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4. A “OUTRA” DEMOCRACIA E OS SEUS LEGADOS

4.1 OS “OUTROS” PROTAGONISTAS

A revolução industrial foi o fato mais importante do desenvolvimento moderno, uma vez que, multiplicando-se as realizações na indústria, no comércio e na navegação, a burguesia acumulou riquezas com a política colonial, com o comércio mundial, com o sistema bancário moderno, com as dívidas do Estado. A Inglaterra liberal conquistou o domínio dos mares, construindo seu império marítimo na Índia, África do Sul, Austrália. Nos Estados Unidos, a consolidação da burguesia capitalista coincidiu com a progressiva conquista do país, estendendo seu domínio do Atlântico até o Pacífico. A burguesia francesa ultrapassou suas fronteiras, construindo as bases da política moderna de conquista. Uma nova sociedade tomava forma. Pela primeira vez o trabalho reestruturava e reorganizava a vida do ser humano na sua totalidade. Na Idade Média, o

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camponês vivia em função de sua colheita. Era um produtor que cultivava a terra e vivia nela de acordo com os ciclos do dia e da noite e das estações. O artesão trabalhava na sua oficina, provavelmente morando no mesmo espaço, e produzia suas obras de acordo com a solicitação dos interessados, dia-a-dia, visando compor os produtos finais. O tempo do trabalho era medido em função da conclusão dessas produções. Com a revolução industrial, o trabalhador passou a viver em função do relógio e da conclusão de tarefas, uma após a outra, até que o apito da fábrica anunciasse o fim da jornada de trabalho.

A transformação das relações agrárias tradicionais determinou a transformação da terra como bem comum em propriedade privada capitalista. Os novos meios de produção se encontravam nas mãos de uma pequena minoria, enquanto que a grande maioria, expropriada dos meios de subsistência, desarraigada, arrancada de qualquer vínculo social, era obrigada a vender a própria força de trabalho. Há uma proliferação de práticas de acumulação, que Marx descreve como “primitivas”, incentivando a privatização da terra e consequentemente a expulsão da população camponesa, a conversão de várias formas de direitos de propriedade (comuns, coletivas, públicas etc) em direitos de propriedade exclusiva, a mercantilização da força de trabalho, os processos coloniais, o comércio de escravos. É nesse meio que nasceram e se afirmaram movimentos democráticos centrados no protagonismo do povo, entendido como status cívico e categoria social, representando o conjunto de camponeses, operários, desempregados, pequena burguesia, em luta contra as classes dominantes. Ao longo do processo de modernização capitalista, o povo tomava consciência de sua identidade e da sua importância, pois, como escrevia o cartista Cobbett, “a força real e todos os recursos de um país sempre brotam e sempre deverão brotar do trabalho do seu povo”, oprimido pela arrogância das classes dominantes que “chamam a vocês de turba, ralé, escória, multidão porca, e dizem que sua voz não vale nada; que nada têm a fazer em reuniões públicas” (THOMPSON, 2004, III:201).

Em meados dos séculos XVIII e XIX, o desenvolvimento da indústria e do comércio forçou o alargamento das bases sociais do sistema político, com a incorporação do proletariado, constituindo-se poderosas correntes de pensamento político que lutavam para uma maior igualdade entre os homens, propugnando uma sociedade democrática. Mandeville (1670-1733) manifesta seu espanto frente à

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inusitada insolência dos pobres que chegaram “até o ponto de se reunir em sociedade e fazer leis conforme as quais se obrigam a não prestar serviço por uma soma inferior à estabelecida por eles” (MANDEVILLE, 1987:169). Os trabalhadores eram culpados de não aceitar passivamente uma relação vertical de subalternidade com seus superiores, buscando relações de horizontalidade, tendo até a ousadia de “reunir-se impunemente”, desenvolvendo relações mútuas de solidariedade, culpados de “usurpar a cada dia os direitos dos seus patrões, fazendo de tudo para se colocar no mesmo nível”, pondo em perigo o “bem estar público” (MANDEVILLE. 1987:181).

