• Nenhum resultado encontrado

Temos observado nas últimas décadas uma crescente utilização de imagens como instrumento de comunicação em diferentes setores da sociedade, nas chamadas TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação). As novas tecnologias para aquisição de imagens digitais e o aperfeiçoamento das técnicas de tratamento e manipulação destas, têm diminuído o tempo gasto na sua obtenção e ainda elevado a resolução das representações obtidas. Da mesma forma, os avanços tecnológicos no setor das telecomunicações, com a utilização de mostradores de cristal líquido, plasma e LEDs (light-emitting diode ou, em português, diodo emissor de luz.), o advento do sinal digital, das imagens em alta definição e o aumento da portabilidade dos aparelhos que geram imagens, podem ser apontados como fatores que têm viabilizado e incentivado a crescente utilização desta forma de linguagem.

Os projetores multimídia, as lousas digitais e os tablets já são ferramentas presentes em muitas escolas. Estes instrumentos, por facilitarem a reprodução de imagens acabam, por consequência, contribuindo para o aumento da utilização desta forma de linguagem para fins de ensino.

Apesar desta nova perspectiva, o livro texto1 permanece sendo o recurso didático mais utilizado no ensino formal, sendo que nos últimos anos ele também vem experimentando sensíveis transformações no que se refere ao uso de imagens.

No ensino de Ciências, as ilustrações são imprescindíveis para a representação de modelos teóricos, para a sistematização e apresentação de dados numéricos, para a representação didática de

1O termo “livro de texto” é utilizado na Espanha como referência a livros que possuem fins didáticos. No Brasil, os

materiais dessa natureza são chamados de “livros didáticos”. Utilizaremos os dois termos ao longo do texto desta tese, uma vez que ela foi lida nos dois países para a obtenção do dos títulos de doutor em Ciências (Unicamp) e doutor em Ciências Experimentais (UdG).

processos naturais, entre outras coisas. Por este motivo as pesquisas que se referem especificamente à utilização de imagens científicas em livros didáticos é um campo investigativo de muita relevância, cuja discussão tem tido espaços garantidos nos diferentes fóruns dedicados ao ensino de Ciência.

Algumas pesquisas das décadas de 1990 e 2000 já apontavam que os livros de texto de Ciências, tanto do ensino fundamental quanto do ensino secundário2 (ensino médio), contavam com 50% da sua superfície útil preenchida por imagens (PERALES e JIMÉNEZ, 2002; MAYER, STEINHOFF, BOWER e MARS, 1993). Porém, outra investigação do mesmo período revelou que mais de 85% das ilustrações utilizadas em livros de Ciências não mantinham articulações relevantes com o texto que as suportavam (MAYER, 1993). Tais dados são significativos, pois revelam, entre outras coisas, que o aumento no número de ilustrações não resulta, necessariamente, na melhoria das condições de compreensão de um texto didático-científico.

Para citar um exemplo que revela este fato, o estudo realizado por Roth, Bowen e McGinn (1999) destaca que a grande maioria das ilustrações utilizadas em livros de texto de Biologia são representações icônicas ou representações que lembram diretamente o objeto em questão, ou seja, raramente as ilustrações serviam para expor dados de forma mais abstrata (gráficos, por exemplo), como ocorre em textos científicos profissionais. A investigação citada revela certo distanciamento entre a maneira com que os cientistas utilizam as ilustrações para comunicar conhecimentos e a utilização desta mesma forma de linguagem nos textos didáticos de disciplinas com conteúdos científicos.

2Esta tese utilizará os termos Ensino Secundário e Ensino Médio como sinônimo ao se referir à etapa final do ensino

Outro estudo realizado com livros de textos de Ciências do ensino secundário norte americano, revelou que cerca de 70% das ilustrações adicionadas aos textos são fotografias (POZZER e ROTH, 2003). Investigando o uso deste tipo de imagem, Pozzer e Roth (2004), Sullivan (2008) e Steiff (2005) concluíram que mesmo quando tais imagens mantêm relação com o conteúdo em que aparecem, elas não são suficientes para desenvolver no aluno, conhecimentos sobre temas até então desconhecidos por eles.

Na realidade, existem tantas investigações que apontam problemas relativos à utilização de imagens e ao desenvolvimento inadequado de conceitos científicos em textos didáticos que algumas revistas voltadas ao ensino de Ciências, mantêm seções constantes que tratam especificamente desse tema. O Journal of Geocience Education, publicado pela NAGT (Nacional Association of Geoscience Teachers) é um desses casos. De 1996 a 2002, em todos os suas números, houve um artigo, dentro de uma seção chamada “misconcepcions”, em que o autor Jesse Wampler discutiu as distorções (ou erros) conceituais no campo das Ciências da Terra provocadas, entre outras coisas, pela utilização inadequada de ilustrações em livros de textos considerados verdadeiros ícones do ensino geocientífico. Segundo Wampler (2002), muitos dos problemas surgidos nestes livros constituem a fonte de “equívocos” que se propagam até hoje, nos livros didáticos que abordam temas das Geociências no ensino secundário.

