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AS QUATRO FACES DE RODRIGO SANCHES

OS MONUMENTOS FUNERÁRIOS

Mor to Rodrigo Sanches, o seu corpo seria recolhido no Mosteiro de Grijó, onde recebeu sepultura. Nessa instituição, como referimos, professava seu irmão, Nuno Sanches, que viria a falecer pouco depois, a 16 de Dezembro de 1246. Sobre esta primeira sepultura de Rodrigo Sanches nada se sabe. Seria, previsivelmente, um monumento modesto, criado ao sabor do imprevisto e da urgência do momento. Nada fazia supor a mor te deste “novo Roldão” e não houve tempo para se providenciar moimento mais elaborado. E, cer tamente por isso, algum tempo decorrido, sua irmã, Constança Sanches, encomendaria um cenotáfio junto das oficinas de escultores de Coimbra, acompanhado de um epitáfio. Já regressaremos a estes elementos. Por agora, debrucemo-nos sobre a encomendadora.

D. Constança Sanches, filha de D. Sancho I e da Ribeirinha, nasceu em 120431 e, segundo Leontina Ventura, foi educada em Coimbra ou em Alfafar (nos arredores de Coimbra) por D. Justa Dias32. Em 1224 professou nas Donas de S. João, a casa feminina crúzia que se erguia junto do Mosteiro de Stª. Cruz de Coimbra33, e aqui viveu durante 45 anos, vindo a falecer a 8 de Agosto de 126934. Tal como seu irmão, Rodrigo Sanches, foi contemplada no testamento de seu pai, de Outubro de 1210, embora com uma verba ligeiramente mais modesta (7.000 morabitinos)35. E, apesar de ter professado em casa religiosa, foi senhora de património relativamente impor tante, estudado por Leontina Ventura e, mais recentemente, por Diogo Vivas36. Ainda em vida,

providen-28

Obit.S.V.Fora, p. 107.

29

LDTarouca, doc. 487.

30

BRANDÃO 1632b, Parte IV, p. 153vº. A mais recente biografia de Martim Gil de Soverosa deve-se a Miguel Gomes Martins (MARTINS 2013, pp. 81-95).

31

SOUSA 1735, vol. I, p. 56.

32

VENTURA 1992, vol. II, p. 556.

33

MARTINS 2003, pp. 782-785. As Donas de S. João estão documentadas desde 1137.

34

SOUSA 1735, vol. I, pp. 54-57; BARROCA 2000, vol. 2, tomo 1, pp. 960-965.

35

DS 194.

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ciou a encomenda do seu sarcófago, que mandou colocar junto do Altar de Stº. António (santo de sua par ticular devoção e cujo altar mandara erguer em Stª. Cruz) e encomendou o seu epitáfio, latino e rimado, ao prior crúzio D. João Peres, que era, nas palavras de Fr. Nicolau de Santa Maria, um “excelente poeta latino37. Ditou testamento a 14 de Julho de 1269 e faleceu, como referimos, a 8 de Agosto de 1269, como se registava no Livro de Óbitosde Stª. Cruz de Coimbra: “Sexto Idus Augusti obijt Donna Constancia Sancij inclyti D. Sancij illustris Regis Por tugalliae filia, Era M. CCC. VII.38.

A mor te violenta de Rodrigo Sanches deve ter deixado D. Constança Sanches consternada. Assim se compreende que, apesar de seu irmão, Fr. Nuno Sanches, ter falecido pouco depois, a 16 de Dezembro de 1246, D. Constança ter apenas providenciado o cenotáfio de Rodrigo Sanches. Este segundo monumento funerário destinado ao Bastardo Régio, concebido pelos escultores de Coimbra, chegou a Grijó acompanhado de uma longa e muito laudatória inscrição rimada. Essa inscrição, que infelizmente se perdeu, foi publicada por muitos autores, e dizia:

