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pessoas se assustaram muito, porque lhes foi um pouco acenado, e aí eu acho que houve alguma demagogia, (...) uma visão um bocado catastrofista e de holocausto, que vai ser o fim do mundo, vão partir tudo, vão contaminar tudo e, (...) eu diria “iliteracia científica” da maioria da população (...)”155

No sentido de procurar obter o testemunho em primeira mão de membros integrantes em movimentos de oposição à pesquisa e produção de petróleo para compreender que razões motivam essa oposição e que cenários se desenrolaram no decorrer do ativismo encabeçado pelas associações que lutaram e lutam pela extinção dos contratos de concessão para a exploração e pesquisa de petróleo em Portugal, entrevistámos um dos membros do Movimento Tavira em Transição, a Professora Teresa Afonso, cujo testemunho será analisado ao longo do seguinte capítulo.

Outro factor que torna extremamente relevante o estudo dos objectivos e metodologias de acção assumidos pelos movimentos de oposição à prospecção e exploração de petróleo em Portugal, prende-se com o facto de, na região algarvia, terem sido canceladas seis concessões algarvias designadas para a pesquisa e produção de hidrocarbonetos no seguimento do ativismo social e ambiental apresentado pelas populações, que em massa se opuseram a este processo envolto em secretismo e desprezo das motivações populacionais.

Capítulo V

5.1. Os processos que marcaram a atribuição e cancelamento de concessões na região algarvia

Em Maio de 2007, é elaborado pelo Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, sob a administração de Francisco Nunes Correia, um relatório denominado de “Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve - Um Território com Futuro”, cuja abrangência territorial inclui os concelhos de Albufeira, Alcoutim, Aljezur, Castro Marim, Faro, Lagoa, Lagos, Loulé, Monchique, Olhão, Portimão, São Brás de Alportel, Silves, Tavira, Vila do Bispo e Vila Real de Santo António (consultar figura 50). Nesta região, existem diversos parques naturais e reservas ecológicas cuja biodiversidade e características biofísicas lhe conferem um elemento fundamental para a preservação do meio ambiente, integrados na Rede Nacional de Áreas Protegidas156, no plano comunitário da Rede Natura 2000157, bem como em Zonas de Proteção Especial.158

155Entrevista a Nuno Pimentel. 22 de Maio de 2017.

156São nesta Rede integradas a “Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António,

Parques Naturais da Ria Formosa e do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, Sítios Classificados da Rocha da Pena e da Fonte Benémola.” Informação presente no “Plano Regional de Ordenamento do Território Algarve - um Território com Futuro”, Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento

Análise da decisão portuguesa de atribuição de concessões para a pesquisa e prospecção de petróleo na costa algarvia à luz do quadro europeu de combate às alterações climáticas

Neste relatório, são enumeradas algumas das ameaças geográficas a que esta região portuguesa se encontra exposta, encontrando-se entre outros fatores o fenómeno de alterações climáticas: “Vulnerabilidade à desertificação do solo e às alterações climáticas; Vulnerabilidade de aquíferos à contaminação e sobre-exploração; Sensibilidade da linha de costa a dinâmicas de caráter erosivo; Possibilidade de desertificação do interior (...).”159

Na apresentação de pressupostos de desenvolvimento da região algarvia no horizonte de 2030, o mesmo relatório expõe os seguintes objetivos: “O desenvolvimento dos serviços e criação de novos nichos de serviços de “exportação” passarão por (...) uma aposta nos serviços avançados, de carácter pessoal ou empresarial, e nas actividade relacionadas com as energias renováveis e com o ambiente.”160

No mesmo ano em que é divulgado o PROT ALGARVE, são assinados 12 contratos para a prospecção e desenvolvimento de produção de petróleo, no entanto nenhuma das concessões se situa na região algarvia. Só em 2011 se verifica a celebração de contratos para a exploração de petróleo no deep-offshore da Bacia Algarvia, com a atribuição das concessões “Lagosta” e “Lagostim” ao consórcio Repsol/RWE. Quatro anos mais tarde, o Estado Português volta a celebrar contratos de concessão para a Costa Algarvia, cedendo os direitos de pesquisa e exploração no deep-offshore das concessões “Sapateira” e “Caranguejo” ao consórcio Repsol e Partex. No mesmo mês, são assinados mais dois contratos de concessão com a recém-criada petrolífera de Sousa Cintra, para a prospeção e produção de petróleo no onshore das áreas denominadas de “Tavira” e “Aljezur”.