E em se tratando das Ciências da Terra, que é a área de interesse dessa investigação, o protagonismo das imagens é ainda maior. Podemos afirmar que a qualidade de um livro didático desta natureza dependa fortemente da relação entre as ilustrações e texto escrito. A compreensão da maior parte dos processos e conceitos geológicos (muitos deles abstratos e de difícil compreensão) está intimamente relacionada à presença de uma ilustração que os represente. Os modelos das estruturas do interior do planeta, de ciclos de minerais ou rochas, representações de fósseis e de

formas de relevo, são alguns exemplos da dependência das ilustrações para o desenvolvimento de conteúdos geocientíficos. No entanto, entendemos e demonstraremos mais adiante que as ilustrações podem ser facilitadoras, mas também possíveis obstáculos, ou até mesmo indutora de equívocos (como analisou Wampler) à compreensão de determinados fenômenos geocientícos e que, neste sentido, o papel desempenhado por elas em textos didáticos pode sofrer a influência de diferentes fatores, dentre os quais, destacamos as suas condições de produção e de leitura. Assim, acreditamos que os processos de produção de um livro texto de Ciências tem estreita relação com a qualidade e o potencial didático das imagens nele inseridas.

A elaboração de um livro didático engloba várias etapas produtivas, as quais envolvem: 1) as ideias conceituais do novo material didático; 2) a elaboração do seu projeto gráfico; 3) a produção do texto escrito, de atividades práticas e exercícios; 4) a escolha e produção das ilustrações; 5) os processos de correção de textos e imagens; 6) a impressão e 7) a comercialização do livro de texto produzido. Segundo pesquisa realizada por Parcerisa (1996), todas estas etapas são realizadas seguindo cerca de 150 itens de pauta, dos quais, apenas 3 se referem especificamente aos processos produtivos das ilustrações.

Tendo em vista a discussão acima, esta pesquisa de doutorado buscou identificar possíveis relações entre o papel didático (discursivo) desempenhado pela ilustração geocientífica em livros de texto do ensino médio e os processos editoriais responsáveis por sua concepção, produção e escolha. Com esse propósito, foram analisadas 49 coleções didáticas, de 21 editoriais distintos, que somaram 119 livros produzidos no Brasil, Espanha, Itália e Portugal.

De forma específica, a investigação buscou:

• Categorizar os tipos de ilustrações utilizadas em textos didáticos de Ciências da Terra;

• Analisar o funcionamento didático (discursivo) de cada tipo de ilustração para o desenvolvimento de conteúdos que abordam processos relativos à Dinâmica Interna da Terra;

• Investigar o processo editorial destes materiais, enfocando a questão da produção e/ou eleição de ilustrações geocientíficas;

• Fornecer subsídios aos profissionais ligados à elaboração editorial de livros de textos de Ciências no que diz respeito ao processo de concepção, eleição e produção de ilustrações.

A análise das funções didáticas (discursivas) desempenhadas pelas ilustrações em seus contextos geocientíficos utilizou como referência o documento “Propuesta Curricular de Alfabetización en Ciências de la Tierra”3 e a investigação das etapas de elaboração e produção dos livros, a qual foi realizada por meio de visitas a editoras, reunião com editores e aplicação de questionários. Tanto para a análise discursiva das ilustrações, como para a análise dos dados obtidos nos questionários, foram utilizados os aportes fornecidos pela linha francesa de Análise de Discurso. Todas essas ações estão descritas em detalhes no terceiro capítulo deste trabalho, o qual aborda os procedimentos metodológicos aplicados à aquisição e análise dos dados obtidos na investigação (pesquisa).

3O referido documento foi apresentado no XVII Simpósio sobre Ensino de Geologia em Huelva (Espanha) e pode ser

considerado o resultado de esforços das sociedades e instituições científicas espanholas envolvidas no ensino da Geologia e analisa, entre outras coisas, questões e conceitos que, de acordo com suas concepções a, devem ser parte das disciplinas curriculares que lidam com questões de Ciências da Terra no ensino secundário daquele país. Este documento está disponível em: http://www.uhu.es/fexp/archivos/decanos/alfabetizacion_ciencias_tierra.pdf

Dentre os fatores que poderiam assegurar a relevância desta investigação optamos em destacar três:

• A ampla utilização e supremacia do livro de texto frente a outros instrumentos de difusão de conhecimentos em âmbito escolar;

• O papel fundamental exercido pelas ilustrações para o aprendizado de conceitos científicos;

• A dependência de ilustrações para a representação de processos dinâmicos da Terra que não podem ser observados de forma direta ou por meio de instrumentos de captura de imagens.

Ao longo dos capítulos da presente tese estes três fatores serão desdobrados e discutidos de maneira mais ampla. Neste texto introdutório queremos chamar atenção para o papel destacado do livro didático no processo de ensino-aprendizagem no Brasil e em outros países, não apenas no caso específico do ensino de Ciências, o que fica evidenciado pelo grande número de pesquisas que têm se debruçado sobre os diferentes aspectos que envolvem a utilização dos livros textos em contexto escolar.