“Quem Tegit Haec Moles Fertur Donnus Rodericus, / Regalis Proles Et Dapsilitatis Amicus. /

Belliger Insignis Fuit Hic Cunctis Et Amandus, / Laudibus Ex Dignis Alter Fuit Hic Rotulandus. /

Hic Nunquam Maestus, Sed In Omni Tempore Laetus, / Vitans Incestus, Actu Verboque Facetus. /

Promissor Verus Fuit Hostibus Is Et Severus, / Plebs Simul Et Clerus, Fleat Hunc Et Miles Hiberus. / Qua Pluris Fulsit Armis, Ideo Mage Fulsit, /

Pluribus Indulsit Et In Hoc Pietate Refulsit. / Omnimoda Laude Dignus Fuit Hic Rodericus, / Cunctis Pacificus, Humilis, Probus Et Sine Fraude. / Prima Sit Undena, Bis Tercia Scripta Sequatur, / Ex Hinc Vicena Quater Et Quater Accipiatur, / Post Octava Datur, Ter Scribitur Era Notatur.”39.

Fr. António Brandão apresentou uma tradução livre deste epitáfio:

Nesta sepultura jaz enterrado Dom Rodrigo filho del Rey, que foy grande cortezão, insigne em armas & semelhante a outro Roldão, amável a todos, & digno de verdadeiros louvores. Era principe gracioso e alegre: folgava de rir, & falar, porem não em forma que se notasse nelle ser incestuoso e pouco casto com suas parentas. Nas promessas foy sempre verdadeiro, & pera os inimigos de grande severidade. Chorem a este Principe o povo, o clero & os soldados de Espanha, que quanto mais se sinalou nas armas, antes mais floreceo, tanto teve de piedade, & brandura pera todos. Foi sem dúvida algum Principe digno de todo o louvor este Dom Rodrigo, pacifico, humilde, de rara bondade e sem engano. A Era em que faleceo se conta nesta forma. Ponhase no primeiro lugar a undecima letra do ABC que he M. Escrevase logo a terceira, que he C. duas vezes, & a vigesima, que he X, oito vezes, ajuntase então tres vezes escrita a que se dá despois da letra oitava que he I, & assi se notará a Era.40.

37

SANTA MARIA 1668, Parte 2, p. 542. O epitáfio, em cursusleonino, foi publicado em primeira mão por Fr. António Brandão (1632) e depois por vários autores. Em 1632 já se devia ter perdido. Vd. o que escrevemos em BARROCA 2000, vol. II, tomo 1, Insc. nº 374, pp. 960-965, onde publicámos a leitura de Fr. António Brandão e de outros autores que, depois dele, editaram este epitáfio.

38

BRANDÃO 1632b, p. 231.

39

BARROCA 2000, vol. II, tomo 1, Insc. 325, p. 812 (adoptamos a lição de Mário Martins, baseada na leitura de Fr. António Brandão com desdobramento das abreviaturas).

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Não vamos, aqui, desenvolver a problemática em torno deste epitáfio rimado, remetendo o leitor interessado para o que sobre ele escrevemos na nossa disser tação de doutoramento41. Mas impor ta realçar dois aspectos. O primeiro é a clara apetência de D. Constança Sanches pelos epi-táfios em cursus leonino. Encomendou um para si e outro para o seu irmão dilecto. Na nossa dis-ser tação de doutoramento sugerimos que os dois epitáfios tenham sido redigidos por D. João Peres, prior crúzio e homem de confiança de Afonso III. Mas devemos sublinhar que José Ventura, baseando-se numa passagem de Fr. Nicolau de Santa Maria, atribuiu a autoria deste texto versifi-cado a Fr. João Guterres, cónego do Mosteiro de Grijó42. A passagem de Fr. Nicolau de Santa Maria, na qual José Ventura se baseou, é ambígua. Escreveu o Cronista que “A tradução deste Epitáfio que fez hu Conego do mesmo Mosteiro de Grijó muito bom poeta latino, que se chamava Dom Ioão Guterres, sobrinho do Prior D. Pedro Guterres, mancebo de grande engenho e habili-dade, he deste modo...43. O que fez, na realidade, Fr. João Guterres: o texto do epitáfio ou a tra-dução do mesmo? Atendendo a que D. Constança Sanches encomendou o cenotáfio em Coimbra, e que escolheu para si um epitáfio igualmente rimado, redigido pelo Prior dos Crúzios, continua-mos a acreditar ser esta a atribuição mais plausível. Seja como for, no nosso panorama epigrá-fico não temos muitos casos similares, onde conseguimos identificar o autor dos textos das ins-crições. É óbvio que esta opção por textos de alguma complexidade literária espelha uma cultura superior, quer da sua encomendadora, quer do autor dos textos. E espelha, por ventura, alguma cumplicidade entre ambos, cer tamente for talecida pelo facto das Donas de S. João dependerem directamente do Prior crúzio.