O período de atribuição de licenças para a exploração de hidrocarbonetos no Algarve foi caracterizado pela AMAL (Comunidade Intermunicipal do Algarve) como uma “(...) ausência constante de informação quer aos municípios quer à Comunidade Intermunicipal do Algarve

Regional (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve), Maio de 2006. P. 96 Fonte: http://www.prot.ccdr-alg.pt/Storage/pdfs/Volume_I.pdf

157Nomeadamente a Costa Sudoeste, Ria Formosa/Castro Marim, Guadiana, Monchique, Ribeira da Quarteira,

Barrocal, Cerro da Cabeça, Arade/Odelouca, Caldeirão, Ria de Alvor, Leixão da Gaivota e Piçarras. Informação retirada da página do ICNF - Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas. Fonte: http://www.icnf.pt/portal/icnf/organica/apc-alg

158Incluídas neste grupo as zonas: Castro Verde, Vale do Guadiana, Piçarras, Costa Sudoeste, Monchique,

Caldeirão, Leixão da Gaivota, Ria Formosa e Sapais de Castro Marim. Informação retirada da página do ICNF - Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas. Fonte: http://www.icnf.pt/portal/pn/biodiversidade/rn2000/resource/docs/rn-pt/mapa-zpe-2016-11-15.pdf

159“Plano Regional de Ordenamento do Território Algarve - um Território com Futuro”, Ministério do Ambiente, do

Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve), Maio de 2006. P 18. Fonte: http://www.prot.ccdr-alg.pt/Storage/pdfs/Volume_I.pdf

160“Plano Regional de Ordenamento do Território Algarve - um Território com Futuro”, Ministério do Ambiente, do

Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve), Maio de 2006. P. 20. Fonte: http://www.prot.ccdr-alg.pt/Storage/pdfs/Volume_I.pdf

Análise da decisão portuguesa de atribuição de concessões para a pesquisa e prospecção de petróleo na costa algarvia à luz do quadro europeu de combate às alterações climáticas

bem como aos cidadãos algarvios, por parte dos sucessivos Governos (...).”161, acrescentando os perigos que as atividades associadas às diferentes fases de pesquisa e de exploração representam no panorama natural da região algarvia: “(...) como é que a eventual realidade se compatibiliza com o Desenvolvimento Sustentável que preconizamos para a Região, alicerçada fundamentalmente no Turismo (...), potenciação dos recursos endógenos e de indústria não poluente ou limpa, com a prática de uma atividade contrária e desfavorável ao que defendemos. (...) colocamos as mais sérias e fundamentadas dúvidas quanto à compatibilização das atividades autorizadas, com os valores ambientais e a biodiversidade em presença, nomeadamente em territórios de Reserva Agrícola Nacional, Reserva Ecológica Nacional, Rede Natura 2000 e Parques Naturais.”162

Efetivamente, a decisão de atribuição de concessões para a exploração de hidrocarbonetos na região algarvia não só agrava a problemática global das alterações climáticas, como inviabiliza as políticas nacionais e europeias neste tema, mas essencialmente esta decisão não espelha qualquer preocupação com os valiosos elementos naturais, biológicos, ambientais, patrimoniais e paisagísticos que a região algarvia encerra, tornando-a como um verdadeiro ponto de atratividade de turismo ecológico e ambiental, pelo estado favorável de conservação que no Algarve se encontra.

O estabelecimento de contratos com horizonte de meio século, entre 2007 e 2015, para além de inviabilizar metas de combate às alterações climáticas tais como a transição completa para economias hipo-carbónicas em 2050, ignora diversos riscos ambientais associados aos processos que compõem a industrialização de petróleo, nas fases de pesquisa e prospecção (que envolvem inicialmente a operação de estudos sísmicos, análise de dados, planeamento de atividades, sondagens exploratórias e perfurações preliminares, que culminam na perfuração de poços de avaliação), bem como os estágios de desenvolvimento e produção de petróleo (que incluem na sua acção o planeamento dos processos de produção, o desenvolvimento e operacionalização de instrumentos e estruturas para efetivar a extração, transporte e produção dos recursos petrolíferos, terminando assim na produção contínua e consequente comercialização de óleo em mercado).

