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CAPÍTULO 2 – TEORIA SEMIOLINGUÍSTICA, DISCURSO HUMORÍSTICO E

2.1. A Teoria Semiolinguística: noções gerais

2.1.3. Os modos de organização do discurso (MODs)

Os Modos de Organização do Discurso são definidos como um conjunto de “...

procedimentos que consistem em utilizar determinadas categorias de língua para ordená-las em função das finalidades discursivas do ato de comunicação...”

(CHARAUDEAU, 2008, p.74). Essas finalidades podem ser: enunciar, descrever, narrar e argumentar. A cada uma delas corresponde respectivamente um modo de organização: o Enunciativo, o Descritivo, o Narrativo e o Argumentativo. Esses modos podem se combinar para formar alguns textos (por exemplo, o texto publicitário, o científico), ou manter certa predominância em outros.

No que concerne às piadas, o fato de elas reproduzirem diálogos (stricto sensu) nos leva a considerar uma certa predominância do MOD Enunciativo. Por uma questão de economia, vamos ressaltar, aqui, algumas propriedades apenas desse MOD.

O Enunciativo é “... uma categoria discursiva que aponta para a maneira como o

sujeito falante age na encenação do ato de comunicação” (CHARAUDEAU, 2008,

p.81). Por meio dele, pode ser definida a posição desse sujeito em relação ao outro, a ele mesmo e ao mundo. Essa posição é demarcada pelo tipo de comportamento enunciativo desse sujeito. Cada comportamento enunciativo determina as funções de base desse modo de organização:

Ato alocutivo: permite estabelecer uma relação de influência entre locutor e

interlocutor;

Ato elocutivo: permite revelar o ponto de vista do locutor;

Ato delocutivo: permite retomar a fala de terceiros.

Cada uma dessas funções pode se materializar em procedimentos linguísticos diversos, sendo a modalização a categoria que “... explicita os diferentes tipos de relação do

enunciativo” (CHARAUDEAU, 2008, p.84). Essa categoria é representada por

outras34. Além de estarem relacionadas a cada ato enunciativo, essas subcategorias nos

permitem evidenciar mais claramente não só as relações entre os sujeitos do ato de linguagem, mas também as manobras discursivas por eles utilizadas como, por exemplo, o uso da injunção. Esta corresponde a uma relação de força entre o locutor e o interlocutor, na qual o primeiro impõe uma ação a ser realizada pelo segundo. Todavia, deve-se levar em consideração que, fora de um contexto, essas modalidades enunciativas não garantem o real funcionamento da visada que indicam, ou seja, uma

interrogação (“a porta está aberta?”) pode ser utilizada, por exemplo, com a finalidade

de realizar uma petição (“você poderia fechar a porta?”).

Portanto, a análise baseada no MOD Enunciativo e nas modalidades somente se fará eficaz levando-se em consideração a situação de comunicação e os demais componentes envolvidos. Daí a necessidade de entendermos o funcionamento e as propriedades específicas do discurso humorístico, uma vez que é ele que, de certa maneira, organiza as piadas, determinando a estrutura e a(s) visada(s) desses textos.

34 Ver adiante os quadros sinópticos das modalidades enunciativas de acordo com Charaudeau (2008,

QUADROS SINÓPTICOS COM AS MODALIDADES:

DEFINIÇÃO

MODALIDADES ALOCUTIVAS

LOCUTOR EM SUA ENUNCIAÇÃO INTERLOCUTOR EM SUA RESPOSTA

INTERPELAÇÃO Identifica o seu interlocutor, interpelando-o. Significa a sua presença ao chamado.

INJUNÇÃO Impõe um ato a se realizar.

INTERDIÇÃO Impõe que um ato não deve se realizar.

Executa o ato exigido sob pena de sanções.

AUTORIZAÇÃO Concede ao interlocutor o direito de executar uma ação.

Utiliza ou não esse direito de realizar ou não a ação.

ADVERTÊNCIA Anuncia uma ação/intenção que ele poderá realizar com alguma condição.

Ignora ou não o ato; Pode estar já prevenido.

