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“As especificidades do trabalho em saúde demarcam um campo específico das práticas, sendo que estas se desenvolvem em um espaço de encontro e de intervenção denominado de espaço intercessor, enquanto espaço onde se processa a produção de ações de saúde e onde cada trabalhador potencialmente pode decidir coisas, ou seja, exerce certo autogoverno” (MERHY, 1997, p. 71).

A operação cotidiana desse autogoverno, do estabelecimento de espaços intercessores na produção de atos de saúde se dá através do "trabalho vivo em ato" aquele que ocorre no momento mesmo em que ele se realiza no imediato fazer da produção do serviço. A mudança assistencial dar-se-ia a partir da reorganização do processo de trabalho estruturado na ação multiprofissional.

E aí se dá o ponto-chave da entrevista: a interação com a equipe. Em todas as falas, surge uma preocupação grande com as equipes, com a melhoria das condições de trabalho, com o contato constante, com o vínculo. Nas falas a seguir é evidente a afirmativa.

“Acho que o mais importante é sempre ter em mente que gestão além de ser comprometimento como equipe, passa também pela visão global e estratégica da saúde publica. Temos que estar atentos ao que acontece em nossas ESF e também sempre procurando o que, e como fazer para melhorar sempre.” (Gestor A).

“Hoje a relação nossa com as equipes é boa, a gente tem um contato bom de convívio, de diálogo. A gente conseguiu, dentro de algumas melhorias que a gente trouxe à equipe, incentivar mais os profissionais a trabalhar [...]. A gente tem tido bom contato.” (Gestor C).

“Mas a questão é que a maior dificuldade era puxar todo mundo pra trabalhar junto e foi feito.” (Gestor B).

“A gente tenta manter esse fluxo até pra poder interagir diretamente com os coordenadores de unidade, eles estarem próximos, inseridos no cotidiano de suas Unidades respectivas, pra não ser só aquela história assim: só vai ao dia da reunião; não, ele tá ativo dentro dessas unidades.” (Gestor B).

Na fala do Gestor C também é possível identificar a participação da equipe para definição de prioridades e resolução de problemas e a busca pela construção da autonomia nos profissionais. A seguir os fragmentos desse relato:

“Quando assumimos a gestão, uma das coisas que a gente fez foi chamar todos os coordenadores de setores e vários profissionais e apresentar para eles todos os projetos, programas, as leis que regem os SUS e que estão na estratégia, os projetos que nós poderíamos programar e que tinham no município e nós podíamos complementar. Dentro disso a gente divide tarefas. Cada estratégia, cada unidade, cada profissional que ta compondo a gestão. Ele tem sua tarefa, dentro de cada planejamento. A gente dá total liberdade, para que, dentro da lei e dentro do orçamento e das diretrizes que nós temos nas ações anuais de saúde, os profissionais possam estar implementando ações de saúde voltadas a população. [...] A gente consegue chegar aos profissionais e orientar, buscar soluções; [...]. A gente está sempre no diálogo, sempre tentando conversar, entender por cada região de saúde, cada unidade, o problema específico daquele local. A gente dá muita liberdade desse contato, muita liberdade dos coordenadores de propor as ações, até de propor ações diferentes para certa unidade ou outra, de acordo com o que o usuário também se identifica. O nosso convívio hoje na gestão é de uma forma descentralizada, de forma a ouvir todos e tomar sempre as melhores decisões compondo com toda a equipe. Toda a nossa programação anual de saúde, nosso PPA foi montado por todos os coordenadores juntos, de todos os setores da saúde mais alguns profissionais convidados.” (Gestor C).

É dominante nos depoimentos a ênfase no trabalho junto às pessoas, reconhecendo-o como condição fundamental para que, de fato, a unidade funcione. A liberdade, criatividade e autonomia no processo de trabalho dos profissionais de saúde foram vista pelos sujeitos como uma possibilidade para o modelo de gestão baseado no “improviso” (LIMA, 2012).

Esse é um movimento presente nos cotidianos dos serviços de saúde, que pode nos induzir a um processo de improvisação que tanto pode nos levar a produzir potência de morte, quanto o seu reverso; a criatividade e a, liberdade criativa como potência de vida. (LIMA, 2012, p. 13)

Os serviços de saúde, então, são uma arena em que diversos atores, que se produzem micropoliticamente e tem intencionalidades em suas ações, disputam o sentido geral do trabalho. Atuam fazendo uma mistura, nem sempre evidente, entre seus territórios povoados de ação, dotadas de liberdade e criatividade, e o processo público de trabalho. O cotidiano, portanto, tem múltiplas faces e está em permanente produção (FEUERWERKER, 2014).

Os gestores (federais, estaduais e municipais do SUS e também os das operadoras de saúde suplementar) cumprem um papel decisivo na conformação das praticas de saúde por meio das politicas, dos mecanismos de financiamento, das condições materiais e de práticas de trabalho oferecidas aos trabalhadores para sua ação etc., mas não governam sozinhos.

Apesar de haver uma direção – a do gestor, a quem compete governar – na verdade todos governam: gestores, trabalhadores e usuários. Matus (1987), desde o

planejamento estratégico, já chamava atenção para o fato de que todos planejam (e governam), apesar de contarem com recursos de poder e governabilidade distintos.

Importante dizer, que do mesmo modo como ocorre com trabalhadores e usuários, os gestores em suas diferentes esferas de atuação são atravessados também por uma multiplicidade de planos, linhas, vetores, potencializados por alguns encontros, despotencializados por outros. A política, nos espaços de governo, também é fabricada micropoliticamente. E também é atravessada molaramente e molecularmente por diferentes linhas (FEUERWERKER, 2014).

Feuerwerker (2014, p. 68) cita, ainda, que “a gestão é compartilhada na prática”. Essa forma de condução de processos se repete para todos os níveis de produção, é social e subjetivamente determinada e vai configurando essa micropolítica, que é entendida como o agir cotidiano dos sujeitos, na relação entre si e no cenário em que eles se encontram (FRANCO, 2006).

No município de estudo, é possível observar que as experiências destes gestores indicam o quanto suas modalidades de prática de gestão encontram-se na encruzilhada entre vários planos de constituição. Por um lado, é expressão de processos subjetivos, de suas trajetórias profissionais, ao mesmo tempo, é fruto de possibilidades que se constroem na organização compreendida como instância grupal e, num outro nível de análise, têm origem em processos institucionais e conjunturais. Essas características do modo de agir dos gestores entrevistados levam a construir condições para mudanças, o que pode estimular o trabalho em equipe, a autonomia dos profissionais ao participar das ações e decisões em saúde e na reorganização do processo de trabalho multiprofissional; a preocupação com as condições de trabalho das equipes para a construção de vínculo gestor-trabalhador da ponta e – usuário também foi vista nas falas dos entrevistados.

As características destas experiências de gestão procuram construir condições para processos de mudança por meio de experiências anteriores, de estratégias de trabalho e do sistema de gestão que procuram desenvolver, estimulando o trabalho em equipe e a autonomia do profissional.

Assim, quanto às estratégias de trabalho destaca-se no relato dos entrevistados a importância da articulação de todos os profissionais comprometidos com a saúde neste município, em busca de apoio para o funcionamento das unidades de saúde,

no contexto da ESF. É comum a criação de dispositivos nos processos de trabalho que permitam pactos, acordos quanto aos rumos das unidades saúde e seu modo de funcionamento interno.