64 ANOS )
2.4 COMPONENTES DO DOMÍNIO DA MATEMÁTICA
2.4.1 OS PROCESSOS
Como dito anteriormente, para que um indivíduo possa realizar satisfatoriamente o processo de matematização, em diferentes situações e contextos, ele deve possuir algumas capacidades/habilidades matemáticas, que conjuntamente constituem a competência matemática. Tal fundamentação se originou principalmente das ideias de um dos membros do grupo de especialistas de matemática do PISA, que também é integrante do projeto KOM, Mogens Niss.
2.4.1.1 O Projeto Dinamarquês KOM e a sua Relação com o PISA
O projeto dinamarquês KOM 2000-2002 surgiu de um conjunto de orientações do Ministério da Educação da Dinamarca e do então Conselho Nacional para a Ciência e Educação Matemática, sob a direção de Mogens Niss, com a principal missão de criar uma base para uma profunda reforma na Educação Matemática do país. O objetivo principal do projeto era tratar as questões mais relevantes e problemáticas da Educação Matemática dinamarquesa, de modo a incluir as diferentes áreas e níveis educacionais.
Como ponto de partida desse projeto, Niss e equipe entenderam que, ao se planejar e analisar a formação matemática dos estudantes, seria fundamental definir o significado do que seria “dominar a Matemática”. A reflexão a respeito dessa definição incitou-lhes a necessidade de adotar uma abordagem baseada em um conceito que se tornou o centro desta proposta: o conceito de Competência Matemática. Tal decisão perpassava pelo estabelecimento de outras definições, que conjuntamente contribuiriam para a definição de tal conceito. Isso ocorreu devido à constatação de Niss e sua equipe (NISSS, 2010) de que os termos competency e competence não estavam bem-definidos no campo da Educação Matemática.
A diferença entre estes dois conceitos passou pela distinção entre o que seria a Competência Matemática, referindo-se ao domínio global da área, e quais seriam os componentes importantes, porém mais específicos, desse domínio global. Assim, ficou definido que o termo competence matemática significaria “conhecer, compreender, fazer, usar e possuir uma opinião bem-fundamentada sobre a Matemática em uma variedade de situações ou contextos onde ela pode vir a ter um papel” (NISS, 2010, p.32). Nesse caso, ficou definida a competência matemática como o domínio global da Matemática. Entretanto, como dito anteriormente, essa competência matemática – no sentido global – seria formada por um conjunto de outras competências: as suas componentes. Dessa maneira, esses pesquisadores definiram a competency como um termo utilizado para indicar as componentes importantes da Competência Matemática. Dito de outra forma, a competence matemática refere-se a uma competência de ordem global – a competência matemática - e a competency matemática indica as componentes importantes da competence, que, nesse texto denominaremos de habilidades matemáticas. Assim, usaremos a expressão competência matemática para nos referirmos à competência de modo global e a habilidade matemática para nos referirmos a uma competência de ordem específica.
Fazendo uma analogia com a competência linguística e relacionando essa competência com o domínio de um determinado idioma, cada uma das ações: ouvir, falar, ler e escrever seria uma habilidade que vai ajudar a compor a competência linguística. Assim, o projeto KOM procurou identificar as habilidades significativas da competência matemática análogas às quatro habilidades que compõem o letramento. Dando continuidade a essa analogia, as habilidades ouvir, falar, ler e
escrever também são as mesmas para o domínio linguístico do Português, nos diferentes níveis de ensino e o que os diferencia é a linguagem e os textos tratados. Ao se tratar da competência matemática, as habilidades também deverão ser as mesmas, do nível fundamental até um nível mais elevado, embora operem sobre “materiais substancialmente distintos.”
O projeto KOM identificou oito competências que podem ser listadas em dois grupos de quatro. O primeiro grupo está relacionado com “a habilidade para perguntar e responder perguntas em matemática e com a Matemática”, e é composto pelas seguintes competências: competência de pensamento matemático, competência no tratamento de problemas, competência de modelagem e competência de raciocínio. O segundo grupo está relacionado com “a habilidade para lidar com a linguagem matemática e seus instrumentos”, assim formado: competência de representação, competência em simbologia e formalismo, competência de comunicação e competência em instrumentos e acessórios.
Embora distintas, essas competências estão intimamente relacionadas entre si e, ao considerar o domínio de uma competência principal, outras são mobilizadas auxiliando na construção do raciocínio matemático, objetivando resolver uma determinada questão. Essas competências são específicas à Matemática, alcançam os diferentes níveis educacionais, desde a escola primária à universidade além de percorrer todos os temas da Matemática.
