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3. POLÍTICA URBANA E O PLANEJAMENTO DA MOBILIDADE POR

3.2 Os movimentos cicloativistas – pelo direito de pedalar

As questões urbanas, cada vez mais, ganham importância e visibilidade através dos movimentos sociais que reúnem diferentes atores nas discussões. Maricato (2006, p.214) afirma que nos anos 1980 os movimentos cresceram, acompanhando as condições generalizadas da sociedade por liberdade política. Duas conquistas expressivas foram a apresentação de uma emenda de iniciativa popular à Constituição Federal de 1988 e a inclusão da Carta Magna da função social da propriedade e da função social da cidade. Outro avanço significativo aconteceu treze anos depois, com a Lei nº 10.257/2001, o Estatuto da Cidade.

Desde o final do século XIX podia-se presenciar o aparecimento de ciclistas nas ruas. A influência do ambientalismo e também a popularização da bicicleta em diversas cidades desencadeou a criação de movimentos sociais que discutem o uso do modal, o cicloativismo (bicycle advocacy). Para Barcellos (2015, p.3), o grupo defende melhores condições para a utilização da bicicleta, com um caráter reivindicatório ou contestatório junto a sociedade e o estado.

Trigueiro (2016, p.8) aponta que o discurso do movimento é muito bonito na prática, entretanto, as consequências para conseguir inserir a bicicleta no meio urbano foram drásticas, muitas das vezes, envolvendo acidentes com vítimas6. Para Gehl (2015, p.189) o tráfego de bicicletas e a segurança do tráfego devem ser levados a sério, assim como as experiências de boas cidades ciclísticas.

6 Em 2017 e 2018 no Brasil, o número de ciclistas traumatizados em um acidente de transporte que veio a óbito foi 1.306 e 1.363 ciclistas respectivamente. (DATASUS, 2017, 2018)

Nos últimos anos, o movimento cresceu. Rodrigues (2011, p.51) afirma que existem diversos movimentos em redes sociais na internet que defendem o uso da bicicleta como um transporte alternativo e ambientalmente limpo, entretanto, o autor acredita que apenas a existência destes grupos seja insuficiente para a promoção do modal.

As formas de mobilização dos coletivos são diversificadas, desde a utilização da internet a bicicletadas, pintura nos corpos e até mesmo fechamento de ruas. Barcellos (2015, p.3) define grande parte das organizações como horizontais (sem lideranças), além de não se enquadrarem nos modelos tradicionais dos movimentos sociais.

Parece-nos que o cicloativismo, enquanto categoria analítica, não se enquadra no modelo clássico dos movimentos sociais, que se forjou no materialismo, com preocupação focada na derrubada do poder prático do estado ou de classe. Contudo, no caso do cicloativismo estamos também longe da teoria dos novos movimentos sociais, pois por mais inovadoras que sejam categorias de classificação social, através de métodos, bandeiras e rupturas do tempo histórico, essa categoria é variação de tema antigo e consolidado. (BARCELLOS, 2015, p.3)

No Brasil, as primeiras manifestações dos movimentos apareceram no final dos 1980, com as famosas “bicicletadas” (pedaladas pelas ruas). Na época, o grupo que mais destacou foi o Night Biker‟s Club do Brasil que ficava em São Paulo e era liderado pela Renata Falzoni, um dos expressivos nomes do cicloativismo brasileiro. Em 1998, o movimento organizou uma pedalada de Paraty a Brasília com a intenção de reivindicar que o novo CTB fosse cumprido e a ação ficou conhecida como “Campanha Bicicleta Brasil, Pedalar é um Direito”. (BARCELLOS, 2015)

Atualmente, existem diversos movimentos que lutam pela valorização da bicicleta como um meio de transporte eficaz na sociedade brasileira. Segundo Lacerda (2014), um grupo mapeou 527 organizações e movimentos no Brasil. Entretanto, 31% estão focados em pedaladas recreativo-esportivas, enquanto 7% praticam incidência política, o que pra ele é um destaque negativo, pois a maneira mais divertida de se promover a bicicleta é a que tem menos impacto na transformação.

Em muitos estados do país há a presença de grupos de cicloativistas, além dos movimentos nacionais, como a União de Ciclistas do Brasil (UCB). A associação tem o objetivo de levantar e organizar discussões em torno do uso da bicicleta. Segundo a UCB (s/d):

A UCB, fundada 24/11/2007, nasceu da necessidade de organizar a pauta de discussões e intervenções em nível federal, o que está fora do alcance das organizações locais e com a missão de “Contribuir nas pautas nacionais que dizem respeito a mobilidade por bicicleta, através da incidência política e tornar-se referência nacional como entidade representativa da sociedade civil, congregando, articulando e mobilizando as iniciativas locais e com os demais setores sociais de âmbito nacional.” (UCB, s/d).

Para Xavier (2007, p. 123), a preocupação com o meio ambiente e a sustentabilidade do planeta tem feito com o que o cicloativismo cresça. As discussões em torno do andar e pedalar tem crescido como uma das soluções para o desenvolvimento sustentável e de cidades mais justas. Ainda segundo Xavier (2007, p. 123):

Desde a chegada da Internet, não só em nível local o movimento se desenvolveu e deu agilidade à organização de pedaladas e manifestações, mas trouxe uma sensação de triunfo pessoal a cada cicloativista, que sabe estar fazendo parte de um movimento global de luta pela sustentabilidade, pela redução de poluentes, por cidades mais humanas, menos ruidosas, com maior equidade no uso do espaço da via pública, com mais praças etc. (XAVIER, 2007, p. 123).

O crescente movimento de cicloativistas seja ele espontâneo ou a partir de entidades formalizadas, como a UCB, tem cooperado com melhorias no sistema de mobilidade urbana, beneficiando o uso da bicicleta. Para Xavier et al (2009) a presença dos movimentos, bem como entidades acadêmicas, programas de cooperação internacional, entre outros atores, contribuíram para uma maior maturidade no que tange à Política por Mobilidade Cicloviária no Brasil.

Dois grupos de movimentos de ciclistas do Brasil, Bike Anjos e União de Ciclistas do Brasil, em parceria com a Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana do extinto Ministério das Cidades, elaboraram uma série de vídeos (PlanMobs) que abordavam discussões em torno da elaboração dos Planos de Mobilidade Urbana dos municípios. No primeiro episódio, ao ar dia 19/06/2018, ao final da discussão de “Como fazer um PlanMob em 300 dias?” os colaboradores elaboraram um resumo que demonstra o planejamento e o produto de um Plano de Mobilidade Urbana, conforme quadro 1.

PLANEJAMENTO

PLANO DE MOBILIDADE

URBANA

PRODUTO

Sustentável

Diagnóstico Redução da desigualdade e

inclusão social Plano Diretor e outras

legislações vigentes

Acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais Programa de governo Infraestrutura de mobilidade urbana Melhora da acessibilidade

Quadro 1: Como elaborar um plano de mobilidade urbana

Fonte: Bicicleta nos planos (2018a) – modificado pelo autor (2019)

Dessa maneira, a articulação desses grupos a nível nacional se torna relevante, aumentando a rede de ciclistas e a conscientização dos seus direitos. Para Trigueiro (2016, p.9), à medida que as pessoas adquirem conhecimento sobre a inserção da bicicleta no sistema de transportes, o risco de um colapso sistêmico na mobilidade urbana diminui. Lutar por espaços mais acessíveis e seguros nas cidades são umas das principais premissas destes coletivos. Portanto, acredita-se que os movimentos sociais de ciclistas podem ser um aliado para as políticas urbanas de mobilidade se efetuarem com êxito.