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Os programas de remoções de favelas e a presença

empresarial no aparato estatal

Políticas de mera expulsão e/ou deslocamento forçado acompanharam quase toda a história das favelas cariocas, assumindo distintas formas e variados graus de intensidade. Ao longo da Primeira República, por exemplo, foram frequentes as investidas policiais para a derrubada de casebres em algumas das favelas que pontilhavam o centro da cidade279. Já nos últimos anos do Estado Novo, como resultado do esforço para efetivar as disposições do Código de Obras de 1937280, o caráter eventual daquelas batidas foi substituído pela política mais estruturada dos Parques Proletários Provisórios, que propunha a transferência dos favelados para conjuntos de casas edificados pelo poder público nas proximidades das áreas de onde eram removidos. Nesses conjuntos, que nunca superaram o estatuto da provisoriedade, caracterizado pelas construções de madeira, a administração exercia grande controle sobre a vida cotidiana dos moradores281.

Contrariando o sentido dessas intervenções anteriores, o período 1945-1962 foi marcado pelo predomínio de uma postura do aparato estatal que Rafael Gonçalves descreveu como “tolerar sem consolidar”282. Naquele momento, mesmo sem qualquer alteração nas disposições legais que disciplinavam o espaço das favelas (proibição de novas construções, determinação de substituição dos casebres por outras habitações, etc), proliferaram iniciativas do poder público calcadas na instalação de pequenas

279 MATTOS, Romulo Costa. “Tentativas de remoção e resistência dos moradores de favelas na

Primeira República: a atualidade de uma história”. In: Anais do VII Colóquio Internacional

MarxEngels. Campinas: UNICAMP, 2012. Disponível em

http://www.ifch.unicamp.br/formulario_cemarx/selecao/2012/index.php?texto=mesa. Acesso em 10/02/2013.

280 PARISSE, Luciano. Favelas do Rio… Op. Cit. p.32.

281 Entre maio de 1942 e o final de 1943, foram construídos três Parques (Gávea, Caju e Praia do Pinto), que receberam os moradores de quatro favelas destruídas. IDEM. Ibidem. pp.65-76. Um último suspiro dessa política foi verificado em 1947, com a inauguração de um parque, frequentemente negligenciado pela bibliografia, na localidade denominada Amorim. GONÇALVES, Rafael Soares.

Favelas do Rio… Op. Cit. p.139 (nota 54).

melhorias em diversas localidades283. Paralelamente, com exceção de demolições esporádicas de barracos – por parte da polícia, ou de agentes de outros órgãos públicos284 –, não foi adotada nenhuma iniciativa visando ao deslocamento compulsório dos favelados. Nos termos de Gonçalves, esses elementos resultaram em um cenário em que

“A tolerância à aplicação da lei acabou se impondo, mas de tal forma que esse processo teria continuamente de ser considerado como uma exceção à lei. A não aplicação da norma não poderia, de forma alguma, desencadear um reconhecimento de fato das favelas capaz de gerar, como consequência, algum direito aos seus moradores. Tratava-se, portanto, de manter a legitimidade simbólica da norma, permitindo, contudo, paradoxalmente, sua aplicação de forma arbitrária e seletiva”285.

A partir de maio de 1962, no entanto, uma profunda reorientação no sentido da atuação de setores do aparato estatal inauguraria o que o historiador Mario Brum designou como sendo a “era das remoções”286, que se estenderia até os primeiros anos da década de 1970. Não havendo ineditismo na prática de remover favelados, a qualificação de Brum justifica-se plenamente pela conjugação de quatro fatores decisivos: o grau de predominância das remoções em termos das intervenções do poder público nas favelas, secundarizando políticas públicas lastreadas em outros princípios; a sistematicidade com que as mesmas foram planejadas e conduzidas, diferenciando-se das iniciativas pontuais e descontínuas de remoções características de momentos anteriores; a ampla escala então alcançada por elas; e, por fim, a continuidade dos mecanismos e critérios básicos de atuação.

