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Os objetivos da escola e a deserção do Estado

CAPÍTULO 02 RELAÇÕES ENTRE A TECNOLOGIA, TRABALHO

2.2 As relações entre o trabalho docente, políticas públicas e tecnologia

2.2.1 Os objetivos da escola e a deserção do Estado

A escola e seus objetivos estão cada vez mais sujeitos às demandas sociais, às imposições capitalistas e ao ideário neoliberal. O ideal de um modelo escolar desconectado da sociedade e de suas vicissitudes, completamente autônomo e autossustentável não condiz com a realidade. Segundo Tardif (2008, p. 55),

Desde que a docência moderna existe, ela se realiza numa escola, ou seja, num lugar organizado, espacial e socialmente separado dos outros espaços da vida social e cotidiana. Ora, a escola possui algumas características organizacionais e sociais que influenciam o trabalho dos agentes escolares. Dessa forma, os objetivos da escola refletem diretamente no trabalho docente. Se esses objetivos vão contra os ideais dos professores, essa influência pode ser profundamente negativa. Reformas curriculares implementadas para atender a demandas específicas do mundo produtivo, visando a docilizar os alunos para a futura apropriação capitalista de seu trabalho, destruindo seu senso crítico e utilizando metodologias meramente reprodutivistas podem causar reações de naturezas diversas nos docentes, dependendo de sua formação e de seus valores éticos. Uma gestão educacional em nível escolar ou governamental com objetivos meramente quantitativos também contribui para o agravamento da situação. Medidas como a progressão automática e o aumento do número de alunos nas salas de aula abrem espaço para atuações de docência que fatalmente seguirão esse mesmo ideário. Segundo Azevedo (2007, p. 8), “[...] é nesse contexto que se inscrevem determinados conceitos e medidas educacionais que afirmam a busca de qualidade na educação pública”. Para garantir o sucesso de suas medidas, os órgãos governamentais instituem instrumentos de avaliação espelhados nos modelos de competitividade e produtividade.

Na mesma ordem, quem toma as decisões define os critérios e instrumentos. Daí as práticas de avaliações externas, com sistemas de avaliação em que os sujeitos que atuam no cotidiano das instituições transformam-se em objetos passivos, sendo os processos de trabalho ignorados, as especificidades dos contextos desconhecidas. O que dá validade ao trabalho é o produto final,

aferido, quase sempre, em limites quantitativos, concentrados nos resultados, avaliados de fora para dentro (AZEVEDO, 2007, p.8).

Azevedo ainda acrescenta que “[...] a avaliação quantitativa, tecnocrática, centrada na avaliação de produtos, ignora o processo, coisifica o conhecimento, quantifica, tem a pretensão de mensurá-lo, padronizá-lo, comprá-lo em escalas competitivas” (2007, p. 8).

Uma tentativa de flexibilização e mesmo de desregulamentação da legislação vem provocando uma precarização nas relações de emprego, mais do que nas de trabalho [...] As novas exigências feitas pelas reformas propostas ao trabalho do professor, sem que novas condições lhes sejam asseguradas nas escolas, parecem compor um cenário no qual predomina uma forma antiga para um aluno novo (OLIVEIRA apud LÜDKE; BOING, 2007, pag. 1185- 1186).

Segundo Mancebo (2006, p. 42), “[...] essas orientações políticas, em linhas gerais, têm provocado uma deterioração na oferta dos serviços sociais públicos, especialmente nos setores da educação e da saúde”. A autora ainda salienta que tais reformas educacionais estão em consonância com os organismos internacionais, disseminando a ideia de que “[...] os sistemas de ensino devem se tornar mais diversificados e flexíveis, objetivando maior competitividade com contenção nos gastos públicos”. A palavra “deterioração” utilizada por Mancebo também retrata muito bem o que ocorre com o trabalho docente. Atendendo aos objetivos e determinações da administração escolar e/ou governamental, o professor acaba por perder seus ideais educacionais, que deveriam ser pautados na qualidade de ensino e na formação do senso crítico, ou o que restou deles, pois muitos iniciam a carreira com formação deficitária. Esse problema se agrava ano a ano e atinge seu ápice quando esses professores, com formação deficitária, passam a atuar como docentes em instituições e programas governamentais com os mesmos ideais neoliberais, tecnicistas e quantitativos, ministrando disciplinas em cursos de pedagogia e licenciatura.

Seguindo essa linha de ações, o governo federal, supondo-se incapaz de gerir todas as esferas educacionais, cria formas de aplicar de maneira descentralizada decisões políticas centralizadas. Segundo Azevedo (2007, p9), “esse tipo de descentralização é apresentado como sinônimo de democracia, mas, em muitos casos, trata-se de transferir responsabilidades do Estado para as comunidades ou da transformação de um direito em mercadoria, disponibilizada ao mercado”. No Brasil, essas metas aparecem claramente nas propostas de reformas educacionais. Cria-se na opinião pública a ideia de que todos os problemas podem ser resolvidos pela educação. É a velha afirmação dos princípios liberais de oportunidades iguais para todos. Certamente a nova elite produzida pela educação competente não brotará

dos milhões de indigentes e pobres que constituem o espectro dos excluídos. (AZEVEDO, 2007).

O estudo que fizemos mostra que os professores são alvos ou estão no fogo cruzado de muitas esperanças sociais e políticas em crise nos dias atuais. As críticas externas ao sistema educacional cobram dos professores cada vez mais trabalho, como se a educação, sozinha, tivesse que resolver todos os problemas sociais (LÜDKE; BOING, 2007, p. 1188).

É muito comum encontrar nessas reformas propostas para a implantação de programas de recompensa para as escolas. Tais programas visam a favorecer a visão da preparação empresarial e permitem e justificam a avaliação redutora da complexidade do processo. O conhecimento é reduzido a acúmulos quantitativos, mensuráveis. Certamente, ainda existem resistências a essa transformação da escola em formar objetos mercadológicos, protegendo a ideia de educação emancipatória, mas a diferença das forças entre essas duas ideias é muito desproporcional.