foram permeados por

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discussões sobre o conflito entre a missão pedagógica e os interesses comerciais, bem como questionamentos sobre a eficácia da crítica radical.

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