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Os Procedimentos Metodológicos e Suas Bases Teóricas

3.2 O RECORTE METODOLÓGICO

3.2.1 Os Procedimentos Metodológicos e Suas Bases Teóricas

Optei neste estudo, pela realização de uma pesquisa qualitativa e

participatória com ênfase no tipo etnográfico, incorporando uma abordagem

autoetnográfica. Penso que ambos os tipos de estratégias são apropriadas para o

estudo em questão, porque a abordagem etnográfica me permitiu interpretar a

narrativa dos membros da família em relação ao seu quintal, enquanto uma

autoetnográfica me permitiu analisar minhas próprias vivências em quintais e o

reflexo em minha subjetividade.

O estudo etnográfico surgiu do campo da antropologia, principalmente a partir

das contribuições de Bronislaw Malinowski e Franz Boas (Creswell, 2007). O objetivo

deste tipo de estudo é traçar um quadro holístico do sujeito, dando ênfase às suas

experiências cotidianas, não se conformando apenas com o que é dito pelos sujeitos

nas entrevistas, mas somando esta ao que é observado pelo pesquisador. Portanto, o

ver etnográfico vai além das percepções imediatas e seletivas, deve ser compreendido

em seu aspecto mais englobante possível, é perceber o ambiente e todas as relações

possíveis, com todos os sentidos. É deixar de fora os vieses e opiniões pré-concebidas,

inclusive moldando sua linguagem aos dos sujeitos participantes da pesquisa, sem,

contudo, deixar de lado a escrita acadêmica necessária.

Atentei desta forma, para o que Geertz (2008, p. 4) enfatizou: fazer etnografia

não é apenas usar um método, como definem os diversos manuais da etnografia, o

“que define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado

para uma descrição densa”.

Já a pesquisa autoetnográfica, de acordo com Butler (2009), George (2009) e

Chang (2007), visa conectar o self do sujeito à sua cultura. É o entendimento que o

sujeito tem de si mesmo, o estudo autoetnográfico dá ênfase a três aspectos: a- ser

narrativa escrita; b- aspectos da cultura; c- as narrativas do eu. Portanto, deve ter

uma orientação metodológica etnográfica, orientar-se numa interpretação cultural do

fenômeno (BUTLER; GEORGE, 2009; CHANG. 2007), e também partir de um

conteúdo autoetnográfico. O termo autoetnografia já vem sendo usado há mais de

dez anos, mas ainda é pouco inserido em nosso meio. Representa segundo Kock et.

al. (2012), “um gênero da etnografia que aprofunda a pesquisa.” O pesquisador é ele

mesmo sujeito da pesquisa, que busca na sua consciência suas próprias

experiências analisando os aspectos culturais e histórico-sociais do contexto em que

vive – outward - relacionando-o com uma análise interna de si mesmo, suas

emoções e afetos – inward (CHANG, 2007, p.216).

Seguindo as orientações de Chang, o passo inicial da pesquisa envolveu a

coleta dostextos de campo, pois,

Compor textos de campo ajuda os pesquisadores a se tornar conscientes da natureza limitante da memória de trazer detalhes para o “contorno esquemático da paisagem”. Clandinin e Connelly (2000) concordam que os textos de campo “ajudam a preencher a riqueza, a nuance e a complexidade da paisagem, re-enviando a reflexão do pesquisador para uma paisagem mais rica, complexa e intrigante do que a memória sozinha poderia reconstruir” (p. 83). (CHANG, 2007, p.216)

No entanto, coleta, análise e interpretação autoetnográfica são processos

interativos e interligados, frequentemente simultâneas, pois “os significados culturais

dos pensamentos do self e comportamentos – verbais e não verbais -, devem ser

interpretados em seu contexto cultural”

22

. (CHANG, 2007, p. 219). Assim utilizei

como método, as observações de campo, visto que, conforme Chang (2007, p. 37)

afirma, “um dos principais elementos da coleta de dados é observar o

comportamento dos participantes em suas atividades”. Bauer e Gaskell (2002, p. 14)

apresentam a mesma opinião, ao propor uma pesquisa social que vá além das

“palavras pronunciadas nas entrevistas”. Observando minha trajetória como

pesquisadora e outros pesquisadores sociais tenho percebido o quanto têm ficado

“de fora” outras formas de linguagem, como a expressão corporal e a relação dos

sujeitos com os objetos de sua casa ou do lugar preferido. Estas observações

mostram também que a relação pesquisador-pesquisado é permeada de

interpretações que só são possíveis na entrevista se o pesquisador estiver atento

22 “The cultural meanings of self’s thoughts and behaviors—verbal and non-verbal—need to be interpreted in their cultural context.” (CHANG, 2007, p.219).

aos comportamentos “sem palavras” do pesquisado, neste caso, o pesquisador faz o

papel de “tradutor” das mensagens. Contudo surgem ainda em mim outras

inquietações: Será que está “tradução” é fiel ao comportamento não verbal do

entrevistado? Como separar a realidade (fato) da fantasia? O que fazer com o

silêncio do participante? O que fazer com meu próprio silêncio?

