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5. ANÁLISE DAS PETIÇÕES INICIAIS

5.2. A dimensão do Logos nas petições iniciais

5.3.1. Os requeridos como causadores de danos: os réus

Em P1, os adjetivos que se referem aos bancos e, principalmente, às ações indevidas desses bancos introduzem uma crítica explícita a eles, responsabilizando-os diretamente pelo dano sofrido pela requerente. A informação de que o banco 1 tomou ciência de seu erro, mas nada fez para repará-lo, remete à ideia de que ele agiu de má fé, já que fugiu ao que seria uma postura ética. Os atos indevidos dos requeridos foram retomados diversas vezes para reforçar a ideia de que eles são dignos de punição. No primeiro excerto abaixo observa-se uma nítida atribuição de culpa ao banco 1, destacada pela expressão “sem escrúpulos”; nos demais ocorre a repetição dos atos inadequados dos requeridos:

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1- “*do BANCO 1 – ao creditar quantia extra em sua conta e depois arrancá-la, sem escrúpulos [...].” (P1, p. 2, grifo nosso);

2- “-Ademais, teve imenso transtorno emocional, ficando dias e noites em grande estresse, pela situação financeira totalmente desorganizada pelos dois bancos.” (P1, p. 2, grifo nosso);

3- “- [...] vislumbra-se no caso em tela a ocorrência de danos morais em favor da Autora a ser ressarcida pelas Rés, em virtude de seu estulto comportamento de cobrar dívidas por elas mesmas geradas indevidamente, por serviços mal prestados, que causaram uma verdadeira bagunça na vida bancária da autora.” (P1, p. 3, grifo nosso).

Nas demais petições, por diversas vezes, os advogados descreveram as requeridas como instituições negligentes, omissas e as responsabilizaram pelos danos causados aos requerentes. Tais colocações têm a finalidade de levar o interpretante a desenvolver um julgamento negativo dos requeridos e, por conseguinte, a avaliar os requerentes como vítimas das artimanhas de pessoas e instituições mal intencionadas. Esse julgamento negativo visado pelos advogados seria algo muito próximo da “tópica da repulsa” sobre a qual Charaudeau (2007, p. 53) esclareceu que

I- o sujeito é, dessa vez, voltado para um actante do qual ele possui uma imagem

negativa de malfeitor que é essencializada em ‘má’.

II- ele tem então [...] um movimento de desaprovação, ou até mesmo rejeição violenta a essa imagem, sem que, entretanto, ele esteja em condições de destruí-la.

Nos trechos abaixo é possível visualizar as descrições que responsabilizam os requeridos:

4- “No caso em tela, a inclusão foi absolutamente injusta, decorrente de má-fé da Requerida em cobrar faturas não devidas [...].” (P2, p. 3, grifo nosso);

5- “[...] A conduta da Requerida foi, pois, negligente e desprovida de justa causa.” (P2, p. 6, grifo do advogado);

6- “Verifica-se no caso em questão a clara omissão da Requerida em retirar o nome do Requerente do

cadastro do Serasa Experian [...].” (P2, p.9, grifo nosso);

7- “Assim a inércia da empresa ré em sua obrigação de prestar o serviço acarretou, além de inevitáveis aborrecimento [...].” (P3, p.3, grifo nosso);

8- “Cansada de tentar entrar em acordo com a requerida e diante do descaso da mesma [...].” (P3, p. 4, grifo nosso);

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9- “[...]o Pet Shop Z não é clínica veterinária e nem disponibiliza de aparelhos para medicar o cão. O que foi uma atitude negligente, temerária e pode ter concorrido para a morte do cão.” (P4, p. 3, grifo nosso);

10- “[...] pleiteia a Requerente a tutela antecipada para a consequente restituição do valor de modo a se evitar que a lide não tenha solução ao final da presente ação, tendo em vista a falta de credibilidade das Requeridas.” (P5, p.3, grifo nosso);

11- “O comportamento omisso e imprudente da ré constitui inegável ofensa à honra da pessoa do autor [...].” (P7, p. 3, grifo nosso);

12- “A inscrição indevida do nome do autor no SPC, por negligência e descontrole da ré, impõe a esta a obrigação de indenizar os danos morais [...].” (P7, p. 4, grifo nosso);

13- “E não apenas por isso, mais por também ser vítima da mais absoluta falta de respeito e de crédito, quando atingida moralmente pela impotência e pela indigência com que tratam seus clientes algumas sociedades

empresariais.” (P8, p. 10, grifo nosso);

14- “A conduta das requeridas foi displicente e de má-fé, comprovando não serem empresas idôneas nas relações de consumo, pois lançam débitos em nomes de pessoas que nunca se relacionaram com elas [...].” (P9, p. 2, grifo nosso);

15- “[...] a Requerida agiu com negligência, já que não ousou tomar os devidos cuidados durante a contratação [...].” (P10, p 3, grifo nosso);

16- “A conduta das requeridas foi displicente e de má-fé, comprovando não serem empresas idôneas nas relações de consumo, pois lançam débitos em nomes de pessoas que nunca se relacionaram com elas [...].” (P11, p. 2, grifo nosso);

17- “Excelência, diante desses fatos pode-se perceber o descaso com que a X tratou seus clientes que

estavam no exterior.” (P12, p. 5, grifo nosso);

18- “A conduta da ré restou evidenciada pelo descaso com que tratou seus passageiros [...].” (P12, p. 12, grifo nosso).

Nota-se que apesar de não haver trechos em que as requeridas são diretamente descritas como negligentes, omissas ou termos afins, em P6 e P13 é possível inferir, considerando o desenvolvimento das petições, que os advogados assim as julgam. Ao afirmar em várias passagens que a requerente de P6 não firmou contrato com a requerida, o advogado está sugerindo que a H Telefonia é uma empresa pouco séria, já que negativou o nome de uma pessoa que sequer já contratou os serviços dela. No mesmo sentido, ao reiterar que a requerida

113 Beatriz descumpriu o contrato de locação e não pagou suas dívidas, o advogado construiu para ela a imagem de uma pessoa inadimplente, mal pagadora, a dita “caloteira’.

Assim, foi observado que em todas as petições os advogados atuam discursivamente responsabilizando os requeridos pelos prejuízos causados aos requerentes. Entretanto, há que se salientar que em algumas petições a atribuição de responsabilidade é mais intensa e explícita, sugerindo práticas dolosas, como é o caso de P2 e P9. Nessas petições, os advogados empregaram a expressão “má fé” para se referirem aos requeridos e seus atos. Esta expressão sugere premeditação, portanto, ato doloso.

Representar o ato como doloso parece ter sido uma estratégia do projeto de fala do advogado para tocar e comover ainda mais o alvo da argumentação, a juíza. Em nossa sociedade, julga-se de forma mais negativa um ato ilícito quando ele é tramado e, consequentemente, a imagem do causador do dano fica mais comprometida.

É importante ressaltar quanto ao que foi acima exposto que julgar um ato proposital como digno de maior penalidade está ligado às crenças e valores de um grupo. A emoção proveniente desse julgamento também está fortemente ligada às crenças.