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2 A NECESSIDADE DO CONTROLE SOCIAL E DO PODER PUNITIVO

2.3 A nova gestão do controle criminal

2.3.3 Os processos de decisão política

Os processos de decisão política a partir do debate já traçado indica-nos, que neste movimento tem predominado a defesa e a glorificação das práticas punitivas como único recurso para o controle social nos novos tempos. Um dos recursos que o capital se utiliza para manter a hegemonia do poder punitivo é a própria exibição da segurança pública como um espetáculo, Wacquant (2007) considera essa exibição como uma “pornografia da segurança”, que passa a ditar os discursos políticos por todo ocidente pela exaltação e priorização do “direito à segurança”.

Com a finalidade de apreender de forma mais específica esse processo, inclui-se a análise do papel dos políticos nesse novo momento, a qual se destaca nos estudo de Garland (2014). Os papéis por ele analisado se referem à atuação dos atores políticos, dos atores administrativos, do governante político, do administrador e dos ministros e secretários de Estado.

Em relação à primeira autoridade, os atores políticos, o autor destaca que esses estão condicionados às disputas eleitorais e, por isso, precisam apresentar medidas que passem uma imagem de credibilidade de Estado, logo, elas devem parecer inteligente, efetivas, expressivas, dentre outras características. Nesse caso, “o problema é mais de retórica política e de aparência do que de efetividade prática” (GARLAND, 2014, p. 250).

Já as demandas que envolvem a ação dos atores administrativos das organizações, elas estão voltadas para garantir o equilíbrio entre suas funções de responsabilidade e o atendimento de demandas externas, para isso, requerem do conhecimento de especialistas e de pesquisadores. O grande objetivo é “[...] cumprir suas missões institucionais de forma que ao menos pareça sintonizada com as preocupações dos seus chefes políticos” (GARLAND, 2014, p. 521).

O terceiro tipo de autoridade analisada, o governante político, segundo Garland (2014, p. 251) tem nas suas iniciativas o apelo político como instrumento de competição eleitoral, principalmente no campo midiático,

[...] consequentemente, elas [suas iniciativas e propostas] tendem a ser urgentes e passionais, motivadas por casos chocantes porém atípicos e mais preocupadas em se afinar com a ideologia política e com a percepção popular do que com os postulados do saber especializado ou com a capacidade provada das instituições.

Cabe ainda considerar as ações dos administradores, as quais se orientam pelos interesses da organização que representam e envolvem um período temporal maior, por requisitar a construção, por exemplo, de dados estatísticos, gerenciamento de recursos, entre outras funções (GARLAND, 2014).

Por fim, os ministros e os secretários de Estado estariam envolvidos num duelo entre as questões políticas e administrativas devido à responsabilidade que exercem dentro das organizações públicas e os interesses dos partidos que representam (GARLAND, 2014). A conclusão de Garland (2014, p. 252) é, então, elucidativa no sentido de possibilitar a compreensão que

O governante e o administrador. O discurso político e o administrativo. O escopo e as condições de ação em cada caso são bem diferentes, na medida em que ambos guiam racionalidades, valores e interesses. Como veremos, estas diferenças de posição têm ditado as diferentes maneiras pelas quais o dilema do controle do crime tem sido tratado, e produzido tensões no processo de formação de políticas públicas.

Um dos desafios das pesquisas nesse campo condiz, portanto, à compreensão das contradições que pautam a política criminal na contemporaneidade. Os estudos de Wacquant (2007) são fundamentais, nesse sentido, principalmente no que se refere à experiência norte-americana e os mitos que regem as ações do poder penal nesse país.

O primeiro desses mitos aponta que as inovações policiais e penais foram as responsáveis pela queda dos altos índices de criminalidade, enquanto aumentavam essas taxas em outros países. A afirmação apresentada, segundo Wacquant (2007), pauta-se sobre dados comparativos que não têm a mesma base de elaboração em cada país. Ainda nesse sentido, ao trabalhar com as taxas estabelecidas pela International Crime Victimization Survey15, o autor aponta que os

15

Esta “é uma pesquisa por questionário, aplicada em domicílios, realizada a cada quatro anos, desde 1989, por criminologistas da Universidade de Leyden, sob a égide do Ministério da Justiça da Holanda e da Interregional

Criminological Justice Research Institute, da Organização das Nações Unidas, com base em Roma. Ela mede e

compara a prevalência, a incidência e a evolução das taxas de vitimização criminal em cerca de 15 países avançados” (WACQUANT, 2007, p. 413).

Estados Unidos no ano de 1995 (período anterior à implementação da política de tolerância zero) não lideravam os índices de criminalidade numa relação entre 11 países. No total geral, aquele país ocupava a sétima posição, estando atrás de países como Holanda, Inglaterra, Suíça, Escócia, Canadá e França. “No entanto, foi para Nova Iorque e não para Belfast ou Viena que os políticos e os novos especialistas em criminalidade de toda a Europa se dirigiram em busca do Santo Graal da segurança” (WACQUANT, 2007, p. 414).