Por isso, preferi o uso da entrevista narrativa como um aliado indispensável

para complementar esta coleta de dados, embora, por si, não represente uma

resposta definitiva às questões acima. Podem, entretanto, favorecer uma postura

crítica reflexiva no processo de interpretação. No caso, relatos verbais e histórias

apresentadas pelos narradores individuais sobre suas vidas e realidades

experienciadas. Nas entrevistas narrativas foram utilizadas inicialmente uma

pergunta disparadora (me conte a sua história em quintais), seguindo o modelo

proposto por Schutze (1977), e reeditado por Bauer e Gaskell (2002), que definiram

este tipo de entrevista como a reconstrução de “acontecimentos sociais a partir da

perspectiva dos informantes, tão diretamente quanto possível” (BAUER & GASKELL,

2002, p.93). O objetivo dessa proposta é furtar a interferência do entrevistador,

deixando o participante mais livre para trazer situações importantes do seu modo de

vida para a pesquisa.

Vale ressaltar, que esta abordagem narrativa só foi aplicada aos adolescentes

e adultos participantes; para abordagem com as crianças foi preciso utilizar outras

técnicas, como será detalhada mais adiante.

Os procedimentos de pesquisa adotados durante o trabalho de campo se

deram através de observações diretas e registros em diário de campo durante o

convívio com a família e que complementaram as entrevistas narrativas. Foram

realizados registros da história oral, levantamento socioeconômico da família, além

de várias situações informais que também constituíram importantes fontes e trocas

de informações.

De modo a preencher as lacunas deixadas pela entrevista e observação

participante, em um dado momento da pesquisa, adotei o uso de imagens e

tecnologias visuais, como complemento no referido estudo, reconhecendo os limites

impostos pelo uso de tais técnicas de pesquisa, os benefícios ao estudo que se

propõe, sobrepõem tais temores, como corroboram Campos (2011), e Bauer e

Gaskell (2002), no trecho abaixo:

Pela riqueza e extensão da informação prestada, e pela relativa facilidade de aplicação, a fotografia e o vídeo adquirem uma utilidade crescente, impulsionando a inovação dos procedimentos e exigindo um reequacionamento das práticas científicas. Importa, pois, reavaliar o papel destes utensílios bem como a sua capacidade de integração e de renovação dos paradigmas metodológicos validados pela academia. (CAMPOS, 2011, p. 238)

Fazia-se necessário o uso desses instrumentos de pesquisas, de modo que

as fotografias e a minha participação em algumas atividades com os moradores

foram intencionalmente provocados por mim, ao longo dos seis meses de visitas.

É preciso fazer algumas ressalvas quanto à limitação do processo participativo

durante o trabalho de pesquisa, devido à singularidade do espaço objeto de pesquisa

– o quintal: em alguns momentos as visitas ficaram mais esporádicas. Devido às

fortes chuvas que caíram na cidade entre os meses de abril a agosto, o cronograma

planejado para a pesquisa não pode ser cumprido, e precisei fazer novos ajustes,

como por exemplo, prorrogar as visitas até o mês de setembro, quando, enfim, pude

realizar as atividades propostas com as crianças, membros da família participante. As

observações etnográficas também sofreram algumas influências, típicas da pesquisa

deste tipo, pois os principais membros participantes “se arrumavam” para me receber,

ou paravam suas obrigações cotidianas para tal participação, ainda que eu informasse

que não haveria entrevistas naquele momento, queriam ser atenciosos com o

pesquisador-visitante, provavelmente. Afinal, a gentileza é um dos traços culturais que

marcam nossa gente.

Diante disso, procurei traçar meu próprio caminho associando os diferentes

métodos e recursos disponíveis no próprio ambiente, como propor para Leonor, a

plantação de uma muda de mastruz

23

que ganhei de uma amiga algum tempo atrás.

Como pode ser visualizada na figura 3, a seguir, a participante, à esquerda, está

preparando a terra para plantar a muda selecionada para tal atividade. Também com

as crianças, me foi proposto por uma das participantes fazer um piquenique no

quintal desta família, evento que praticamente se transformou em uma festa, visto

que outras duas personagens que não fizeram parte deste estudo estavam

presentes: uma sobrinha de nove meses e o sobrinho de treze anos, que de vez em

quando frequenta a casa da família Cidreira. Neste piquenique, pude realizar as

entrevistas com as duas crianças participantes, aqui apresentadas com os nomes

fictícios de Isabele, de seis anos de idade (filha do casal José e Leonor) e o primo, -

Pedro, de quatro anos de idade. Para obter os dados dessas duas crianças, me

apropriei da técnica do desenho com história, leitura de histórias infantis e de

brincadeiras infantis do meu tempo de criança, como o jogo de bolinhas de gude, por

exemplo. Todas as três atividades estavam ligadas ao quintal.

Figura 3 – Plantando Mastruz

3.2.2 Entre o cheiro da hortelã e o gosto da banana: a escolha do quintal