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Os níveis da narrativa 71.

CAPÍTULO 3: Ler e jogar: a experiência de descobrir as narrativas 71.

3.1 Os níveis da narrativa 71.

Contar uma história é construir uma sequência de começo, meio e, fim para que o receptor possa entender o que está sendo contado, internalizar a informação para futuramente repassá-la, sem causar problemas de compreensão. Esse é um dos princípios básicos da sobrevivência de uma história. O modo de sua organização estrutural torna-se relevante para que a urdidura de um enredo seja mantida.

Dessa forma, tanto a narrativa de um romance como a de um jogo eletrônico devem manter um padrão, que conduza o enredo a seguir uma ordem que possibilite a enunciação das ideias que compõem a narrativa. Segundo Wolfgang Iser em O jogo

do texto, estudo presente na obra A literatura e o leitor: textos de estática da recepção (1979) define um sistema fundamentado em três níveis: estrutural, funcional e, interpretativo. Para isso, será feita uma breve discussão sobre tais itens

nos objetos de estudo: o romance e o game, expondo a maneira como se organizam, a partir desses três níveis.

Para Iser, o nível estrutural define-se como o aspecto responsável por mapear o espaço, sugerindo que terá a função de proporcionar o suporte para as narrativas. Definir o “onde” e o “quando” significa estabelecer as características desse ambiente, para posteriormente determinar um tempo que corresponde a esse espaço. Tempo e espaço criam o efeito mimético em que leitor e jogador se identificam e aceitam um ambiente, que é a imitação do real. Toma-se como exemplo a maneira de mapeamento estrutural em Assassin’s Creed. O romance e o

jogo passam-se no período da Renascença na Itália. Portanto, o espaço, primeiramente, deve seguir uma possível construção semelhante ao descrito em registros históricos e, em seguida, definir um ano específico desse período para iniciar a história. Essas serão as primeiras estruturas que modelam ambas as narrativas. Enquanto o romance trabalha com descrições, nomes de lugares, e monumentos encontrados na Itália do século XV, o jogo utiliza-se do artificio da

72 imagem para mapear o espaço. Contudo, mesmo que as duas técnicas sejam distintas, o game e o romance seguem esse nível estrutural para constituir o suporte que dará início às ações e a trama do enredo.

O funcional “procurará explicar sua meta” (ISER, 1979, p. 109), ou seja, definirá o motivo de uma ação conduzir à outra. No romance, o leitor é apresentado ao enredo através de ações, que o introduz aos poucos à trama principal da narrativa, gerando o motivo para continuar a ler a história, e, assim, chegar ao final. Em outras palavras, o leitor precisa entender os passos para seguir com a leitura. A meta do leitor é desvendar as intenções do autor, presentes no enredo, ou seja, ler o capítulo um para compreender o capítulo dois, e assim por diante.

Entretanto, torna-se relevante ressaltar que isso não é uma regra, pois o texto impresso (ou digital) é um material de manipulação livre, em que o leitor pode começar a sua leitura no capítulo dois, por exemplo. No entanto, isso poderá implicar na discrepância de informações e afetar a compreensão da história.

Seguir o nível funcional no jogo transforma-se em uma regra, uma vez que na relação do jogo com o romance, os capítulos se transformam nas missões que cada jogador deve cumprir para prosseguir à cena seguinte e, consequentemente, o enredo surge no cumprimento das metas. Caso o jogador deixe de seguir essa determinação, ele não conseguirá chegar ao próximo nível. Diferente do romance, no qual é possível fazer uma leitura fragmentada, o game obrigatoriamente segue uma ordem, e o jogador, por sua vez, entende que para entrar no capítulo seguinte é fundamental terminar o primeiro, aquele em que ele está jogando. Somente assim ele irá, aos poucos, conhecendo o enredo.

Isso não significa que a leitura seja mais vantajosa nesse sentido, apenas estão sendo apontadas as diferenças, no que tange as construções da experiência da leitura. No game, o jogador somente conhecerá o final da história caso seja capaz de cumprir as missões propostas.

No terceiro nível, o interpretativo, o autor levanta a questão de “por que jogamos e por que precisamos jogar” (ISER, 1979, p. 109) o jogo do texto, ou seja, a razão pela qual existe a interação com uma história, nesse caso com um romance ou com o

73 do nível interpretativo em “[...] que o jogo, aparentemente, é fundado em nossa constituição antropológica e pode, com efeito, nos ajudar a captar o que somos” (ISER, 1979, p. 110), volta-se o pensamento para a abertura desse tópico, o ato de contar histórias. São essas histórias que poderão definir um traço cultural de uma sociedade, e podem influenciar na construção e constituição de um pensamento ou de uma filosofia, ou somente o simples fato de imaginar diferentes realidades.

Por isso, a sociedade fascina-se com histórias, e aceita a jogar o jogo do texto pelo prazer e pela experiência que ela proporciona. Ao ler o romance, o leitor adentra aquele universo como um expectador que está esperando pela sua narrativa, por intrigas dos antagonistas, pelo ato de bravura do herói, ou por conhecer diferentes lugares, épocas e realidades. Seguindo esse pensamento, os jogos eletrônicos surgem como uma nova maneira de contar histórias. Entretanto, nesse caso, é possível fazer parte dela renovando o modo de compartilhar uma ideia. Da mesma forma que o romance traz diversas vertentes de gêneros, os games também trazem essa experiência. Logo, os jogos eletrônicos podem igualmente mexer com a concepção de realidade, e instigar o seu jogador a refletir sobre diferentes circunstancias de conflitos, opiniões e organizações socioculturais.

Portanto, o ato de contar histórias, independentemente da sua estrutura funcional, é renovável, e assim dificilmente se perderá.

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