• Nenhum resultado encontrado

Os modos de ensinar e de aprender jurídicos

5 DIVERSOS ASPECTOS REVELADOS PELA EXPERIÊNCIA DOS

5.2 Os modos de ensinar e de aprender jurídicos

A situação relacional vivida pelos depoentes em sala de aula se enquadra na análise feita no § 26 de Ser e Tempo, ao se referir à copresença dos outros e o ser-com cotidiano, (HEIDEGGER, 2009, p.173), isto é, a presença em sua relação cotidiana do professor com os alunos.

No que diz respeito à aplicação das ideias de Heidegger à educação, conhecidas são as críticas de sua visão totalitária, associada ao nazismo, pelo menos à época em que foi

15

FOLHA DE SÃO PAULO. Cúpula da Justiça nos Estados tem 35 investigados. São Paulo, p.A1, 2011. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po2909201102.htm. Acesso em: 28 de agosto de 2012. 16

STF conclui julgamento que apontou competência concorrente do CNJ para investigar juízes. Disponível em: <http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/destaquesClipping.php> Acesso em: 28 de agosto de 2012.

reitor da Universidade de Freiburg (KAHLMEYER-MERTENS, 2008, p.43-54). Malgrado as críticas dessa fase, Heidegger ofertou inúmeras contribuições positivas ao ensino aprendizagem, tomando como elemento central a noção de mathesis. Eis como ele expõe suas ideias.

Mathesis significa aprender; mathemata, o que se pode aprender. De acordo com o que foi dito, as coisas são visadas com essa designação, na medida em que se podem aprender. Aprender é um modo de aprender e do apropriar-se. (1987, p.76).

Como se depreende do excerto, mathesis, termo grego, significa aprendizagem possível, ou seja, relaciona-se ao fato de aprender. Sua correlação com a disciplina Matemática é mal interpretada porque se vê essa última como um corpo de conhecimentos em que predominam a lógica e a abstração. No sentido amplo, a mathesis se aplica a qualquer ramo do conhecimento humano. Várias falas revelam essa compreensão do termo mathesis, como se pode ler nos trechos a seguir.

Ensinar é aprender. Ensinar não é transmitir conhecimentos. O educador não tem o vírus da sabedoria. Ele orienta a aprendizagem, ajuda a formular conceitos, a despertar as potencialidades inatas dos indivíduos para que se forme um consenso em torno de verdades e eles próprios encontrem as suas opções. É isso que penso. (D04).

Ensinar e aprender consiste na relação entre professor e aluno. Nunca somos donos do saber. Sempre existe algo novo a se aprender, inclusive pelos alunos, e transmitir da melhor maneira possível. (D05).

Ensinar é um processo que possibilita ao educando e ao educador a oportunidade de medir e avaliar as ações referentes ao exercício da arte do magistério. (D06).

Heidegger, apud Kahlmyeyer-Mertens (2008, p.38), resume esses depoimentos assim:

Aprender significa: ajustar nosso fazer ao que corresponde ao mais essencial em cada caso [...] Nós atualmente só podemos, uma vez mais, apreender se sempre e igualmente deixamos aprender.

Ademais, no inicio da realização de um seminário sobre o que é pensar, Heidegger (1968) discute a relação entre ensinar e aprender. Para atingir seu objetivo, ele parte da pressuposição de que, antes de tudo, é preciso se aprender a pensar. Por ser racional,

[...] o homem pode pensar no sentido de que ele possui a possibilidade de fazê-lo. Esta possibilidade somente, no entanto, não é garantia de que somos capazes de pensar. Pois somos capazes de pensar somente sobre aquilo que estamos inclinados para. (HEIDEGGER, 1968, p.5; traduziu-se)

Observa-se, portanto, que o pensar exige intencionalidade de quem quer pensar

sobre alguma coisa. Por outro lado, só nos chama a atenção aquilo “[...] que se inclina para

nós, em direção ao nosso ser essencial, apelando para nosso ser essencial, como um recipiente que nos guarda em nosso ser (IDEM, p.5; traduziu-se). Deduz-se portanto, que o pensar exige um movimento pendular entre aquele que pensa e o que é pensado. No caso da aprendizagem, o gerador desse movimento envolve vários aspectos que devem ser levados em conta pelo professor. Tomando-se o pensar como ferramenta básica, vem a questão: quando uma pessoa se dispõe a aprender?

Uma pessoa aprende quando ela põe tudo que tem à sua disposição de modo que possa responder coisas essenciais que lhe são endereçadas num dado momento. Nós aprendemos a pensar, pondo nossa mente à disposição do que exista para ser pensado. (IDEM, 1968, p.4; traduziu-se).