O segundo aspecto que merece a nossa atenção prende-se com o teor do próprio epitáfio de Rodrigo Sanches, nomeadamente com a referência à gesta carolíngia e a Rolando. Sobre ela já vários autores discorreram e, por isso, não nos iremos alongar demasiado sobre este aspecto44. A gesta de Rolando era conhecida entre nós, quer nos meios cor tesãos, quer nos meios ar tísti-cos, como nos atestam algumas representações iconográficas românicas que têm sido interpreta-das como alusões à Chanson de Roland45. Mas o que é interessante aqui é a sua escolha por D. Constança Sanches (ou por D. João Peres), comparando e equiparando o Bastardo Régio por tu-guês ao herói de Roncesvales. A gesta de Rolando tem um contexto histórico bem conhecido: Carlos Magno, no quadro da sua campanha de 778 em território ibérico, foi surpreendido na reti-rada, junto a Roncesvales, por forças bascas inimigas. Rolando, num exemplo supremo de leal-dade para com o seu senhor, sacrificou a própria vida para garantir que o monarca se conseguia salvar46. O herói que sacrifica a sua vida para garantir a sobrevivência do seu amo e senhor. A comparação não podia ser mais eloquente: Rodrigo Sanches, que sacrificou a sua vida para garantir o acesso do Bolonhês à coroa por tuguesa, é equiparado ao mítico herói de Roncesvales. Rodrigo Sanches, qual Rolando por tuguês. O texto epigráfico encerra outras referências que são historicamente significativas – como é o caso da alusão ao facto de Rodrigo Sanches ter sido “príncipe gracioso e alegre” mas sem ser “incestuoso e pouco casto com suas parentas”, uma passagem já valorizada por Carolina Michaelis de Vasconcelos, e que deve ser contextualizada no

41

BARROCA 2000, vol. 2, tomo 1, Insc. Nº 325, pp. 812-822.

42

VENTURA 1906, p. 558.

43

SANTA MARIA 1668, p. 284.

44

Veja-se, por todos, FERNANDES 2010-2011.

45

MONTEIRO 1980, pp. 425-430; AZEVEDO 1957, pp. 233-238; e, sobretudo, LEJEUNE e STIENNON 1969, vol. 1, Cap. XIII: “Roland in portuguese romanesque sculpture”, pp. 108-110; vol. 2, fot. 78-83. Ainda assim, Carlos Alberto Ferreira de Almeida matizou as interpretações destes autores, que viam o tema da Chanson de Roland em capitéis de Braga, Rio Mau e Amorim (cf. ALMEIDA 1978, vol. II, pp. 154-157).