Não obstante sua força, essas importantes linhas de continuidade foram construídas em meio a numerosos conflitos que atravessaram o aparato estatal com intensidades variáveis ao longo de toda a “era das remoções”. Nesse sentido, deve-se esclarecer que as remoções disputaram espaço continuamente com as alternativas

283 A Fundação Leão XIII (1947) e a Cruzada São Sebastião (1955) são exemplos de entidades originalmente criadas por setores da Igreja Católica, mas que receberam amplo apoio do poder público para a realização de melhoramentos pontuais em diversas favelas. Sobre a primeira, ver FUNDAÇÃO

LEÃO XIII. Como trabalha a Fundação Leão XIII – Notas e relatório de 1947 a 1954. Rio de Janeiro:

Imprensa Naval, 1955. Quanto à segunda, cf. RIOS, Rute Maria Monteiro Machado. “O

desenvolvimentismo e as favelas: adaptar o favelado à vida urbana e nacional, 1955-1962”. In: VALLA,

Victor Vincent (org.). Educação e favela. Op. Cit. pp.62-76. e PARISSE, Luciano. Favelas do Rio… Op.

Cit. pp.175-190. Em termos de órgãos estritamente estatais, cabe destacar o Serviço Especial de

Recuperação de Favelas e Habitações Anti-Higiênicas (SERFHA), que será analisado mais à frente nesse capítulo.

284 A lógica por trás dessas ações mais pontuais será discutida mais detalhadamente no capítulo 4. 285 GONÇALVES, Rafael Soares. Favelas do Rio… Op. Cit. pp.175.

voltadas para a urbanização in loco das favelas. Essas disputas, no entanto, tenderam a ser resolvidas em favor das políticas remocionistas, especialmente em dois momentos, nos quais foram gerados o que podemos caracterizar como dois programas de remoções distintos, ainda que possuíssem diretrizes e mecanismos muito similares. Em primeiro lugar, a segunda etapa do governo de Carlos Lacerda no estado da Guanabara, entre maio de 1962 e o término de seu mandato ao final de 1965, e, em segundo lugar, o período de atuação da Coordenação da Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Rio de Janeiro (CHISAM), órgão criado pelo governo federal com poder de coordenação sobre a política habitacional guanabarina, que esteve ativo em 1968-1974. No intervalo entre esses dois programas, com a eleição de Negrão de Lima para o governo estadual, verificou-se um hiato marcado por grande ambiguidade em termos das diretrizes de atuação do Estado nas favelas.

Conectando os dois momentos de maior ímpeto remocionista de forma a produzir um sentido de continuidade em termos dos fundamentos dos programas, é possível identificar dois elementos fundamentais, a despeito de pequenas variações eventualmente verificadas. De um lado, operou-se sob uma concepção inteiramente mercantil da habitação, que só deveria ser acessada pelos favelados por meio da compra. Para viabilizar essa relação nas condições da época, especialmente no tocante à inflação, adotou-se um mecanismo de correção monetária baseado em um percentual fixo do salário mínimo, o qual servia como parâmetro para a determinação da prestação a ser paga mensalmente pelo removido para adquirir sua nova moradia. Assim, a cada vez que o salário mínimo variasse, a prestação seria reajustada, buscando preservar a viabilidade econômica do negócio para os agentes promotores e financiadores. De outro lado, a distribuição geográfica das intervenções obedeceu a um vetor de expulsão dos trabalhadores mais pauperizados – que compunham a quase totalidade da população favelada – do núcleo da região metropolitana, em direção às suas periferias imediata e intermediária287. Sendo assim, a maioria das favelas removidas localizava-se naquele, ao passo que quase todos os conjuntos foram edificados nestas. Como resultado dessas

287 “Núcleo”, “periferia imediata” e “periferia intermediária” são as três regiões em que Abreu subdivide a área metropolitana do Rio de Janeiro, com o fito de facilitar o entendimento de sua organização e dinâmica. Compõem-se, respectivamente, por Zona Sul e Centro do Rio de Janeiro (estendido até Tijuca,Vila Isabel, São Cristóvão e Caju) e Zona Sul e Centro de Niterói; subúrbios mais antigos do Rio de Janeiro, que acompanham as estradas de ferro, Barra da Tijuca, parte de Jacarepaguá e zona norte de Niterói; e o resto do espaço da cidade do Rio de Janeiro, bem como Nilópolis, São João de Meriti, partes de Duque de Caxias, São Gonçalo, Nova Iguaçu e Magé. ABREU, Maurício de A.

diretrizes de atuação, a “era das remoções”, ao deslocar compulsoriamente cerca de 140 mil favelados, produziu um Rio de Janeiro ainda mais marcado pela segregação espacial das classes sociais do que o anteriormente verificado. Paralelamente, foram construídas pouco mais de 48 mil unidades habitacionais prioritariamente destinadas a receberem os favelados removidos288.