Já o modo de ensinar pressupõe inclinações entre o objeto e a pessoa que pretende adquirir conhecimentos, exigindo certos cuidados. Qual dos dois - aprender e ensinar- é o processo mais difícil? O excerto a seguir responde esta questão assim:

Realmente. Ensinar é ainda mais difícil que aprender. Sabe-se bem isso; mas nós, raramente, nos damos conta. Por que motivo ensinar é mais difícil do que aprender? Não porque aquele que ensina deva possuir um maior conjunto de conhecimentos e tê-los prontos a cada momento. O ensinar é mais difícil do que o aprender porque ensinar significa: deixar aprender. Ademais, o verdadeiro professor, de fato, não faz algo mais ser aprendido do que – o aprender. (HEIDEGGER, 1968, p.15; traduziu- se).

Os docentes abaixo deixam claro o pensamento de Heidegger de que o professor ensina porque está na alegria e na dificuldade da aprendizagem, pois ensinar é o exigente método de quem deseja também aprender. Heidegger destaca a maior dificuldade de ensinar se comparada com aprender porque ensinar é deixar aprender.

Aprender é um processo que o aprendiz tem a maior parcela na condução, mas que se passa, em grande parte, fora de seu controle. Daí a importância de algumas estratégias inteligentes. É preciso “aprender a aprender”, antes de tudo, ou seja, ter consciência de como contribuir para incrementar os resultados desse processo. Ensinar é algo análogo a “fazer a segunda voz.” (D03).

Na relação dialética quem ensina aprende, quem aprende ensina. Além disso, o conhecimento e as aprendizagens são recíprocas. A docência é uma profissão interativa. Na medida em que se ensina, apropria-se também das concepções de nossos alunos. Daí a importância de reelaboração de conceitos a todo instante.” (D09).

Para o Filósofo alemão, o docente/educador deveria ser mais dirigido à aprendizagem do que os próprios alunos. Dessa forma, no autêntico relacionamento do

educador que, notadamente, ensina, e dos estudantes que, primordialmente, estão dispostos a aprender, não deve ser cogitada a dominação. Tal concepção é apontada nos discursos abaixo: Ensina-se e se aprende muito com as dúvidas, críticas e observações dos alunos. Vai ao encontro da importância do erro para o conhecimento e da necessidade de se transpor obstáculos epistemológicos, como o argumento de autoridade, a parcialidade ideológica, por vezes repassada pelo professor ao aluno. Ensinar- aprender significa, para mim, [...] (que) quanto mais a relação professor e alunos for sincera, confiável e democrática, tanto mais favorecido estará esse binômio.”(D07.) O binômio ensinar-aprender é o fator motivacional fundamental que orienta o professor em sua atividade. Sem essa perspectiva, não existe relação de aprendizado. Entretanto, o exercício efetivo dessa relação de forma saudável e positiva compreende e depende de um trabalho contínuo de humildade e de ruptura com velhos paradigmas de ensino, pautados na figura autoritária do mestre”. (D11). Em uma perspectiva mais abrangente, o professor do curso de Direito, possui também uma função de ser mediador com seus alunos acerca do debate sobre a questão da justiça e efetivação do Estado Democrático de Direito, uma vez está inserido na educação universitária, que está atrelada a uma diversidade de fins, como descrito abaixo:

Os três fins principais da universidade passaram a ser a investigação, o ensino e a prestação de serviços. Apesar da inflexão ser, em si mesma, significativa e de se ter dado no sentido do atrofiamento da dimensão cultural da universidade e do privilegiamento do seu conteúdo utilitário, produtivista, foi sobretudo em nível das políticas universitárias concretas que a unicidade dos fins abstratos explodiu numa multiplicidade de funções por vezes contraditórias entre si. A explosão da universidade, do aumento dramático da população estudantil e do corpo docente, da proliferação das universidades, da expansão do ensino e da investigação universitária e novas áreas do saber. (SANTOS, 1996, p.188).

O pensamento acima é apontado na seguinte fala:

A palavra ensinar não é bem o que acontece nesse processo, pois não ensinamos nada a ninguém nós facilitamos o processo, somos mediadores das aprendizagens, pois, é o aluno que busca o conhecimento, nós professores o motivamos, ele é autônomo no seu conhecimento. (D17, grifo nosso).

Assim, no tocante aos modos de ensinar e de aprender na espacialidade jurídica, cabe ao professor estimular e ordenar de forma inteligente o processo educativo, sem olvidar a necessidade de ser sujeito em diálogo com os discentes que, por sua vez, se põem em diálogo com a realidade política, social, cultural e social em seu âmbito de estudo.