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Os Paradigmas Socioculturais e os Paradigmas Educacionais

CAPÍTULO II: A Educação Empreendedora

1. Os Paradigmas Socioculturais e os Paradigmas Educacionais

“Creio que volumes se têm escrito sobre ideais educativos, contudo a confusão é maior do que nunca. Não há nenhum método através do qual se educa uma criança a ser integrada e livre. (...) Educação no seu verdadeiro sentido é ajudar o indivíduo a ser maturo e livre, a florescer enormemente em amor e bondade. (...) Somente o amor pode levar à compreensão do outro. Onde existe amor existe uma comunhão instantânea com o outro, no mesmo nível e ao mesmo tempo. (...) a maioria dos professores que são idealistas puseram de parte o amor, e secaram as mentes e endureceram os corações. (...) Para estudar uma criança, a pessoa tem que estar alerta, atenta, auto- consciente, e isso requer muito mais inteligência e afeição do que encorajá-la a

seguir um ideal.” 204

As escolas são vistas enquanto sistemas humanos abertos e integrados num todo. A sistematização do enquadramento sociocultural paradigmático e educacional revela-se importante para uma melhor compreensão da dialéctica entre a sociedade e a escola. Para realizar este enquadramento opta-se pela classificação sistematizada de Bertrand & Valois (1994) por revelar uma visão contextual profunda e multifacetada, adequada à

problemática em causa. Segundo os autores o paradigma205 sociocultural

“remete essencialmente para a acção exercida pela sociedade, a partir da sua actividade, sobre as suas práticas sociais e culturais”206 e evidenciam quatro

paradigmas socioculturais: industrial (paradigma dominante), existencial, dialéctica social e simbiosinérgico. A definição resulta da combinação de diversos componentes tais como a concepção do conhecimento, a concepção das relações entre a pessoa/sociedade/natureza, os valores e interesses, a forma de executar e o significado global da actividade humana.

Os autores estabelecem a relação entre os paradigmas socioculturais e os modelos educacionais correspondentes. O paradigma educacional, segundo os autores, é visto como a ponte entre o paradigma sociocultural e as práticas pedagógicas vigentes. Esta relação tem um carácter dialéctico e bidireccional pois, por um lado, permite a passagem das exigências da sociedade à organização educativa e, por outro lado, possibilita transmitir os resultados da reflexão e da prática pedagógica educativa à sociedade.

É importante salientar que as organizações educativas têm o poder de mudar e de escolher um paradigma educacional diferente do paradigma dominante, e desenvolver contra-paradigmas. Utilizando uma abordagem sistémica verifica-se que os processos e as transformações são um aspecto fundamental de qualquer organização sendo, por isso, determinante o modo como se processam os fluxos de informação que atravessam o sistema educativo.

Bertrand & Valois (1994) identificam para cada paradigma sociocultural, os paradigmas educacionais e as abordagens pedagógicas correspondentes, sintetizadas na tabela seguinte.

205 Adaptação da noção de paradigma de Khun (1962,1970,1972) por Bertrand & Valois,

1994.

Tabela 1. Sinopse dos Paradigmas Socioculturais e Educacionais207 Paradigmas Educacionais Paradigmas Socioculturais (1) Dimensão Normativa Dimensão Exemplar Enfoque Principal Teorias Contemporâneas da Educação (Principais Modelos) Paradigma Paradigma

Racional Mecanicista Abordagem

Transmissão de conhecimentos e valores dominantes Teorias Académicas (2) Industrial Paradigma Tecnológico Abordagem Tecno-sistémica Eficácia da comunicação educativa Teorias Tecnológicas Paradigma Existencial Paradigma Humanista Abordagem Orgânica Desenvolvimento da pessoa Teorias Personalistas & Teorias Psicocognitivas (3) Paradigma da Dialéctica Social Paradigma Sociointeraccional Abordagem da Autogestão Pedagógica Abolição da exploração entre as pessoas Teorias Sociais & Teorias Sociocognitivas (4) Paradigma Simbiosinérgico Paradigma Inventivo Abordagem da Pedagogia Social de Autodesenvolvimento Construção de comunidades de pessoas Teorias Espiritualistas (5) (1) Definidos de acordo com os três pólos da dialéctica entre sujeito, sociedade e natureza. Estes paradigmas socioculturais são também associados a diferentes tipos de sociedade: Paradigma industrial associado a sociedades industriais; Paradigma existencial associado a sociedades centradas na pessoa; Paradigma da dialéctica social associado a novas

sociedades sem classes, autogeridas; Paradigma simbiosinérgico associado a novas comunidades (p.231).