Para definir o conceito de competência matemática, o PISA utilizou como referência o trabalho de Niss e equipe, que destacaram oito competências matemáticas características:
Pensamento e raciocínio, que inclui:
a colocação de questões características da matemática («Haverá...?», «Se há, quantos?», «Como encontramos...?»); o conhecimento de tipos de respostas que a matemática
oferece a estas questões;
a distinção entre diferentes tipos de afirmações (definições, teoremas, conjecturas, hipóteses, exemplos, proposições condicionadas);
a compreensão e a utilização dos limites dos conceitos matemáticos.
Argumentação, que inclui:
o conhecimento do que são demonstrações matemáticas e de como é que diferem de outros tipos de raciocínio matemático; o seguimento e a avaliação de cadeias de argumentos
matemáticos de tipos diferentes;
a existência de um sentido heurístico (o que pode e o que não pode acontecer, e porquê);
a criação de argumentos matemáticos.
Comunicação, que inclui:
a expressão do sujeito numa variedade de modos, em assuntos com conteúdo matemático, sob forma oral e escrita; a compreensão de afirmações escritas ou orais de outros
sujeitos acerca desses assuntos.
Modelagem, que inclui:
a estruturação do campo ou da situação a serem modelados; a tradução da «realidade» em estruturas matemáticas;
a interpretação de modelos matemáticos em termos da «realidade»;
o trabalho com um modelo matemático; a validação do modelo;
a reflexão, a análise e a crítica de um modelo e dos seus resultados;
a comunicação acerca do modelo e dos seus resultados (incluindo as limitações desses resultados);
a monitoramento e o controle do processo de modelagem.
Colocação e resolução de problemas, que inclui:
a colocação, a formulação e a definição de diferentes tipos de problemas matemáticos (por exemplo, de matemática pura, de matemática aplicada, de resposta aberta e fechada); a resolução de diferentes espécies de problemas
matemáticos, numa variedade de modos.
Representação, que inclui:
a decodificação e a codificação, a tradução, a interpretação e a distinção entre formas diferentes de representação de
objetos e de situações matemáticas, e das relações entre as várias representações;
a escolha e a mudança de formas distintas de representação, de acordo com a situação e a intenção.
Uso da linguagem e de operações simbólicas, formais e técnicas,
que inclui:
a decodificação e a interpretação de linguagem simbólica e formal, e a compreensão da sua relação com a linguagem natural;
a tradução da linguagem natural para a linguagem simbólica/formal;
a utilização de afirmações e de expressões que contêm símbolos e fórmulas;
o uso de variáveis, a resolução de equações e o cálculo.
Uso de auxiliares e de instrumentos, que inclui:
conhecer e ser capaz de usar vários materiais de apoio e instrumentos (incluindo tecnologias de informação) que podem ajudar a atividade matemática;
o conhecimento das limitações desses materiais de apoio e instrumentos. (GAVE, 2004a, p. 23-24).
Cada uma dessas competências pode assumir níveis de domínio diferentes. As tarefas propostas pelo PISA não avaliam essas competências isoladamente, uma vez que a mobilização das mesmas ocorre em conjunto. O modelo teórico do PISA considera três grupos (classes) de competências, também denominados processos matemáticos, que estão baseados nas exigências cognitivas utilizadas na solução dos problemas: grupo de competências de reprodução, conexão e reflexão.
No grupo de reprodução, as competências compreendem a repetição de conhecimentos familiares, frequentemente testados em avaliações padronizadas e em testes de sala de aula (operações matemáticas simples). As habilidades estão ligadas de maneira muito próxima ao que é entendido como conteúdo. A aprendizagem do conteúdo, apesar de necessária, constitui-se apenas como o passo inicial no processo de aquisição da competência matemática. Ou seja, no modelo teórico do PISA, a competência matemática começa pelo conteúdo através da reprodução, para posteriormente ocorrer uma transição suave para o saber fazer.
As competências do grupo de conexão se baseiam nas competências do grupo de reprodução, mas exigem processos cognitivos relacionados à resolução de problemas (de resolução direta) para situações não rotineiras, embora em contextos familiares ou bem próximos disso.
O grupo de reflexão se baseia no grupo de conexão, integrando habilidades necessárias para a resolução de problemas que carecem de um pensamento matemático mais amplo, que geralmente ocorrem em situações mais distantes da vida do aluno, como, por exemplo, as situações científicas.
A classificação dos itens de Matemática em relação aos processos matemáticos é perfeitamente possível de ser realizada a partir das descrições apresentadas no Anexo VIII, baseadas nas oito competências exibidas anteriormente e na forma como se relacionam com os processos matemáticos (GAVE, 2004a).