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2. Segunda Parte: Ferrovia e Trabalho

2.1 Os primórdios da ferrovia

Neste momento a população foi sacudida por um apito de ressonância pavorosa e uma descomunal respiração ofegante. Nas semanas anteriores viram-se grupos de trabalhadores que colocavam dormentes e trilhos, mas ninguém prestou atenção (...). Mas quando se recuperaram do espanto dos assovios e bufos viram assombrados o trem (...) o inocente trem que tantas incertezas e evidências, e tantos deleites e desventuras, e tantas mudanças, calamidades e saudades haveria de trazer para Macondo (Márquez, G.G., Cem Anos de Solidão, 1997, p. 100).

Em 6 de junho de 1860, depois de algumas modificações e discussões, o decreto 2.601 aprovou

os estatutos da Companhia de Estrada de Ferro de Santos a Jundiaí, que deveria construir a primeira

linha férrea em São Paulo. Nesse contexto, foram estabelecidas negociações com a Inglaterra para a

construção da estrada de ferro e aos 24 de novembro de 1860 inicia-se a construção. Menos de quatro

anos mais tarde inaugura-se o primeiro plano da estrada. Em 1866, a linha atingia São Paulo e no ano

seguinte alcançava Jundiaí, num percurso de quase 140 quilômetros, com bitola de 1,60m entre trilhos

(Zambello, 2005).

Essa ferrovia, conhecida como São Paulo Railway, se tornou a mais importante ferrovia paulista

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porto de Santos e conseqüentemente, o transporte de toda produção do Centro-Oeste e Oeste do Estado

de São Paulo. Apenas a partir de 1937 foi que se teve uma alternativa de ligação férrea para o litoral, a

estrada de ferro Mairinque – Santos, que proporcionou o fim da dependência aos sistemas ingleses de

transporte ferroviário.

A São Paulo Railway demonstra bem a imbricação entre estímulos internos e externos à expansão

ferroviária, pois nasceu do encontro de interesses entre empresários brasileiros e o capital inglês,

beneficiado pela proteção governamental. O capital inglês atuou onde, devido às dificuldades técnicas

e o alto custo, o capital cafeeiro não poderia atuar. No entanto, depois de feita a ligação entre o litoral e

centro-oeste do Estado, solucionando o problema da transposição da serra, o capital cafeeiro pôde agir,

construindo prolongamentos em direção à marcha do café.

A estrada de ferro em São Paulo nasceu intimamente ligada à produção de café, conforme já

afirmamos, pois, seus promotores foram os fazendeiros. Toda a rede ferroviária, com raras exceções,

foi construída em função da cultura cafeeira. Esses fazendeiros beneficiaram-se do trecho construído

pelo capital inglês e a partir daí lançaram-se no prolongamento das ferrovias, ampliando a fronteira

agrícola. Ao fazer isso, eles colocaram novas bases para o trabalho, aumentando a crise latente da

escravidão e acelerando a transição para o trabalho livre (Truzzi, 2000).

Construído o trecho que ligou o litoral ao planalto, a Companhia Inglesa não se interessou mais

pelo prolongamento de suas linhas além de Jundiaí. Coube então, aos fazendeiros, capitalistas e

homens públicos de São Paulo levar os trilhos para as áreas, que, na época, já vinham sendo dominadas

pelo café. O primeiro movimento com o intuito de expandir a malha ferroviária resultou na fundação da

Companhia Paulista de Estradas de Ferro, popularmente conhecida como Paulista.

Depois de acordos feitos entre o presidente da província de São Paulo, na época Saldanha

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prolongamento da sua linha. Realizou-se então, em janeiro de 1868, a primeira reunião da nova

companhia para a sua organização e assim fundou-se a Companhia Paulista de Estrada de Ferro. A

Paulista também contava com os privilégios de zona, que compreendiam a região delimitada entre a

margem direita do Rio Tietê e a margem esquerda do Rio Mogy-Guaçú; e garantia de juros. Mas, era a

primeira companhia que se organizava em São Paulo, como também a primeira a contar com elementos

exclusivamente provinciais vinculados com o café. Em março de 1870 iniciaram-se as obras da Paulista

que visavam ligar Jundiaí a Campinas e em 11 de agosto de 1872 foi inaugurado o trecho de 44

quilômetros com bitola de 1,60m, que fazia essa ligação.