São identificados outros modelos educacionais (com menor presença nos paradigmas) das seguintes teorias: (2) teorias sociais e sociocognitivas; (3) teorias académicas, tecnológicas e sociocognitivas; (4) teorias académicas; (5) teorias sociais.

207 Bertrand & Valois (1994: 53; 74-77; 231). Nota: Foi realizada adaptação de textos

Para que se possa compreender o que é uma educação empreendedora é importante verificar, à partida, qual é o paradigma que se tem por base. À luz das diferentes visões conceptuais, como é que o empreendedorismo e a educação em empreendedorismo podem ser perspectivados? Num paradigma sociocultural industrial pode ser realçada a transmissão de conhecimentos e técnicas para a criação de empresas; num paradigma existencial pode incidir-se sobre o perfil empreendedor com o objectivo de desenvolvimento de capacidades empreendedoras pessoais; num paradigma da dialéctica social pode trabalhar-se a necessidade de empreender de modo consciente e integrado na sociedade com o propósito de fazer evoluir mentalidades e desenvolver acções colectivas; num paradigma simbiosinérgico pode existir uma incidência nas relações heterogéneas e complementares de simbiose entre todos os seres e o universo no sentido de construir um espírito comunitário empreendedor sintonizado com o meio biofísico.

O problema actual, destacado na presente investigação, resulta das consequências do domínio do paradigma sociocultural industrial. Segundo Miller (2006b) os líderes do pensamento holístico identificam nos tempos actuais uma crise epistemológica. Uma crise que se encontra por detrás de compromissos políticos, sociais e económicos que desvendam uma definição e compreensão ilusória da realidade. Este modo de conhecimento tecnicista acaba por distorcer a vivência em sociedade e as formas de organização208.

O estilo de pensamento e conhecimento reducionista ou mecanicista é considerado como um problema primário da nossa civilização que permite que se lide com a terra e com a vida de forma utilitarista, manipulativa e racional. Tal como Bertrand & Valois (1994:208) defendem, a constante “dicotomia entre a pessoa e a sociedade e entre as pessoas e o meio biofísico está na origem dos desenvolvimentos e estabelecimentos humanos que se

criam desde há séculos” com o macroproblema mundial que isso tem acarretado. De acordo com os autores, a opção por determinada abordagem pedagógica implica uma adesão, implícita ou explícita, a determinado tipo de sociedade e aos respectivos projectos sociais e educativos209. Neste ponto é

necessário perceber, em primeiro lugar, qual é o tipo de sociedade que se pretende fazer evoluir. A educação tem um papel activo enquanto motor de uma mudança de paradigma e de construção dessa sociedade. Sabendo isso, qual é o sentido que se quer dar à educação empreendedora?

O caminho da presente investigação visa a desconstrução do modo como se tem conceptualizado a educação para o empreendedorismo para gerar uma nova abordagem. Esta abordagem enquadra-se, sobretudo, dentro do paradigma simbiosinérgico integrando os fundamentos das correntes espirituais da educação, sem esquecer os importantes contributos das correntes personalistas, cognitivas e sociais.

A finalidade do estudo não visa a apresentação de métodos, princípios ou ideais que possibilitem alcançar, no futuro, uma perfeita educação. Pretende explorar-se conceitos e compreender o que é essencialmente, no presente, uma educação empreendedora do um ponto de vista holístico. Tal como defende Krishnamurti (1981) o importante não é desenhar uma sociedade perfeita e idealista com padrões onde as crianças se encaixam. Isso gera um novo conformismo. Tanto mais que o idealista, tal como o especialista, centra-se na parte e não no todo. Ao olhar a educação de um modo integral importa perceber o que é que significa esse modo holístico de ver a educação e quais são as lentes dessa visão do todo. O passo seguinte é a compreensão de quais são as características principais das organizações educativas dentro desta abordagem.

209 De acordo com a tipologia definida, os paradigmas educativos sociointeraccional e

inventivo visam projectos de sociedade idênticos, no caso da dimensão espiritual do paradigma da simbiosinergia não ser considerada (Bertrand & Valois, 1994).