Deste modo, durante a fase de realização de estudos sísmicos no mar, são causados junto das espécies marinhas efeitos adversos: “As oil and gas reserves become scarcer, offshore

161“Nota à comunicação social - Exploração de petróleo e gás natural no Algarve”, AMAL - Comunidade

Intermunicipal do Algarve, 9 de Dezembro de 2015. Disponível na Plataforma PALP. Fonte: https://drive.google.com/drive/folders/0B3Rm4bFRcqgXM1l2Qm9scmM3a0k

162“Nota à comunicação social - Exploração de petróleo e gás natural no Algarve”, AMAL - Comunidade

Intermunicipal do Algarve, 9 de Dezembro de 2015. Disponível na Plataforma PALP. Fonte: https://drive.google.com/drive/folders/0B3Rm4bFRcqgXM1l2Qm9scmM3a0k

Análise da decisão portuguesa de atribuição de concessões para a pesquisa e prospecção de petróleo na costa algarvia à luz do quadro europeu de combate às alterações climáticas

exploration is moving into more environmentally sensitive and difficult habitats. (...) They also produce a loud pulse that is damaging to marine life because it is a sharp sound, with a fast rise time, and because it spreads between intervals, substantially raising the background level of noise in the ocean. More environmentally benign alternatives exist, yet these are not being used by industry.”163 Não só são desconsiderados nas cláusulas contratuais os efeitos negativos das pesquisas sísmicas junto da biodiversidade marinha, como se ignoram igualmente os efeitos que estas perturbações às espécies marinhas poderão causar no sector piscatório, essencial na organização económica das populações do litoral algarvio. Neste aspecto, António Mendes Bota expõe o seguinte no seu manifesto sobre o petróleo no algarve: “A aquisição de dados sísmicos utiliza disparos de canhões de ar em direcção ao fundo do mar para gerar ondas sonoras e assim obter informação sobre as linhas sísmicas, provocando a fuga do peixe (...). O Governo não tem instrumentos legais para pagar compensações a pescadores e armadores.”164

Também ao nível dos impactes da pesquisa e produção de petróleo no deep-offshore, a questão dos perigos associados às verdadeiras descargas químicas que acabam por se juntar às águas do oceano, decorrentes das descargas de líquidos utilizados no processo de pesquisa e perfuração no mar, bem como a possibilidade acrescida da ocorrência de derrames ou outros acidentes que contaminem os cursos de água, afetando a biodiversidade marinha e não só, danificando as zonas costeiras e criando verdadeiros perigos à saúde pública. Neste aspecto, José Mendes Bota esclarece que o litoral algarvio não está dotado de instrumentos de resposta na eventualidade de uma catástrofe ambiental relacionada com a produção e exploração de hidrocarbonetos: “(...) existirá uma duplicação de riscos de catástrofe ambiental para o Algarve. Podem ocorrer pontos de fuga pequena no curto ou no longo prazo ou até uma ruptura de hidrocarbonetos. A dissolução, a diluição e a transferência de produtos líquidos ou gasosos no ambiente marinho podem provocar impactos tóxicos no sistema biológico envolvente.”165

163“Statement of Concern about Seismic Activities to Explore Hydrocarbon Resources in the Waters of the

Algarve”, Alianza Mar Blava, Animal Welfare Institute, MEER e.V.2.Morigenos – Slovenian Marine Mammal Society, NRDC, OceanCare, Ocean Conservation Research, Ocean Mammal Institute, Oceanomare Delphis Onlus, Pro Wildlife e.V., Salvia Team, Vivamar Society for the Sustainable Development for the SeaWild Migration, Whale and Dolphin Conservation, Wildmigration Network, 3 de Fevreiro de 2016. Disponível na Plataforma PALP. Fonte: https://drive.google.com/drive/folders/0B3Rm4bFRcqgXTDZJVWg5Wm9iOWc

164“PETRÓLEO NO ALGARVE: 10 RAZÕES DE DISCORDÂNCIA”, José Mendes Bota, 27 de Fevereiro de

2012. Pp.1-2. Disponível em: http://docplayer.com.br/38002501-Petroleo-no-algarve-10-razoes-de- discordancia.html

165“PETRÓLEO NO ALGARVE: 10 RAZÕES DE DISCORDÂNCIA”, José Mendes Bota, 27 de Fevereiro de

2012. P. 2. Disponível em: http://docplayer.com.br/38002501-Petroleo-no-algarve-10-razoes-de- discordancia.html

Análise da decisão portuguesa de atribuição de concessões para a pesquisa e prospecção de petróleo na costa algarvia à luz do quadro europeu de combate às alterações climáticas

Relativamente aos possíveis impactes decorrentes da presença de empresas em território e mar português, na região algarvia, a Plataforma Algarve Livre de Petróleo faz uma síntese daqueles que representam os maiores perigos: “A destruição de ecossistemas, a diminuição da qualidade e quantidade do pescado, a poluição do ar, água e solo são apenas alguns dos muitos riscos acarretados pela exploração petrolífera. No entanto, os riscos de acidente estão associados a qualquer tipo de exploração e podem conduzir a catástrofes de grandes dimensões e caráter dificilmente reversível.”166

5.2. As características dos movimentos de oposição à pesquisa e exploração de