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Os Salões em Pernambuco

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Os limites que relacionam a arte com a política implicam na enunciação de territórios que interrogam a produção artística segundo sua própria potência de ação, de modo que ―sua existência, em diversos momentos da história irá adequar-se às ―regulamentações‖ de uma certa ordem dominante.98

A arte às vezes obedece a uma ordem, em nome da sobrevivência daqueles que a produzem, contudo, até que ponto pode se identificar esta relação como obediência? Os Salões de Artes de Pernambuco surgiram como resposta ao envolvimento dos artistas com o sistema político que vigorava, entre os anos 20 e 30, não como uma resposta passiva da arte ao campo político, e sim como um ato de negociação, partilha dos saberes para se atingir a configuração social do período. No inicio da década de 1920, do século XX, Pernambuco passava por profundas modificações sociais, econômicas e políticas, e a área cultural tentava acompanhar tais mudanças, pois foi nessa década que surgiram importantes eventos e instituições que muito contribuíram para o desenvolvimento das artes plásticas no Estado.

Os primeiros Salões de Arte de Pernambuco surgiram como Exposições Gerais de Belas Artes no ano de 1929, promovidos, inicialmente, pela Inspetoria Estadual dos Monumentos Nacionais, tendo como proposta ―reunir anualmente trabalhos dos artistas do Nordeste‖.99

As competições eram embasadas por idéias que, além de preservar o patrimônio histórico e artístico regional, ―pretendiam atingir um desenvolvimento cultural da sociedade pernambucana‖100

por meio da construção de uma educação artística clássica pautada em alegorias populares locais.

Estes certames artísticos foram criados dentro uma grande ação política, em termos quantitativos, direcionada ao âmbito cultural, instituída pelo governador de Pernambuco, Estácio de Albuquerque Coimbra no ano de 1929, no qual assinou o ato nº 240, de 8 de fevereiro de 1929, este que resultou na

98

FABRIS, Annateresa. Figuras do Moderno (Possível). in SCHARTZ, Jorge (org.) DA Antropologia a Brasília: 1920-1950. São Paulo: FAAP. 2003. p. 64.

99

Diário de Pernambuco, Recife, 10 fev.1929. p. 4.

100

criação de um órgão responsável por políticas de preservação e administração de patrimônios históricos e artísticos que foram produzidos em Pernambuco, chamado de Inspetoria Estadual de Monumentos Nacionais. A inspetoria funcionava do Palácio da Justiça, e era ligada diretamente a Secretária de Negócios Interiores, sua criação foi acompanhada pela reinauguração do Museu de Arte e História Antiga de Pernambuco, constituindo dois órgãos de ação direta sobre o que tinha sido produzido e o que seria produzido pelas artes plásticas naquele período.

Do regulamento da Inspetoria constam os seguintes dispositivos: Por todos os meios ao seu alcance, o governo de Pernambuco se esforçará por fazer se conservar no melhor estado todos os monumentos artísticos históricos existentes no estado, utilizando para isso as autorizações e facilidades determinadas em leis federais e estaduais, e no especial interesse de resguardar o seu patrimônio artístico e histórico.101

A concepção destes dois órgãos foi projetada pelo jornalista Aníbal Fernandes, que quando deputado estadual, no fim dos anos vinte, apresentou o projeto a Câmara de Deputados, sendo aceito por dialogar com as políticas nacionais que visavam o ―desenvolvimento cultural‖ e construção da identidade nacional através das artes plásticas. Com isso tanto a Inspetoria, quanto o Museu, ficaram sob a diretoria do próprio Aníbal que regulamentava as ações destas instituições transformando-as em equipamentos pioneiros em termos de ações de preservação de monumentos, estes que eram os principais símbolos, visíveis, da ação do tempo sobre a cidade. Sendo tema recorrente nos jornais da cidade a falta de conservação das igrejas e casarios que conservavam características de um passado ―saudoso‖ e que deveria ser preservado por esforços públicos.