46

Boa parte da gesta de Rolando é uma construção muito posterior aos acontecimentos. Na Vida de Carlos Magno, de Eginhardo, o episódio de Roncesvales é muito lacónico (EGINHARDO 2001, Cap. 9, pp. 45-47). Seria no séc. XI, por volta de 1080-1100, que, pela pena de Turold, a gesta de Rolando ganharia os contornos que ainda hoje lhe reconhecemos. O seu longo texto versificado conheceria uma crescente divulgação por todo o Ocidente cristão ao longo do Séc. XII. Para edições críticas veja-se SEGRE 1989 ou, sobretudo, DUGGAN 2005. Uma versão corrente, e acessível, foi editada em Portugal (A Canção de Rolando1987). Ramón Menéndez Pidal abordou o tema da Chanson de Roland num estudo já clássico (MENÉNDEZ PIDAL 1960).

âmbito da crise de valores que acompanhou o período de desmandos e de anarquia que o reino atravessou na primeira metade do segundo quar tel do séc. XIII47.

Quando é que D. Constança encomendou o sarcófago e o epitáfio junto das oficinas de escultores da cidade de Coimbra? Apesar de não termos a cer teza, temos alguns indícios que impor ta valorizar. Com efeito, D. João Peres, que como vimos foi o provável autor do texto epigrá-fico, exerceu o cargo de Prior de Stª. Cruz de Coimbra em dois momentos distintos: primeiro entre 1240 e 1246, e depois entre 1258 e 1269, tendo falecido a 10 de Janeiro de 127048. O primeiro mandato parece ser demasiado próximo dos eventos que conduziram à mor te de Rodrigo Sanches e, por isso, talvez deva ser arredado. A encomenda deve ter sido, por tanto, realizada algures entre 1258 e 1269, e não pode, nem deve, ser desligada da encomenda e da execução do próprio monumento funerário de D. Constança Sanches e da criação do seu epitáfio rimado. Mas ainda conseguimos precisar um pouco melhor no tempo a execução do monumento gaiense. A chegada do cenotáfio de Rodrigo Sanches a Grijó foi acompanhada pela doação de várias her-dades, cujos rendimentos deviam ser utilizados pelo mosteiro para as comemorações obituárias em memória de Rodrigo Sanches e da própria D. Constança, mantendo vela acesa junto do monu-mento do Bastardo Régio, então colocado “ante o Altar de Stª. Maria”. A 31 de Agosto de 1264, o Prior de Grijó, D. Pedro Peres, recebeu de D. Constança Sanches uma herdade em Cor tegaça e os direitos patronais que esta detinha sobre a Igreja de Stª. Marinha de Cor tegaça, comprome-tendo-se os monges a rezar uma missa quotidiana em sua intenção enquanto fosse viva e por alma de seu irmão D. Rodrigo Sanches. Por esse documento ficamos, igualmente, a saber que D. Constança Sanches não tinha apenas enviado o arcaz com jacente e a inscrição versificada, mas que também custeara a construção de um altar no Mosteiro de Grijó:

... obligamos nos et omnes priores subcessores nostros celebrare in perpetuum unam missam in onore Beate Virginis vel Sancto Spiritus domne Constancie Sancii, filie domni Sancii bone memorie illustris regis Portugalie, in altari quod eadem construxit in nostra ecclesia, in tota vita sua; et post mortem suam in prenominato altari misa defunctorum pro anima ejus et domni Roderici Sancii, fratris sui ...49.

Para além destes bens, D. Constança doou ainda herdades em Sarzedas (conc. de Castelo Branco) e em Sobreira Formosa (conc. de Proença a Nova), cujos rendimentos rever tiam para as mesmas comemorações50. Segundo Diogo Vivas, a primeira dessas doações ocorreu em Abril de 126351. No Livro das Campainhas, códice organizado um século depois, em 1365, ainda se registava essa doação:

Item as herdades que o moesteiro ha en Sovereiira Fermossa e nos Cerzedos son pera a capella de Don Rodrigo Sanchiz Inffante que jaz no dicto moesteiro e de sa irmaa Costança Sanchiz que o priol ha de fazer cantar cada dia <hua myssa> e acender hua lanpada e fazer outros neversarios e emcarregos.52.