À luz desse quadro, o presente capítulo será dedicado à análise da articulação entre essas políticas e os interesses expressos por empresários e demais intelectuais orgânicos ligados ao setor imobiliário do capital. Para tal, será inicialmente investigada a participação desses agentes no interior e/ou junto ao aparato estatal nos processos de formulação e estruturação dos programas de remoções sistemáticas de favelas. Na sequência, será abordada a etapa da execução da política remocionista e seus desdobramentos, de forma a evidenciar os processos pelos quais variadas empresas atuantes no setor imobiliário auferiram significativos lucros.

2.1 – Os empresários e a estruturação dos programas de

remoções de favelas

2.1.1 – O governo Lacerda

Em 1960, Carlos Lacerda (UDN) foi eleito para o posto de primeiro governador efetivo do recém-criado estado da Guanabara. Em uma acirrada disputa, derrotou, pela estreita margem de 20.000 votos, Sérgio Magalhães, uma das principais figuras da ala nacional-reformista do PTB289. De acordo com o próprio Lacerda, sua vitória só foi possível pela participação de Tenório Cavalcanti (PST), que

“(…) carreou uma parte do voto do favelado, do voto não-politizado, do voto, enfim, vamos chamar assim, sem querer insultar ninguém, do voto macumbeiro, que, sem sua candidatura, teria ido para o Sérgio Magalhães”290

(itálico meu).

288 Os dados desse parágrafo foram extraídos de VALLADARES, Lícia do Prado. Passa-se uma

casa… Op. Cit. pp.39-42.

289 Uma análise sintética – e tendencialmente elogiosa a Lacerda – sobre o pleito de 1960 pode ser encontrada em MOTTA, Marly da Silva. Saudades da Guanabara: o campo político da cidade do Rio

de Janeiro (1960-1975). Rio de Janeiro: FGV, 2000. pp.43-53. Sobre a trajetória de Sérgio Magalhães, ver

DIAS, Sônia. “MAGALHÃES, Sérgio”. In: ABREU, Alzira Alves de; PAULA, Christiane Jalles de

(coords.). Dicionário da política republicana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FGV, 2014. pp.717-721. 290 LACERDA, Carlos. Depoimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978. p.214.

Para além dos evidentes elementos elitistas e racistas embutidos em seu raciocínio – tornando a contingência de habitar na favela e a adesão a uma religião de matriz africana equivalentes à incapacidade de atribuir uma racionalidade política ao voto –, a avaliação de Lacerda indica tanto sua compreensão acerca da importância quantitativa do voto dos favelados naquele pleito, quanto sua percepção de que, dentre os três candidatos mais votados, era o que possuía menor inserção junto a esse segmento da classe trabalhadora. Em consequência disso, mesmo sem abandonar seu eleitorado tradicional, pertencente a setores da burguesia e às camadas médias, não deixou de inserir em seu programa de campanha uma série de propostas que reverberavam as intensas mobilizações conduzidas pelos favelados da cidade ao longo da segunda metade dos anos 1950. Nessa seara, seu lema de campanha era “ajudar o favelado a melhorar a favela”291, uma formulação que estabelecia um contraponto direto às propostas que visavam retirar o favelado da favela por meio de remoções e/ou despejos.

Como resultado dessas ações, Lacerda logrou obter apoio de parcelas, ainda que bastante minoritárias, do movimento de favelados, como foi o caso de José Américo Maia Filho, que tinha intensa participação nas mobilizações dos moradores da favela João Cândido292. Um segundo elemento importante nessa busca de popularização do candidato Lacerda foi o apoio da UDN à candidatura de Jânio Quadros à presidência, a qual foi veementemente defendida nos fóruns do partido pelo próprio Lacerda293. A avaliação implícita parecia ser a de que o ex-prefeito da capital e ex-governador do estado de São Paulo, onde conseguira uma sólida rede de apoio em meio a setores do sindicalismo e às sociedades de bairros294, poderia emprestar uma forma e um conteúdo mais assimiláveis a fatias da classe trabalhadora ao partido tradicionalmente

291 Folheto da campanha eleitoral de 1960, citado por PEREZ, Maurício Dominguez. Lacerda na

Guanabara: a reconstrução do Rio de Janeiro nos anos 1960. Rio de Janeiro: Odisseia, 2007. p.255.