Outro mito se refere à ação policial em Nova Iorque no governo de Rudolph Giuliani utilizada como instrumento capaz de “dissolver” a criminalidade. Na verdade, a partir de fatos, Wacquant (2007) demonstra que as taxas de criminalidade começaram a cair antes mesmo deste governo, mas a sensação de insegurança não se reduzia, principalmente, pela ascensão da cobertura midiática. Outro fato para contra-argumentação está na queda da criminalidade em cidades que não adotaram as ações de “tolerância zero”. Da mesma forma, anteriormente já se tinha posto em prática ações semelhantes.

O autor vai, então, elencar seis fatores que teriam propiciado a redução dos índices de violência criminal nos anos de 1990. Primeiramente, o crescimento econômico gerou empregos a milhões de jovens dos guetos, mesmo que em condições precárias. A mudança na dinâmica do tráfico de drogas, o qual se centralizou, contribuindo para redução da disputa pelo seu comércio, e assim, para redução do número de homicídios. O aumento do consumo de outras drogas não comercializadas em locais públicos é apontado como outro fator. Em seguida, considera-se que a redução do número de jovens, principalmente entre 18 e 24 anos, também influenciou a redução da criminalidade, visto que esse é um público autor de infrações violentas.

Entretanto, para além desses fatores, há um fator de ordem moral, o qual se refere ao

[...] efeito-aprendizagem geracional, denominado pelos criminólogos de “síndrome do irmão mais novo”, em virtude do qual as novas legiões de jovens nascidos após 1975-1980 se distanciaram das drogas pesadas e do estilo de vida perigoso que lhes é associado, numa deliberada recusa em sucumbir ao destino macabro que eles viram se abater sobre seus irmãos mais velhos, primos e amigos de infância que caíram na linha de frente das “guerras de rua” do final dos anos 1980: toxicomania incontrolável, reclusão criminal, prisão perpétua, morte violenta e prematura (WACQUANT, 2007, p. 425).

Esse foi o conteúdo de as várias campanhas de sensibilização e prevenção organizadas pelas comunidades locais, que, então, contribuíram para diminuição da criminalidade (WACQUANT, 2007).

O último fator destacado pelo autor refere-se aos altos índices de violência criminal, que eram naquele período incomuns e, por isso, tendiam a cair (WACQUANT, 2007).

Vê-se que todos esses fatores comprovam que não há relação entre a intensificação das ações policiais e do sistema judiciário, como também da expansão prisional com a redução dos índices criminais (WACQUANT, 2007).

Na verdade, a chamada política de “tolerância zero”, que segundo Wacquant (2007) está em desuso nos Estados Unidos, corroborou muito mais para um conjunto de mudanças burocráticas (estas sim, são enfatizadas), entre as quais se destacam as seguintes propostas: descentralização dos serviços, diminuição dos níveis hierárquicos, expansão dos recursos humanos e financeiros, desenvolvimento de novas tecnologias de informática para compartilhamento de dados e a revisão dos planos de ação.

Logo, “[...] essa burocracia transfigurou-se na cópia perfeita de uma ‘empresa de segurança’ zelosa, dotada de recursos humanos e materiais colossais, e de uma aparência ofensiva” (p. 432).

Estas mudanças burocráticas têm sido propagadas como uma nova política de segurança “made-in-USA”, entretanto, deve-se atentar que o decifrar de sua essência denuncia que estas estão

[...] desprovidas de qualquer validade científica, e sua eficácia prática está baseada numa fé coletiva sem fundamentação na realidade. Porém, dispostas em conjunto, elas funcionam como uma base planetária para uma brincadeira intelectual e um exercício nas artimanhas políticas, que, atribuindo uma garantia pseudo-acadêmica ao difuso ativismo da polícia, contribuem poderosamente para legitimar a passagem para a gerência penal da insegurança social, que está sendo gerada, por toda parte, pela retirada do Estado dos campos social e econômico (WACQUANT, 2007, p. 443).

A análise de Garland (2014, p. 270) complementa essa passagem, tendo em vista que o autor entende que no processo em voga, os objetivos institucionais radicais são: “redistribuir a tarefa de controlar o crime, atribuir responsabilidades a outros, multiplicar o número de autoridades efetivas, formar alianças, arranjar as coisas de modo que as iniciativas de controlar o crime sigam os comportamentos criminógenos [...]”.

A poder punitivo neoliberal se espalha, assim, para todos os campos determinando as estratégias de controle social sobre as populações desprotegidas e reféns das precárias condições de trabalho. Entretanto, esse movimento não ocorre de forma homogênea entre os

países, é necessário, portanto, compreender esse processo relacionando-os às particulares dos países.