O fantasma da igualdade não estava encarnado apenas em teorias, havendo, sobretudo na Europa, uma democratização da vida social, com a irrupção da classe operária na cena política. É nesse momento, quando a desigualdade começou a ser questionada, que se alastrou o pânico contrarrevolucionário entre as classes dirigentes (MIGUEL, 2002). A cena política não era mais ocupada exclusivamente pela aristocracia e a burguesia, entrava em cena o povo com suas aspirações democráticas. A conquista da democracia se tornava o objetivo político de movimentos revolucionários que defendiam a universalização dos direitos civis, o reconhecimento de garantias sociais, o sufrágio universal e mecanismos de participação popular nas decisões políticas. Foram resgatados e defendidos valores e tradições da democracia clássica, amedrontando as classes dominantes, que se reconheciam por meio da frase, “contra os democratas, somente com os soldados”. A democracia era identificada com a revolução e os democratas com os agitadores vermelhos que sublevavam os trabalhadores da terra e da cidade contra a propriedade (ROSEMBERG, 1986:47).

Na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França, o liberalismo impôs um conjunto de direitos funcionais aos interesses dos proprietários, sufocando no sangue as propostas democráticas mais radicais e absorvendo e reconfigurando aquelas que não colocavam em perigo a estabilidade do sistema capitalista. O processo de democratização dos Estados liberais foi promovido pela articulação e a pressão das correntes democráticas e populares. A luta pela democracia não representava um estágio determinado, mas, ao contrário, um processo que obrigava a agir ininterruptamente para adjetivar conceitos puros, como liberdade e igualdade. A ideia de democracia envolvia um conceito de unidade do povo que não é automático, devendo ser construído na luta política, reconhecendo as suas diferentes partes, assegurando colaboração na realização

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dos seus interesses específicos dentro da unidade coletiva nacional e internacional, devendo-se trabalhar “pela união e entendimento dos partidos democratas de todos os países” (MARX; ENGELS, 2003:58). Os democratas se esforçaram de todas as formas para a consolidação de um movimento internacional, pois o importante era o movimento democrático no seu conjunto e não a qualidade teórica de cada uma de suas manifestações quotidianas. O que contava era a unidade dos trabalhadores da cidade, dos camponeses e da pequena burguesia.

Ao longo das lutas democráticas, percebemos a sucessão de duas importantes etapas, que não são centradas no aspecto cronológico, mas na autodeterminação do povo. No primeiro momento, predominava um processo de organização, seguindo, sobretudo, as ordens de pequenos grupos de revolucionários profissionais. Ao longo da luta democrática, o povo amadurece ao ponto de deliberar ele mesmo as suas próprias organizações, empenhando-se em melhorar suas próprias condições de classe no seio da sociedade capitalista. Nesta etapa, o povo não é o órgão executivo de uma direção intelectual, mas atua de modo autônomo, segue suas próprias diretrizes, acreditando que a emancipação do povo é obra do próprio povo. Em 1843, Engels constatava que “os princípios radicais democráticos penetram cada dia mais nas classes operárias, que os reconhece como expressão de sua consciência geral”, identificando a posição política do proletariado com aquela da “democracia radical” (SCREPANTI, 2007: 84).

Na opinião do radical Francis Place, “se o caráter e a conduta dos trabalhadores fossem abstraídos de periódicos, revistas, panfletos, jornais e relatórios das duas Casas do Parlamento” seriam compreendidos como brutais indivíduos pertencentes às “classes inferiores” (GEORGE, 1930:210). Em 1848, as “classes inferiores” incendiaram a Europa, protagonizando a revolução social na França, as batalhas pelo voto na Inglaterra, as heroicas guerras de independência da Polônia, Itália, Irlanda e Hungria, as revoltas do campesinato russo. A condição prévia mais importante para o êxito da revolução democrática era a solidariedade internacional e o mútuo socorro. Frente ao levante em qualquer país, os democratas e os revolucionários dos demais países se organizavam para prestar ajuda, expandindo-se o mais rapidamente por toda Europa. Foram intensas as relações entre os partidos democráticos europeus: em 1847 nascia a “Associação Democrática” fundada em Bruxelas, envolvendo os cartistas ingleses, os

