4. CAPÍTULO 3 – O PROTESTANTISMO INDÍGENA
4.3. OS MINISTÉRIOS
Ministério é um termo muito teológico, significa uma espécie de área de atuação.
Onde e como a igreja desenvolve seus trabalhos. Pelas fontes que uso, como as
Representações de Antônio Paraupaba, a carta de Pedro Poty a Felipe Camarão, o Relatório
da Missão da Ibiapaba do Pe. Vieira, além das inúmeras Nódulas Diárias, apontam para dois
ministérios muito bem desenvolvidos na Igreja Reformada Potiguara: o ministério do ensino e
do evangelismo.
O ministério do ensino
Desde o início dos trabalhos da Igreja Reformada Holandesa no Brasil, a
preocupação com o ensino foi evidente. E desde cedo tratou - se também de treinar indígenas
para serem mestres – escolas. No capítulo anterior há uma breve biografia dos quatro mestres
– escola brasileiros, talvez os primeiros professores brasileiros: Álvaro Jacó, Bento da Costa,
Melchior Francisco e João Gonçalves.
Também deve ser observado que em todos os lugares em que há crianças, e especialmente no Recife, se fundem escolas; neste último deve haver além disso um mestre português. (...) O terceiro meio é de estabelecer mestres de escolas, tanto holandeses como índios, se for possível nas aldeias de índios. (MAIOR In CRESPIN, 2007, p. 105)
Todos formados na verdadeira Academia de Genebra das Américas, ou a Harvard
brasileira (que no séc. XVII era um seminário), a aldeia paraibana de Maurícia. Seus
professores Joaquim Soler, David à Dorenslaer e Johannes Eduardus cuidaram do treinamento
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destes professores indígenas. A educação é um aspecto muito caro ao protestantismo, como já
foi citado no capítulo I, esta é uma religião da Palavra.
A igreja reformada vai definir a religião a partir de uma relação íntima e pessoal com Deus e essa comunhão com o sagrado se dará pelo contato do cristão com os textos da Bíblia, elevada pela reforma protestante à categoria de revelação especial, a palavra de Deus (Anderson e Chanter, 1935). O próprio Lutero empenhou a sua vida na tradução da Bíblia para a língua alemã, a fim de colocar a Bíblia nas mãos do povo. Pouco ou nada adiantava colocar a Bíblia nas mãos de um povo analfabeto, mesmo após a vulgarização dos textos escritos pela invenção da imprensa (Brentano, 1968; Lessa, 1956, Buyers, 1873). A evangelização dos povos, imperativo da igreja reformada, não seria levada adiante sem uma estratégia da alfabetização dos leigos e educação refinada do clero. A meta reformada de abrir uma escola ao lado de cada igreja é por demais conhecida, mesmo pelos historiadores católicos para ser comentada neste texto. Dessa forma pode – se afirmar que a reforma protestante foi a pioneira na popularização do ensino e na abertura de escolas protestantes desde os seus primórdios (Bliss, 1897). (GOMES, 2000, p. 88)
Estes professores foram formados para ministrar tanto aulas de alfabetização,
quanto as doutrinas da Igreja Reformada Holandesa. Seu material de estudos girava em torno
da gramática holandesa e tupi, além da História e Geografia dos Países Baixos, o Catecismo
de Heildelberg, a Confissão de Fé Belga, os Cânones de Dort; livros teológicos como o
Católico Reformado de William Perkins e óbvio, a Bíblia.
O mais importante fato deste período é que o ensino começou a se “brasilianizar”, sendo novamente o Rev. Soler o idealizador desse novo e importante desenvolvimento. Foi ele quem observou que na aldeia de Nassau (bairro das Graças, do Recife atual, perto da casa de campo de Nassau) havia “um brasiliano razoavelmente experimentado nos princípios da religião, e no ler e escrever”, e capaz de instruir os índios. O pastor Eduardus, então, lembrou que havia alguns outros assim em Goiania. Decidiu-se sugerir ao governo que esses índios fossem nomeados professores nas aldeias, solicitando-se para eles um modesto salário. Os magistrados concordaram, prometendo um salário de 12 florins mensais. Os Senhores XIX, na Holanda, alegraram-se muito ao ouvirem que os brasilianos podiam instruir sua própria nação “no conhecimento do verdadeiro Deus e do caminho reto da salvação.” Andrae, com razão, salienta que esses devem ter sido os primeiros professores indígenas da igreja evangélica na América do Sul. Esse foi o início da utilização de obreiros indígenas e da potencial independência da primeira igreja evangélica indígena das Américas. Professores eram considerados obreiros semi-eclesiásticos e, às vezes, eram ordenados posteriormente. (SCHALKWIJK, 2006, p. 240 – 241)
O ministério do evangelismo
Na Igreja Reformada Potiguara este ministério parece que se inseriu no ensino e
na mediação. Desta feita os primeiros indígenas a fazer evangelismo no Brasil foram Pedro
Poty e Antônio Paraupaba, como já foi citado anteriormente. Os mestres – escolas também
faziam evangelismo quando ensinavam, pois o objetivo principal de seu trabalho era
alfabetizar para ler a Bíblia.
Evangelismo por evangelismo só ocorreu na fase do Refúgio e da Peregrinação. O
Pe. Vieira em seu relatório da Missão da Ibiapaba ao comentar sobre a nova postura dos
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tabajara escreveu que estes eram outrora amigos dos portugueses, porém agora bebem do
veneno dos de Pernambuco, seus maiores dogmatistas. Além disso, também retrata que os
tabajara admiravam muito o fato dos potiguaras de saberem ler e escrever.
Com a communicação e exemplo e doutrina destes hereges não se póde crêr a miseria a que chegárão os pobres Tabajaras, porque dantes, ainda que não havia nelles a verdadeira fé. Tinham comtudo o conhecimento e estima della, a qual agora não só perderão, mas em seu lugar forão bebendo com a heresia um grande desprezo e aborrecimento das verdades e ritos catholicos, e louvando e abraçando em tudo a largueza da vida dos Hollandezes, tão semelhante à sua, que nem o herege se distinguia do gentio, nem o gentio do herege. Os males que sahindo desta sua Rochella fizerão em todo este tempo os Tabajaras da serra, não se podem dizer, nem saber todos, que elles os sepultavão dentro em si mesmos (...) Esta era a vida barbara dos Tabajaras de Ibiapaba, estas as féras que se creavão e se escondião naquellas serras, as quaes forão ainda mais feras depois que se vierão ajuntar com ellas outras estranhas e de mais refinado veneno, que forão os fugitivos de Pernembuco. (VIEIRA, 1904, p. 90 – 92)