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CAPÍTULO I MAURÍCIO DE NASSAU E O BRASIL HOLANDÊS

5 Resumo do que é conhecido hoje sobre a coleção de Maurício de Nassau

5.4 Os registros pictóricos de Albert Eckhout

Além dos desenhos e pinturas do Theatrum... e da Myscelânia Cleyeri atribuídos a Eckhout, uma pequena coleção de seus desenhos encontra-se na Sala de Gravuras do Museu Staatliche ou Kupferstichkabinett, em Berlim: cinco estudos em giz preto de índios tapuias do nordeste brasileiro, de nativos do sudoeste da América e nativos da África.

Também de autoria de Eckhout33 foram os presentes e doações feitos por Maurício de Nassau, ao rei Frederico III da Dinamarca e Noruega, em 1654: incluíam oito retratos em tamanho natural de diferentes etnias presentes no Brasil, o quadro intitulado a Dança Tapuia, dose naturezas-mortas, um retrato do Conde Maurício de Nassau cercado de brasileiros e outro retrato de Maurício de Nassau em 1644, todos na técnica do óleo sobre tela. Exceto os dois retratos de Maurício de Nassau, que, como vimos, foram destruídos num incêndio em 1794, todas as outras pinturas encontram-se atualmente no Museu Nacional da Dinamarca. Alguns autores como Thomsen34 (biógrafo de Eckhout em 1938) também incluem entre os presentes dados ao rei, três retratos de enviados do Congo e uma coleção de artefatos.

33 Não apresento nessa tese muitas imagens de obras de Eckhout, por não ser o objeto da pesquisa e,

também, por já haver recebido estudos referentes à sua produção artística.

34 THOMSEN, T. Albert Eckhout, ein niederländischer Maler und sein Gönner Johan Moritz der

Outro conjunto de obras, não realizado nem levado do Brasil, porém ligado ao período nassoviano do Brasil Holandês são as pinturas de pássaros, atribuídas a Eckhout, decorando o teto da sala principal da residência de caça do Eleitor da Saxônia, construída aproximadamente em 1650, em Hoflössnitz, próximo a Dresden, Alemanha. Trata-se de 80 painéis retratando pássaros, que são representados voando, pousados em galhos ou no chão, acompanhados de seus nomes vernaculares brasileiros escritos em letras maiúsculas. Muitos dos exemplares representados são semelhantes às pinturas do Theatrum e às tapeçarias Tentures des Indes - manufaturadas cerca de 40 anos mais tarde. Apesar de atribuídas a Eckhout por longo tempo, atualmente questiona-se essa autoria, visto que os pássaros não possuem a mesma vivacidade nem o sentido formal de composição que marcam o estilo desse artista. Além disso, ao invés de serem representados no seu habitat tropical, encontram-se em meio a pesadas árvores europeias, com galhos e folhas bastante uniformes.

Há ainda mais dois conjuntos de obras baseadas em pinturas de Eckhout: o primeiro conjunto é composto por tapeçarias com motivos brasileiros, executadas sob supervisão de Maximiliaan van der Gucht, cuja família monopolizava a produção tapeceira entre 1636 e 1670, com ateliers em Delft e Haia. Em carta enviada ao Eleitor de Brandemburgo, datada de 17 de abril de 1667, Van de Gucht afirma ter recebido de Mauríco de Nassau onze pinturas com temas indígenas em tamanho natural e se comprometia a produzir tapeçarias a partir delas, que não seriam fornecidas a nenhuma outra pessoa, a não ser o próprio Nassau. Pouco mais de um ano depois, o Eleitor dirige-se a Nassau, afirmando estar satisfeito com o trabalho realizado (TEIXEIRA LEITE, 2014, p. 229). A partir de uma anotação de um dos filhos de Van der Gucht, se sabe que as pinturas foram devolvidas a Nassau, porém o que aconteceu posteriormente é desconhecido. Há informações de que Maurício de Nassau também encomendou um conjunto de tapeçarias, pois em 1681 havia na Mauritshuis diversas tapeçarias com motivos brasileiros, comprovadas pelo inventário de 1690. Entretanto, essas tapeçarias se perderam ou pereceram num incêndio em Siegen em 1695 ou no incêndio que assolou a Mauritshuis em 1704. O conjunto de tapeçarias feito para o Eleitor de Brandemburgo também desapareceu sem deixar

vestígios, tendo sido mencionado pela última vez em 1699 (TEIXEIRA LEITE, 2014, p. 230).

O segundo conjunto, já mencionado anteriormente, é composto pelo presente enviado ao rei da França. Maurício de Nassau sugere, em correspondência trocada com o Secretário de Estado, Marques de Pomponne em 1678, que parte do material – atribuído a Eckhout – poderia servir de base à manufatura de tapeçarias a serem executadas pela Manufacture de Gobelins. Para Joppien (1979, p. 325), tapeçarias não eram apenas a mais nobre e a mais cara forma de arte na época barroca, mas também ofereciam a vantagem da reprodução e de consequente fama futura. Muitas das pinturas enviadas à França serviram de fato de modelos para duas séries de oito tapeçarias chamadas Tentures des Indes. Na mesma correspondência, Maurício de Nassau sugere a vinda, à sua residência, de um artista da França, perito em pintar modelos (cartelas) para tapeçarias: ele próprio daria ao artista acesso às ilustrações que ainda possuía, explicando a natureza de cada animal, de modo que o rei usasse esse material podendo fazer alterações de acordo com seu gosto. Esta última frase evidência que Maurício de Nassau ainda possuía ilustrações na sua coleção em 1678, o que indica que nem todas foram dadas ao Grande Eleitor de Brandemburgo tendo, porém, desaparecido posteriormente, pois não há registros da trajetória dessas obras.

As Tentures des Indes são o mais complexo e esplêndido reflexo do trabalho dos artistas de Maurício de Nassau na arte europeia, segundo Joppien (1979, p. 353). Duas edições foram produzidas entre 1687 e 1800: as Anciennes Indes (1687-1730) e as Nouvelles Indes (1740-1800), cada uma com oito peças. O tema, a ação, o realismo, a vivacidade e a composição eram bastante incomuns para trabalhos decorativos da época, que costumavam abordar temas históricos, mitológicos ou alegóricos, e não a vida real. O elemento humano em cenas cotidianas está inserido em episódios não relacionados entre si, com intenção de expressar cenas características da vida nativa. Não há uma estória coerente contada através das séries e sua localização é confusa: locais da África, Brasil, Chile e Peru são fusionados numa visão imaginária e exótica da natureza. Cada tapeçaria contém grande número de espécimes vegetais e animais acuradamente representados (ver foto de três tapeçarias no acervo do IRB no Apêndice). Muitos dos animais correspondem exatamente aos do Theatrum... Apresentando grande quantidade de objetos naturais

e artificiais, as tapeçarias funcionam como um catálogo visual, um mapa pictórico no qual as riquezas e as maravilhas dos mundos de além-mar foram rigorosamente reunidas. Para um maior aprofundamento no trabalho de Eckhout, Brienen (2010) e Joppien (1979, p. 302-317) realizam uma análise detalhada de sua obra.