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emigrantes democráticos alemães, franceses, poloneses, italianos etc.93. Em 1850, os democratas alemães, franceses, poloneses e húngaros criaram as bases para a formação de uma grande organização democrática internacional. Em 1851, se reuniram em Londres diferentes grupos de emigrantes democráticos, entre os quais estavam Mazzini, Kossuth, Ledru-Rolline e Ruge, os quais deram continuidade ao processo com a formação de um comitê democrático europeu. Em 1864, foi criada a “Associação Internacional dos Trabalhadores”, que teria sido inconcebível sem o internacionalismo dos democratas, sem a “fraternidade democrática”, sem o protagonismo democrático das massas populares. A “Associação Internacional dos Trabalhadores” foi fundada pelos próprios trabalhadores, expressando suas reivindicações políticas e econômicas, na convicção de que a emancipação dos trabalhadores poderia ser obra dos próprios trabalhadores. Depois de acenado o problema da libertação nacional da Polônia, o “Manifesto do Partido Comunista” conclui com a exortação: “proletários de todos os países, uni-vos”. Essa mesma apelação retorna na conclusão do discurso inaugural para a “Associação Internacional dos Trabalhadores”, em 1864, retomando o tema da democracia internacional e denunciando o assassinato da “heroica Polônia”, da Irlanda e das outras nações oprimidas, lutando para o fim da opressão do Ocidente nas colônias. As lutas das nacionalidades oprimidas, como a insurreição polonesa de 1863, as revoltas irlandesas de 1869, a Comuna de Paris, a luta da Liga agrária e dos Hume Rulers de 1874, como as lutas do “povo das colônias”, tiveram o apoio das correntes democráticas (ENZENSBERGER, 1977: 327). A breve experiência da Comuna de Paris, em 1871, representou a última tentativa de ressureição da democracia clássica no século XIX. O aniquilamento da Comuna de Paris significou o fim da democracia clássica. As necessidades de 1848 não haviam perdido seu significado, foi o povo que tinha mudado. Um exame sobre as condições do povo em 1882 comprovaria que estava tão escravizado, oprimido e explorado quanto em 1848.

93 Marx e Engels participaram no processo de construção da associação. Em 15 de novembro de

1847, Marx foi eleito vice-presidente (o presidente era Lucien Jottrand, um democrata belga) e sob sua influência, ela se tornou um centro para o movimento democrático internacional. Quando Marx foi banido de Bruxelas, em março de 1848, e a maioria dos elementos revolucionários foi repreendida pelas autoridades belgas, sua atividade ficou restrita a um âmbito puramente local e, em 1849, a “Associação Democrática” se dissolveu.

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4.1.1. Inglaterra

Na Inglaterra, houve duas revoluções nos meados do século XVII, aquela de 1640-1660 e a “Revolução Gloriosa” de 1688. É interessante perceber a diferente postura dos principais pensadores liberais clássicos em relação às duas revoluções. A admiração de Hume, Montesquieu, os Federalistas, Tocqueville e muitos outros se dirigia apenas para a revolução de 1688, apresentada como um momento pacífico e indolor, estabelecendo os sagrados direitos individuais, entre os quais, o direito de propriedade. Pelos cânones liberais, a principal estrada que conduz à democracia inglesa passa pela Magna Carta, em 1215, e pela Revolução Gloriosa, em 1688, minimizando as contribuições da revolução de 1640-1660, considerada, quase, um acidente infeliz e passageiro.

Ao contrário, na “outra” história da democracia, a Magna Carta é identificada como uma vitória dos barões sobre o rei, não modificando as condições do “povo” inglês, que nada adquiriu com ela, permanecendo na sua antiga condição. Thomas Paine fala com desprezo da Magna Carta, apresentada como um acordo entre frações da classe dominante “para dividir-se os poderes, os lucros e os privilégios” (PAINE, 1978). A primeira revolução, aquela de 1640, representaria o primeiro grande marco da história democrática inglesa, com a formação de um grande movimento social, protagonizado pelo povo no seu conjunto, camponeses sem terra, artesãos, pedreiros, desempregados, soldados rasos, ciganos, vagabundos, vadios, em luta contra o despotismo de Carlos I, as forças reacionárias da Igreja e os grandes proprietários de terra. Personagens como Winstanley, Warr, Peter Chamberlen, Clarkson, John Cook, Hugh Peter, Abiezer Coppe e muitíssimos outros resgataram o significado da democracia clássica, defendendo a irrupção dos plebeus na história política inglesa, mediante a ação direta.