E no Tombo do Prior D. Afonso Esteves, coligido um ano depois, em 1366, voltamos a encon-trar eco da doação por alma de Rodrigo Sanches:

47

VASCONCELOS 1924, p. 8.

48

GOMES 2007, pp. 748-749.

49

BFerrado, doc. 309. A data deste diploma não concorda com as que Diogo Vivas refere no seu estudo, onde a doação de bens em Cortegaça surge em dois momentos distintos – Abril de 1263 e Dezembro de 1267 (cf. VIVAS 2008, p. 237).

50

Continuavam, em 1366, a fazer parte do património de Grijó, como se documenta no Tombo do Prior D. Afonso Esteves (cf. AMARAL 1994, p. 34).

51

VIVAS 2008, pp. 227 e 237.

52

Item a igrejha de Cortegaça e padroado dela he do moesteiro em solido que aqui mandou e deu Dona Maria Paae Ribeira e Dona Costança Sanchez sua filha e sua geeraçom. E aqui seem as escrituras no moesteiro. E Dom Martim Afonso Telo deu toda a erdade que hi a ouver e ho convento. E am de dizer de cada dia per esta erdade huua missa de fontes por a alma de Costança Sanchez e de Rodrigo Sanchet (sic) seu irmaa (sic) e huua lampada aceza antre o altar de Santa Maria de Dom Rodrigo assi como se obrigarom o priol e o convento no compeço do livro das tavoas.53

Por fim, registemos que D. Afonso III, de visita a Gaia em 11 de Janeiro de 1261, tendo pro-vavelmente passado pelo Mosteiro de Grijó, fez doação de metade dos direitos de colheita a este mosteiro para remissão dos seus pecados e por alma de D. Rodrigo Sanches:

“... Et hoc facio pro remedio meorum peccaminum et parentum meorum et pro anima donni Roderici Sancii patrui mei, cujus corpus in eodem monasterio est sepultum...”54.

O cruzamento de todos estes dados documentais permite perceber que desde o início da década de 60 do Séc. XIII as preocupações em torno da preser vação da memória de D. Rodrigo Sanches tinham adquirido uma nova dimensão, sobretudo fruto da iniciativa de D. Afonso III. Mas parece-nos que seria em 1263-1264 que sua irmã, D. Constança Sanches, decidiu encomendar a execução do cenotáfio para o irmão, solicitando, ainda, junto de D. João Peres, a composição do texto destinado à sua inscrição. A primeira doação, em Abril de 1263, pode ter coincidido com a decisão da encomenda. A segunda talvez com a entrega do arcaz e da lápide epigrafada. Pelo que sabemos do ritmo de trabalho dos escultores, a execução de um sarcófago com jacente demo-rava cerca de um ano55, o que se adequa bem a este ritmo documental. Assim, e como dissemos logo no início deste estudo, o cenotáfio de Rodrigo Sanches representa a segunda – ou terceira? – experiência por tuguesa no domínio da escultura tumular com jacente, depois do monumento da Rainha D. Urraca, falecida em 1220, que se conser va no Mosteiro de Stª. Maria de Alcobaça e que resultou de uma encomenda de seu marido, D. Afonso II, realizada entre 1220 e 1223. Porquê a nossa hesitação entre considerar o monumento de Grijó como a segunda ou a terceira experiên-cia por tuguesa no domínio dos jacentes? Em estudos anteriores defendemos sempre que estáva-mos perante a segunda experiência. Mas os dados cronológicos agora apurados deixam-nos a dúvida. Com efeito, sensivelmente coevo do moimento de Grijó é o jacente de D. Tibúrcio, bispo de Coimbra, falecido em 22 de Novembro de 124656, que desempenhou, tal como Rodrigo Sanches, um papel central na ascensão ao poder de Afonso III. Recor demos, apenas, que D. Tibúrcio foi um dos elementos da comitiva por tuguesa que se deslocou a Paris e perante a qual o Conde de Bolonha realizou o célebre Juramento de Paris, a 6 de Setembro de 1245. O seu monumento, que se conser va na Sé Velha de Coimbra, deve ter sido fruto de uma encomenda régia, de Afonso III – só assim conseguimos compreender a inclusão do escudo real por tuguês na sua arca, ao lado dos escudos de família do prelado. E, uma vez que o escudo real por tuguês já aparece com a bordadura de castelos, a encomenda teve de ser realizada depois de 1253. Antes ou depois do monumento de Grijó? Não o sabemos...