292 “Favelados preparam plano de mobilização geral e comício na esplanada ainda este mês”. Jornal do

Brasil. Rio de Janeiro. 02/04/1959. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Divisão de

Polícia Política e Social. Dossiê 1042: 1o Congresso de Trabalhadores Favelados, fl.25., e “Líder de favela

diz que favelados são pobres mas não querem tinta da PDF”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. 07/10/1959. APERJ. DPS. Dossiê 293: União dos Trabalhadores Favelados, fl.48.

293 LACERDA, Carlos. Depoimento. Op. Cit. pp.202-211.

294 Sobre o enraizamento popular do “janismo”, ver PEREIRA NETO, Murilo Leal. A reinvenção da

classe trabalhadora (1953-1964). Campinas: UNICAMP, 2011. pp.437-442.; DUARTE, Adriano;

FONTES, Paulo. “O populismo visto da periferia: adhemarismo e janismo nos bairros da Mooca e São

Miguel Paulista (1947-1953)”. In: CADERNOS AEL: populismo e trabalhismo. Vol.11, Nos 20/21, 2004.

identificado com o combate ao getulismo, uma referência ainda bastante forte em meio ao proletariado295.

Em linhas gerais, a postura de campanha de Lacerda em relação às favelas se coadunava com a posição que ele adotara em 1948 em uma série de textos jornalísticos que ficou conhecida como a “Batalha do Rio”296. Naquela conjuntura, contrapondo-se às medidas altamente repressivas propostas por uma comissão instituída pelo presidente Dutra, como a proibição da construção de barracos e a realocação dos favelados na Baixada Fluminense297, Lacerda advogava a necessidade de certas concessões sociais, especialmente no que dizia respeito à liberação de pequenas melhorias urbanísticas nas favelas. Em suas palavras, “(…) o deslocamento em massa, nas condições atuais, não é apenas uma violência – é uma utopia”298. Nos marcos de um raciocínio marcadamente anticomunista – assim como o de Dutra –, voltado para a tentativa de reduzir a influência do PCB nas favelas da cidade, sua estratégia alternativa passava por possibilitar ao favelado o desenvolvimento do potencial que o permitiria, por suas próprias forças, deixar a favela, ascendendo em direção a melhores condições de habitação. Para o então jornalista, o êxito dessa empreitada dependeria, simultaneamente, de uma atuação menos burocrática dos poderes públicos e do seu estabelecimento de parcerias com indivíduos e entes privados299.

Uma linha de atuação muito similar seria proposta às vésperas da eleição de 1960 por José Arthur Rios, no já mencionado relatório SAGMACS, o qual Lacerda republicou em seu jornal, Tribuna da imprensa, após obter autorização do Estado de

São Paulo. Com base nessa convergência, o udenista convenceu, ainda em 1960, o

sociólogo a concorrer a uma cadeira na Assembleia Constituinte da Guanabara e, em seguida, convidou-o a ocupar o posto de Coordenador dos Serviços Sociais de seu governo300. A partir do início do mandato de Lacerda, Rios colocou em prática suas

295 Tomando como referência a viagem realizada por uma comissão de representantes de diversas favelas cariocas para se encontrarem em São Paulo com Jânio Quadros, ainda candidato, é possível afirmar que as gestões de Lacerda para a articulação das duas candidaturas mostraram-se corretas do ponto de vista das possibilidades de aproximação em relação a essa parcela do eleitorado. SILVA, Maria

Lais Pereira da. Favelas cariocas… Op. Cit. pp.212-213 (nota 325).

296 Inicialmente, os artigos foram publicados pelo Correio da Manhã, rapidamente obtendo o apoio do diário O Globo e da rádio Mayrink Veiga.

297 PARISSE, Luciano. Favelas do Rio… Op. Cit. pp.113-114. 298 Citado por IDEM. Ibidem. p.116.

299 SILVA, Maria Lais Pereira da. “A ‘Batalha do Rio de Janeiro’: combatentes e combatidos nas

favelas cariocas, 1947-1948”. In: Anais do 6o Seminário de História da Cidade e do Urbanismo – 5

séculos de cidade no Brasil. Natal, PPGAU/UFRN, 2000. pp.9; 13. 300 RIOS, José Arthur. “Depoimento”. Op. Cit. pp.67-68.

ideias relativas às favelas, principalmente, por meio do Serviço Especial de Recuperação de Favelas e Habitações Anti-Higiênicas (SERFHA), um órgão criado pelo prefeito Francisco Negrão de Lima, em 1956, com o objetivo declarado de trabalhar junto aos favelados, sem imposições do poder público. Em seus primeiros anos, no entanto, recebera escassas dotações orçamentárias e concentrou suas ações na repressão às obras nas favelas consideradas irregulares301.