No princípio do século XVII, a Inglaterra era um país predominantemente agrícola, onde a esmagadora massa da população vivia no campo, ocupando-se da produção de víveres ou de lã. À medida que a indústria e o comércio se desenvolviam, que o mercado ultramarino se expandia, temos os primórdios de uma divisão social do trabalho especializado. No sul da Inglaterra, estava a parte economicamente mais desenvolvida e aqui o preço dos alimentos e dos têxteis aumentava rapidamente. A terra tornava-se um domínio atraente para o investimento do capital. Se na Inglaterra feudal, a terra passava por herança de pai para filho; no século XVII, a terra se tornava uma

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mercadoria, comprada e vendida num mercado competitivo. A agricultura progressiva conduziu à expropriação de inúmeros pequenos camponeses, destruindo as comunidades, juntamente com a sua relativa igualdade e espírito comunal.

O Parlamento inglês era composto por representantes das classes proprietárias e dos comerciantes, livres para prosperar sob a proteção do trono, que os defendia internamente das revoltas populares e externamente do exército espanhol. Na última década do século XVI, derrotados os inimigos internos e externos, a burguesia deixou de depender da proteção da monarquia, como demonstravam os frequentes litígios de Jaime I e Carlos I com os seus respetivos parlamentos. Em 1640, começou a guerra do Parlamento contra o rei. Ao lado do Parlamento se agregou o povo, aparecendo claras divisões de classe entre os revolucionários. De um lado estavam os “presbiterianos”, representantes da grande burguesia mercantil e dos proprietários de terras, que não desejavam uma vitória absoluta contra o rei, temendo a radicalidade do outro lado, no qual se encontravam os “sectários”, aqueles que acreditavam que, “à nascença”, escrevia o radical Edwards em 1646, “todos os homens são iguais, e nascem para os mesmos bens, direitos e liberdade” (HILL, 1977: 85).

Frente à tática militar lenta e dilatória dos aristocráticos chefes presbiterianos, prevaleceram as ideias de Oliver Cromwell, prezando uma reorganização democrática do exército para alcançar a vitória contra os combatentes mais experientes do lado realista. Na opinião de Cromwell, uma guerra revolucionária deveria ser organizada de modo revolucionário, sendo preferível “ter um capitão simples e rústico que saiba por que luta e ame aquilo que sabe, do que um daqueles a quem chamais gentil-homem e que não passam disso” (CARLYLE, 1845:228). Formou-se um novo exército de marco democrático, com a carreira aberta aos talentos, incentivando a livre discussão de ideias divergentes. Foi esta absoluta liberdade de discussão que facilitou a compreensão das causas reais da luta, possibilitando “o apoio completo das classes mercantis e industriais na cidade e dos camponeses no campo”, pois ao “saber pelo que lutavam, amavam o que sabiam”. A luta foi ganha pelo Parlamento devido à disciplina auto-imposta e à elevada consciência política das massas organizadas no novo exército (HILL, 1977:11).

Ao longo da guerra, o exército e o parlamento coexistiam como poderes rivais. Uma vez terminada a guerra, os “presbiterianos” buscaram negociar com o rei no cativeiro, para livrar-se do exército vitorioso e perigoso, acusado de ser excessivamente sensível à

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causa dos camponeses e artesões. A influência do movimento democrático crescia no exército que, em 1647, jurou solenemente não terminar a revolução até que estivessem garantidos para todos os indivíduos, os mesmos direitos. Depois da fuga e a sua sucessiva captura, o rei foi executado em 30 de janeiro de 1649 como “inimigo público do bom povo desta nação”, declarando a monarquia “desnecessária, opressiva e perigosa para a liberdade, segurança e interesse público do povo”, abolindo também a Câmara dos Pares sendo “inútil e perigosa”, proclamando a república em 19 de maio de 1649 (HILL, 1977:96). A destruição da burocracia real deixou um vazio que foi preenchido com a criação de uma série de comitês revolucionários nas diferentes localidades. Escrevia aterrorizado sir John Oglander, gentil-homem da Ilha de Wight.

Tivemos aqui uma coisa chamada comitê que dominava os vice- governadores e também os juízes de paz, e nele tivemos homens corajosos: Ringwood de Newport, o bufarinheiro; Maynard, o farmacêutico; Matthews, o padeiro; Wavell e Legge, lavradores; e o pobre Baxter de Hurst Castle. Eles governaram toda a Ilha (BAMFORD, 1936: 110).