D. Rodrigo da Cunha, no seu Catálogo dos Bispos do Por to, deixou a primeira referência ao monumento funerário, ainda ele estava depositado na Capela-mor do Mosteiro de Grijó, tendo, por tanto, as quatro faces visíveis. Nas palavras deste autor:

53

AMARAL 1994, p. 53, nota d; COSTA 1993, p. 44. Outra passagem, mais pormenorizada mas de conteúdo sensivelmente idên-tico, foi publicada por António Domingues de Sousa Costa (COSTA 1993, p. 43).

54

Chanc. Af. III, Livro I, doc. 228.

55

ALMEIDA e BARROCA 2002, pp. 244-245.

56

“Aqui neste Mosteyro jaz enterrado em sepultura alta, de obra de relevo, hum filho delRey Dom Sancho o primeiro deste nome em Portugal, havido já depois de viúvo, de hua D. Maria Pays, o qual sahindo mal ferido de certa batalha que teve com um Capitão, a quem dizem mavam Gil da Soverosa, veyo acabar de morrer junto ao Mosteyro, em hum sitio onde se cha-mão o Padrão Velho, por antiguamente ali se levantar hum Padrão, em memoria desta morte: sua Irmã de pay, e may, D. Constancia [forão alem desta outras duas, D. Tareja Sanches, e D. Sanches Portugal] doou depois a Grijó muitas rendas por certas missas quotidianas, que ainda hoje ali se dizem por sua alma, e de seu irmão D. Rodrigo, que morreo, ao primeiro de Julho, Era de 1283, anno de Christo 1245 como consta do Epitaphio de sua sepultura ...57

Depois da referência inaugural de D. Rodrigo da Cunha, o túmulo de Rodrigo Sanches foi men-cionado de novo por Fr. António Brandão58 e, de seguida, por vários autores, de que nos dispensa-mos aqui de referir e que foram, na sua maioria, recenseados por nós a propósito da sua epígrafe59. Até ao Séc. XVII, o cenotáfio de Rodrigo Sanches permaneceu na Capela de Santa Maria do Mosteiro de S. Salvador de Grijó, no centro desse espaço arquitectónico, soerguido por colunelos angulares. A sua localização neste espaço de eleição, o mais impor tante de um templo, era invul-gar para a época. Com efeito, a maior par te dos túmulos de leigos localizavam-se fora dos tem-plos: nos adros, onde se implantavam os cemitérios, ou, no caso de linhagens mais ou menos abastadas, em capelas funerárias anexas às igrejas (como foi o caso da Capela do Corporal, em Paço de Sousa, ou das capelas funerárias que vemos na Comenda de Távora, em Stª. Cristina de Serzedelo, em S. Pedro de Roriz, em S. Salvador de Ansiães, em Stª. Maria de Cárquere, em Stª. Clara de Vila do Conde, na Capela dos Ferreiros de Oliveira do Hospital, etc). Em casos excepcio-nais, localizavam-se em galilés funerárias, que se desenvolviam a Ocidente da fachada principal, como acontecia nos celebrados casos do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro ou do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça (mas também em Sanfins de Friestas, em S. Pedro de Ferreira, de novo em Stª. Cristina de Serzedelo ou em S. Miguel de Vilarinho). Mas a sua colocação na capela--mor de um templo era ainda excepcional, reser vada na maioria dos casos aos mais altos

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