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Os mosteiros femininos em Portugal

No documento A princesa Infanta Joana (1452-1490) (páginas 101-104)

Desde o início da Idade Média, nos séculos VII e VIII, foram fundadas, por iniciativa da cristandade, as casas religiosas femininas, que encontravam maior aceitação no meio urbano. Nos séculos IX e X, já era incentivado a clausura estrita das monjas.191

Ainda no século IX, os mosteiros foram utilizados muito mais para segregar mulheres indesejadas ao convívio social, improdutivas e perigosas, do que para abrigar as vocações religiosas. Já no século XIII, os conventos de mulheres eram lugares de oração, de ciência religiosa, de exegese e de erudição192.

Nesse período de transição da Alta para Baixa Idade Média (século XI – XIII), a religiosidade sofreu várias conturbações, que vai simplificadamente se resumir em: retorno à vita apostolica, nova visão sobre a caridade, sobre os pobres, os pecados e, consequentemente, sobre a salvação e também a dessacralização do mundo.

Com essa nova visão da religiosidade, denotada pela volta da vida dos cristãos primitivos (a vida dos apóstolos), as ordens mendicantes viram-se diante da possibilidade de crescimento, devido à sua maior difusão e aceitação. A partir desse momento, a salvação da alma poderia ser alcançada também fora dos mosteiros e conventos, ou seja, todos tinham agora condições de consegui-la. Com essa maior abertura da Igreja ao leigo, as mulheres também não deixariam de reagir e querer também o seu espaço.

Existiam várias formas de a mulher exercer sua religiosidade. Em Portugal, por exemplo, existiam as “enceladas”, mulheres que tinham uma vida voltada para um estilo eremítico, retiradas da cidade para viverem o resto de seus dias num qualquer beatério, em

191

GOMES, Saul A. & SOUZA, Cristina M. A. de Pina. Intimidade e encanto. Leiria: Magno, 1998. p. 249 – 250.

penitência e sacrifício devotado a Cristo. É o caso de Coimbra (Cruz de Celas, Celas de Guimarães, Celas da Ponte) e de Lisboa (Chelas). Assim também era o caso das “merceeiras”, mulheres que sobreviviam à “mercê” alheia, da esmola dos viandantes e peregrinos, geralmente viúvas que se dedicavam a lavar as roupas dos monges. Já as “enceladas”, que seriam a versão portuguesa das beguinas, vinham geralmente da urbes e/ou da nobreza, isolando-se da laicidade, vivendo sozinhas ou em pequenos grupos, em celas isoladas193.

As funções dessas religiosas, aí incluindo as freiras, cônegas e abadessas, restringiam-se aos cuidados com doentes e pobres, bem como à participação em serviços da igreja, tais como acender velas, rezar, cantar, recitar salmos e tocar os sinos. As freiras e cônegas podiam também se ocupar com a educação de outras mulheres, enquanto que às abadessas só era permitido dar a bênção ao mesmo sexo.194

Nos séculos XII e XIII, as religiosas eram, em sua maioria, muito instruídas para os padrões da época, podendo inclusive, rivalizar com os monges do mesmo período, mesmo porque a educação de ambos os sexos era limitada195. D. Joana, assim como a maior parte da família de Avis, teve um alto grau de educação e erudição para os padrões da época, graças, sobretudo, ao fato de ser Princesa.

É, pois, na fundação das ordens mendicantes que se verificou uma renovação da atividade intelectual das ordens monásticas. Grandes nomes como São Tomás de Aquino e Alberto Magno (ambos dominicanos) documentaram essa renascença cultural monástica.196

192PERNOUD, Régine. Op. cit. p. 111. 193

GOMES, Saul A. e SOUSA, Cristina M. A. de Pina. Op. cit. p. 70.

A diferenciação social dentro dessas casas religiosas femininas dava-se pela condição econômica. “ Parece-nos todavia confirmado que as mulheres piedosas de origem ‘medíocre’, para retomar o vocábulo latino, não podiam viver plenamente a sua religião nas mesmas condições que as nobres.”197 Monjas e cônegas eram recrutadas na aristocracia, e as outras mulheres só tinham, como último recurso, servir de criadas a elas.

Ao contrário da gênese do ascetismo feminino, na Baixa Idade Média comunidades masculinas e femininas eram bem separadas. Salvo as mulheres que, em geral, sempre estavam, quer fosse direta quer indiretamente, subordinadas às comunidades masculinas. Inicialmente, essas comunidades femininas conviviam (na mesma morada) com os homens e só com o tempo houve a total separação física entre religiosos e religiosas, sendo expressamente proibido às enclausuradas o contato com o clero secular. Desde o início, porém, exigia-se restrito controle das comunidades femininas (aqui destaco as mendicantes) por seus irmãos religiosos.198

O Mosteiro de Jesus de Aveiro, desde sua fundação, esteve estreitamente vinculado aos irmãos dominicanos do Convento de Nossa Senhora da Misericórdia, fundado por D. Pedro em 1423199.

Existiram dois tipos de mosteiros (principalmente no início da ascese feminina) que acolhiam as mulheres: os mosteiros duplos e os mosteiros familiares. Estes últimos caracterizavam-se por serem refúgios e casas de educação que acolhiam viúvas e jovens de uma família ou de um grupo de famílias aliadas. Já os mosteiros duplos eram aqueles em

195DUBY, Georges. e PERROT, Michellet (org.). As mulheres nas estratégias familiares e sociais. Trad.

Teresa Perez. Lisboa: Terramar, 1994. p. 261.

196

SARAIVA, A. J. (1950). Op.cit. p. 203.

197 PARISSE, Michel. As freiras. IN: ZUBER, Cristiane Klapisch (dir.). A Idade Média. Trad. Ana L.

Ramalho, Vol. 02. Porto: Afrontamentos, 1990. p. 192.

198

BOLTON, Brenda. A reforma na Idade Média. Trad. Maria da Luz Veloso. Edições 70: Lisboa, 1983. p. 105.

que homens e mulheres coexistiam com igualdade de importância sob a autoridade única de um abade ou de uma abadessa.200

Nesses mosteiros duplos, as religiosas encarregavam-se do trabalho manual: cozinhar, limpar, servir a mesa, coser, pescar, fabricar cerveja e acender o fogo eram algumas das suas incumbências diárias.201 Desempenhavam uma função quase sacerdotal dando a bênção aos membros da comunidade. A superiora era geralmente uma abadessa, cuja ocupação era a de administrar, cuidar da disciplina e do bem-estar espiritual de todas as religiosas.202

No documento A princesa Infanta Joana (1452-1490) (páginas 101-104)