Em junho de 1961, a linha de atuação impressa por Rios adquiriu um caráter mais formalizado, com a transformação do SERFHA na mola-mestra de um programa intitulado Operação Mutirão, desenhado com o propósito de combater a ação daqueles que considerava como políticos demagógicos, que intermediavam as relações entre as favelas e o aparato estatal, na expectativa de trocar pequenas melhorias locais por apoio eleitoral. O mecanismo principal para a obtenção desse fim seria o estabelecimento de uma interlocução direta entre o SERFHA e as associações de moradores, cuja fundação o próprio órgão estatal impulsionaria nas localidades onde ainda não existissem. Essa interlocução adquiria um estatuto formal pela assinatura de um acordo-padrão, segundo o qual a Coordenação se comprometia a estabelecer, em diálogo com os favelados, um plano de melhorias locais. Em contrapartida aos recursos oferecidos pelo órgão estatal, os favelados se comprometiam a empregar sua própria força de trabalho nas obras. Nesse arranjo, às associações de moradores era reservado um papel essencialmente ambíguo, na medida em que deveriam, simultaneamente, representar os moradores, auscultando seus anseios, e zelar pelo cumprimento das determinações da Coordenação dos Serviços Sociais, impedindo quaisquer obras que não fossem por ela aprovadas302. As primeiras associações a aderirem à Operação foram as das favelas da Vila do Vintém e da Praia do Pinto, sendo esta uma das maiores da cidade e estando localizada numa área de crescente interesse para o capital imobiliário, entre os bairros da Lagoa e do Leblon303.

Essa orientação, no entanto, não encontrava consenso sequer no primeiro escalão do governo estadual. Alguns desses desencontros ficaram claros em maio de 1961, quando os secretários Raphael de Almeida Magalhães e Hélio Beltrão, respectivamente

301 Sobre a criação e os primeiros anos do SERFHA, ver LEEDS, Anthony; LEEDS, Elizabeth.

“Favelas e comunidade…” Op. Cit. pp.211-212.

302 Os termos do acordo-padrão foram reproduzidos em IDEM. Ibidem. pp.248-250.

303 “‘Operação Mutirão’ vai transformar favelas em lembrança histórica”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro. 24/06/1961. p.5. “Rios começará com Vintém e Pinto a fazer de favela uma lembrança do passado”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro. 24/06/1961. p.5.

Chefe de Gabinete e Secretário do Interior, prepararam um abrangente plano de ação a ser apresentado ao presidente Jânio Quadros em reunião que realizaria, no final de junho, com os governadores da Guanabara, do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ainda que o plano enfatizasse o projeto de estruturação de duas novas zonas industriais na Guanabara – em Santa Cruz e na Avenida das Bandeiras, atual Avenida Brasil –, não deixava de conferir certo destaque à questão das favelas304. Admitindo que a dimensão do problema inviabilizava sua solução completa por um programa de construção em larga escala, o texto afirmava que algumas favelas deveriam ser urbanizadas, enquanto outras seriam removidas. O critério de delimitação dos dois grupos não poderia ser mais claro:

“Essa companhia [a COHAB, cuja fundação era proposta] promoverá a aquisição, mediante cessão, doação, permuta ou a título oneroso, de áreas de terreno para onde se possam transferir gradativamente os moradores das favelas da zona sul e das áreas industriais, isto é, das áreas valorizadas”305

(itálico meu).

Se a diretriz indicada para as favelas coadunava-se inteiramente com a lógica de valorização do capital imobiliário – expressa de forma mais acabada pelo IPEME, conforme visto no capítulo anterior –, o plano da Guanabara abria espaço, também, para a expressão dos interesses do capital construtor. Ainda durante a preparação da equipe para o encontro com o presidente, o próprio Lacerda determinou a formação de uma comissão de assessores para tratar da questão habitacional, para a qual foram nomeados Félix Martins de Almeida e Haroldo da Graça Couto, que, naquele momento, eram, respectivamente, presidentes do SICCEG e da CBIC. Como não poderia deixar de ser, o acúmulo da referida comissão refletiu as reivindicações já apresentadas pelo

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