Em relatório publicado no ano de 1930, Aníbal Fernandes ilustra para Secretaria de Negócio Interiores as mudanças que as ações da inspetoria vinham modificando a ―opinião pública‖:

A preocupação do governo na defesa do nosso patrimônio histórico e artístico tem dado resultados compensadores. Há bem três anos, isso de tradição, isso de respeito a lugares históricos ou praticamente ligados a vida e ao desenvolvimento da cidade, dizia um dos nossos mais brilhantes escritores, em artigo para ―A

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Província‖, era assunto que preocupava quatro ou cinco. Essa grande massa de opinião tomada de um entusiasmo exagerado e místico pelo Progresso com P maiúsculo, - entusiasmo que transformou até igrejas veneradas pela sua simplicidade e pelo seu caráter em góticos de confeitaria, copiadas de fitas de cinema, - a grande massa de opinião culta ostentava não diremos desdém, porém uma elegante indiferença por esse assuntos.102

De acordo com Aníbal as atitudes de desdém ao patrimônio eram atos do passado sendo o progresso um inimigo contra valorização dos bens imóveis que o passado deixava para população. Contudo, foi em nome do progresso e do desenvolvimento que as ações preservacionistas iriam percorrer os discurso em relação as artes, nos corredores e porões do museu que estava sendo reinaugurado, em uma ação dúbia em relação ao ‗novo‘. Como se o progresso fosse inimigo em certo momento, por não permitir a contemplação do passado materializado, ou a perca da ―áurea‖ dos monumentos103

, e em outro momento este progresso serviria como respaldo para justificar os discursos futuristas de uma cidade que necessitava de políticas de desenvolvimento cultural em nome deste mesmo progresso. A relação com o tempo norteava o encaminhamento dado as políticas artísticas. Valorizar o passado em nome de um futuro progressista transformava a arte em um produto passível de um congelamento irreal.

A alusão a cópia dos comportamentos, dirigida ao cinema, arremessava no mundo cultural externo a culpa da população não valorizar a simplicidade do passado local. A indiferença pela preservação não era algo condizente com um momento de valorização das tradições construídas pela política, dentro uma busca pela constituição de uma identidade específica, ou seja, aquela em que a sociedade se reconhece-se em seus monumentos, em sua história e em sua arte. A elegância estava nas atitudes de novos intelectuais que publicavam discursos a favor da terra, de sua cultura, onde o progresso se manifestava de várias formas no discurso: numa hora era inimigo do passado, e em outra, necessário para evitar a estagnação ou a tão temida degeneração cultural.

102

FERNANDES, Aníbal Gonçalves. Relatório da Inspetoria Estadual dos Monumentos Estaduais. 19 fev. 1930. p.01.

103

Ver em BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985. (Obras Escolhidas, 1).

Os salões são criados mediante as discussões políticas e culturais, visando educar a população ―refinando o seu gosto‖ a partir das artes plásticas. Eles não somente tinham como uma proposta objetiva de preencher a reserva técnica do museu recém inaugurado, como também, propor para população um encontro com paisagens pintadas, monumentos históricos e símbolos da cultura regional que representassem o intuito de uma política para as artes, em nome do desenvolvimento cultural da região.

Para se realizar um evento com tamanho objetivo o espaço deveria ser um grande atrativo e representante do fomento a arte. O Teatro Santa Isabel104 foi escolhido como casa que recebia temporadas de óperas estrangeiras, grandes autoridades e passaria a solidificar sua representação de nicho da cultura letrada e do ―bom gosto‖. Então a noite que se inaugurou a primeira Exposição Geral de Belas Artes e sua segunda e última edição, serão revividas e analisadas neste trabalho, diante do discurso dos jornais. Pois uma falha na organização dos eventos, até então principiantes, esqueceu de produzir o catálogo destas exposições, levando os dois jornais da cidade, Diário de Pernambuco e Jornal do Commércio a realizarem pioneiras críticas sobre os salões de forma ―externalista‖ em relação às experiências estéticas promovidas por estas obras de arte.

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