JULGAMENTO Postula que o interlocutor é responsável pelo ato e o julga (aprovando ou reprovando).

Encontra-se qualificado pelo julgamento do locutor.

SUGESTÃO Propõe ao interlocutor que execute uma ação que descreve um meio para melhorar sua (do interlocutor) condição.

É livre para utilizar ou não essa proposta.

PROPOSTA Oferece uma ação a se realizar em proveito do interlocutor ou de ambos.

Pode aceitar ou recusar.

INTERROGAÇÃO Pergunta ao interlocutor a respeito de um “dizer” que esse último sabe.

Vê-se numa obrigação de responder; mas sua ignorância não acarreta em uma sanção.

REQUERIMENTO Exige (com insistência) ao interlocutor uma ação para melhorar sua (do locutor) condição.

Pode não desejar (por algum motivo) realizar essa ação.

DEFINIÇÃO

MODALIDADES

ELOCUTIVAS

LOCUTOR EM SUA ENUNCIAÇÃO

CONSTATAÇÃO Reconhece um fato somente como observador/ objetividade; exterioridade; se recusa a avaliar o fato.

SABER/IGNORÂNCIA Pressuposta uma informação, diz se ele tem ou não o conhecimento a respeito dessa informação colocada.

OPINIÃO Pressuposta uma informação, explicita o lugar que ocupa dentro de “universo de crença”; avalia a verdade e revela seu ponto de vista.

APRECIAÇÃO Avalia a verdade de uma proposição, revelando seus sentimentos; afetividade; julgamento favorável ou desfavorável.

OBRIGAÇÃO Diz que é dever cumprir uma determinada ação, seja em razão de contratos que cede a ele - mesmo (obrigação interna), seja sob a pressão de uma ordem originada de uma instância de autoridade.

POSSIBILIDADE Diz que tem uma aptidão ou uma disposição que lhe permite realizar uma ação requisitada; pode ser interna (depende do locutor) ou externa (depende de uma autorização).

QUERER Diz que está em uma situação de necessidade que deveria ser preenchida, o que significa que reconhece que a ação a se realizar o beneficiará.

PROMESSA Supondo que a realização de uma ação, da qual ele é responsável, é colocada em dúvida, ele se engaja em dizer que executará essa ação.

ACEITAÇÃO/REFUTAÇÃO Supondo que a ele foi endereçada uma pergunta sobre o cumprimento de um fato, responde favoravelmente ou desfavoravelmente.

ACORDO/DESACORDO Pressupondo que a ele foi endereçada uma pergunta sobre aderir ou não a uma verdade, ele pode responder que adere ou não a essa verdade.

DECLARAÇÃO Possui um saber e, pressupondo que o interlocutor o ignora, diz que esse saber existe dentro de sua verdade.

PROCLAMAÇÃO Faz existir um ato no mesmo instante que ele profere sua fala;

Ele possui uma posição institucional que lhe garante autoridade para fazer que isso aconteça.

MODALIDADES DELOCUTIVAS

DEFINIÇÃO

ASSERÇÃO

Corresponde, ponto por ponto, a maior parte das modalidades elocutivas; todavia, há um “apagamento” das marcas da responsabilidade do locutor, como por exemplo:

Constatação: “É admitido que...”; Evidência: “É evidente que...”; Probabilidade: “É provável que...”; Possibilidade: “É satisfatório que...”;

DISCURSO RELATADO

Modalidade que depende da posição dos interlocutores, das maneiras de relatar um discurso já enunciado, e da descrição dos modos de enunciação de origem. Pode se apresentar na forma de:

Citação: discurso direto com ou sem o uso de aspas ou dois pontos;

Integração: o discurso original é integrado parcialmente por meio de um discurso

indireto e o indireto livre;

Narrativizado: o discurso original é integrado totalmente por meio de

transformações morfológicas, entre elas a nominalização;

Alusão: artifício que reproduz na linguagem verbal o “como se diz” da linguagem

oral, remetendo a um dizer às vezes popular; caracteriza-se pelo uso de aspas, travessões ou parênteses.