Logo após o fim desse primeiro trecho inaugurado pela Paulista impõe-se a expansão da ferrovia

pelos fazendeiros que tinham seus interesses para além de Campinas. Assim, na década de 1870

tivemos não apenas o surgimento e a concretização da primeira etapa do sistema ferroviário, mas

também o início de sua expansão. A rede ferroviária Paulista surgia “na feição e na medida das

conveniências e aspirações das localidades imediatamente interessadas e na proporção dos seus meios

de ação” (Matos, 1990, p. 83).

Em maio de 1873, a Companhia Paulista assinou com o governo da província um contrato para a

construção de novos trechos. Os trabalhos dessa nova fase tiveram início em janeiro de 1874, e em

agosto de 1875 inaugura-se o trecho até Santa Bárbara, Limeira em junho de 1876 e Rio Claro em 11

de agosto do mesmo ano. Ainda não havia sido concluída essa linha e a Paulista empenha-se na

construção da linha da estação de Cordeiro, hoje Cordeirópolis, até as margens do Rio Mogy-Guaçú.

As obras começaram em fevereiro de 1876, sendo a linha inaugurada até Araras em abril de 1877, até

Leme em setembro do mesmo ano, Pirassununga em outubro de 1878 e Porto Ferreira em janeiro de

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A Companhia Paulista foi importante pelo pioneirismo e expansão ferroviária impulsionada pelo

capital cafeeiro. É evidente, portanto, que cafeicultores de outros municípios, como Mogi – Mirim e

Rio Claro, se interessem pelo investimento ferroviário, motivado pelo exemplo bem sucedido da

Paulista.

Assim, três Companhias de Estradas de Ferro surgem na década de 1870, não só com o intuito de

levar os trilhos de Campinas a outras regiões, mas, também visando promover a ligação de outras

regiões à capital, sem ter que utilizar o tronco inicial da Paulista ou a linha de São Paulo a Jundiaí. É o

caso da Ituana, que saindo de Jundiaí chegaria a Itu, organizada em 1870 e inaugurada em 187337; a

Sorocabana, que saindo de São Paulo chegaria a Sorocaba, organizada em 1870 e inaugurada em 1875.

E a Mogyana, também organizada por fazendeiros da região de Campinas, entre eles Antônio de

Queiroz Teles, Carlos Noberto de Souza Aranha, Bento Quirino do Santos e Barão de Ibitinga. Esta

última, que, saindo de Campinas chegaria a Mogi - Mirim, foi organizada em 1872 e inaugurada em

1875.

Figura: População e Estrada de Ferro em São Paulo, 1874

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Em um primeiro momento, pessoas interessadas na construção de ferrovias, em uma determinada região, se reuniam em associações, organizando-se para angariar recursos e a partir daí é que se começava a construção dos ramais de ferro.

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Fonte: Saes, Flávio A. Marques de. As Ferrovias de São Paulo 1870-1940. São Paulo, Hucitec, 1981. p. 40.

A Companhia Sorocabana era a que menos avançava das estradas paulistas, pois, as dificuldades

do seu traçado fizeram com que só em 1882 conseguisse alcançar Botucatu, com um ramal para Porto

Feliz e outro para Tietê, velhas cidades ribeirinhas. A região à margem esquerda do Tietê permaneceu,

juntamente com o Vale do Ribeira, as únicas áreas paulistas não ocupadas pelo café.

A Companhia Ituana depois de atingir Itu em 1873, conforme já explicitado, estende-se até

Capivari e Piracicaba em 1879. Mas, essa companhia não prolongou sua linha para além de Piracicaba,

de modo a atingir os municípios de Brotas e Jaú, como deveria ter feito. Ela lançou-se para os lados de

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A Companhia Ituana e a Sorocabana desde seu início apresentam-se como exemplos de linhas

deficitárias, uma vez que, nem Itu, nem Sorocaba produziam café e a região a ser servida por ambas

não comportava a existência de duas ferrovias. Assim, em 1880 as duas companhias se fundem e

acabam passando para o controle do governo do Estado e somente dessa forma é que conseguem

subsistir.

Certamente estas cidades foram apenas outros tantos pontos de partida para novas empresas, cuja

expansão se orientou no sentido das áreas mais produtivas de café. Foi assim que os cafeicultores

iniciam-se no manejo da empresa capitalista e aprendem a lidar com mecanismos de dividendos e

oscilações de ações, passando de senhores de escravos, a patrões de trabalhadores assalariados.