Aqueles rebeldes ingleses “cobertos de trapos e farrapos” propuseram “uma alternativa mais livre do que as coerções vigentes”, podendo-se traçar um paralelo com as experiências dos jacobinos e dos bolcheviques (WALZER, 1965: 308-316). Os camponeses pobres (cottagers), os ocupantes ilegais dos terrenos comunais, das áreas incultas e das florestas (squatters), as vítimas da rápida expansão das novas indústrias e do crescimento de antigas, lutaram com coragem por ideias sociais que hoje são consideradas elementos centrais da democracia moderna, mas que na época eram tratadas como heresias. Os grupos mais ativos foram os levellers e os diggers. Para esclarecer dúvidas, achamos necessário distinguir o levellerismo autêntico do

levellerismo constitucionalista que aceitava o caráter sagrado da propriedade privada,

defendendo reformas que não excedessem os limites da sociedade capitalista, aceitando a restrição do direito ao sufrágio para os criados, os trabalhadores do campo, os indigentes, ou seja, para aqueles que não possuíam independência econômica. Ao contrário, os levellers autênticos colocavam em discussão as instituições e as ideologias da sociedade defendendo o ideal da democracia clássica, constituindo a ala radical dentro do movimento dos levellers (HILL, 1977). O grau de organização dos levellers era muito elevado, com o fim de encontrar fundos, recrutar os membros, difundir as próprias ideias. Os levelleres publicaram, entre 1647 e 1649, uma série de manifestos, chamados “Agreement of the people” (1649), pedindo reformas constitucionais que

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possibilitassem a extensão do voto para todos os homens, garantias econômicas e sociais, a separação da Igreja e do Estado, a abolição dos dízimos, a reforma da lei dos devedores (LEVELLERS, 1649). O estudo de Daniela Bianchi (2007) sobre os revolucionários Rainborough, Gerrad Winstanley, John Wilkes e muitos outros, identifica a luta dos levellers com a defesa da universalização dos direitos civis e do sufrágio universal masculino.

O movimento dos diggers representou o lado social da revolução, buscando introduzir um comunismo agrário, por meio de ação direta. Os protagonistas do movimento eram, sobretudo, proletários rurais expropriados que depois da revolução vitoriosa contra o rei reivindicavam a posse de terra. Os diggers complementavam a luta política dos levellers, introduzindo preocupações econômicas, reclamando uma grande reforma agrária, a divisão das heranças, a garantia dos copyholders pelas famílias que cultivavam o mesmo solo há várias gerações. Escrevia o digger Gerrard Winstanley, “o homem mais pobre de Inglaterra tem tanto direito à terra como o mais rico” (HAMILTON, 1944.: 69). Os revolucionários usavam os chamados “métodos plebeus” para confiscar os bens da Igreja, da Coroa e da aristocracia, protagonizando a maior revolução que já ocorreu na Grã-Bretanha. Os levellers e os diggers ofereciam novas soluções políticas, incentivando uma grande mobilização social e a fermentação intelectual, não questionando apenas os valores da velha sociedade hierárquica, mas também os novos valores da própria ética protestante. “O velho mundo estava rodopiando como pergaminho no fogo”, parecendo qualquer coisa possível (HIIL, 1987: 31).

A grande burguesia reagiu contra o perigo democrático. Os revolucionários foram derrotados militarmente em 1649 por Cromwell, marcando o declínio do movimento, que se dissolveu progressivamente nos movimentos religiosos mais radicais. Foi inevitável o retorno da monarquia, pois o perigo democrático, protagonizado pelas forças populares havia incentivado um compromisso entre a rica burguesia e os representantes da velha ordem. Por volta de 1654, as transferências de terras recomeçaram, afirmando-se definitivamente uma nova classe de proprietários de terras, que desejava a paz e a ordem para poder desenvolver seus comércios. Frente à tentativa do rei James II de restaurar a antiga monarquia absolutista, a grande burguesia se mobilizava, protagonizando a chamada “Revolução Gloriosa”, “gloriosa” porque

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aconteceu “sem derramamento de sangue nem desordens sociais, sem anarquia, sem possibilidade de revivescência das exigências revolucionárias democráticas” (HILL, 1977:116). Em busca de consenso, as classes superiores se apropriaram das propostas democráticas dos levellers e dos diggers, descaracterizando seu conteúdo social e participativo.

Após a revolução de 1688, a grande burguesia buscou a aliança com a aristocracia, que participou de seus empreendimentos comerciais, dirigiu seus partidos políticos e endereçou a formação da sociedade burguesa. A vítima da “Revolução Gloriosa” foi o povo, submetido, simultaneamente, à intensificação de duas formas intoleráveis de relação: a exploração econômica e a opressão política. As relações entre

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