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OS SALÕES EM STENDHAL COMO ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE E DISTINÇÃO

No documento danielevelingdasilva (páginas 178-189)

O primeiro romance de Stendhal a ser indagado dentro da estrutura de salões é Armance: ou algumas cenas de um salão de Paris, antes de 1827.489 A problemática do salão já é anunciada na escolha do subtítulo: “cenas de um salão”. Tal como em O vermelho e o negro: Crônica do século XIX, Stendhal procurava demarcar uma forma de leitura social e histórica, pela escolha dos subtítulos. Os subtítulos anunciam aspectos a serem considerados na leitura das obras.490 Só destaco que esses salões eram uma espécie de “desmembramento da Corte”,491 sendo abalizados por pensamentos e ações de integrantes dessa classe.

O enredo “romântico” de Armance gira em torno do jovem marquês Octávio de Malivert. Esse jovem aristocrata francês havia regressado à França, com seus pais, após a Concordata de 1801. Os pais do protagonista, que outrora foram ricos proprietários e senhores, ansiavam pela restituição dos bens confiscados no período revolucionário. A discussão relativa a restituição financeira dos emigrados foi debatida entre 1801 e 1825. No reinado de Carlos X, ocorreu “o ato de pacificação definitiva quando foi aprovada uma

489 Cabe destacar a não caracterização de “Armance” como “uma de suas obras-primas”, uma vez que, ambientando essencialmente dentro da cultura de salão, o livro não obteve uma divulgação tão ampla.

490 Os subtítulos algumas vezes podem demarcar algumas “denúncias” e formas de guiar a leitura das obras. Podendo expor algumas características a serem consideradas.

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medida de indenização em favor dos emigrados (‘o bilhão dos emigrados’)” 492, ou seja, esse era o contexto no qual a família de Malivert se inseria.

Para Benoît Yvert, a lei de indenização aos emigrados ocasionou uma profunda discussão na França do período, pois contrariava princípios estabelecidos na Carta de 1814, sobre a inviolabilidade dos bens nacionais e que “visava indenizar os nobres que tiveram suas propriedades confiscadas durante a Revolução para serem revendidos sob a forma de bens nacionais”.493

Stendhal não menciona em seu texto a expressão “Lei dos Bilhões”. Entretanto, posso inferir isso e a restituição dos bens dos Malivert na seguinte passagem:

As esperanças de teu pai – prosseguiu a senhora de Malivert – reportam-se a essa lei das indemnizações de que há três anos se fala.494

-Acabo de obter a certeza de que a lei das indenizações será em breve apresentada e que contamos com 319 votos seguros num total de 420. Tua mãe ficou sem bens, que eu avalio em mais de seis milhões, e qualquer que seja a parcimônia que o medo dos jacobinos imponha à justiça real, poderemos contar em todo caso com dois milhões. Assim já não sou um mendigo, a tua fortuna volta a regressar ao nível do teu nascimento e eu passo agora procurar-te, mas não já mendigar-te, uma esposa condigna.495

Os rumores do restabelecimento financeiro dos Malivert são os fundamentos para que família possa retornar às suas primazias sociais e econômicas. Isso se confirma na noite em que Octávio desponta como um “bom partido” no salão da sra. de Bonnivet e os mais variados nobres e burgueses de Paris apresentaram um “súbito interesse geral pela sua pessoa”. A questão financeira restabeleceu os momentos de “aceitação social” de Octávio na sociedade parisiense e seus salões. 496 A esposa “condigna” colocada pelo marquês poderia se referir a uma pretendente da aristocracia e que possuísse “tradição” em sua família. 497

492

BOFFA, Massimo. Emigrados. In: FURET, François; OZOUF, Mona. Dicionário Crítico da Revolução

Francesa... Destaco que tal lei não foi aprovada de comum acordo por parte dos grupos políticos. Benjamin

Constant, por exemplo, possuía opinião contrária a essa lei. 493

YVERT, p.89.

494 STENDHAL. Armance: Ou algumas cenas de um salão de Paris em 1827. Lisboa: Editorial Verbo, 1971, p. 16.

495 Idem. p. 22.

496 Cf.: DOSTOIEVSKI, Fiodor. O Crocodilo e Notas de Inverno Sobre Impressões de Verão. Tradução de: Boris Schnaiderman São Paulo: Editora 34, 2011.

497 Ao comparar essa perspectiva com Fiodor Dostoievski, quando escreveu Notas de Inverno sobre Impressões de Verão, espécie de diário de sua viagem ao “Ocidente”, percebo que denunciou esse mesmo aspecto do

burguês de Paris. Para o escritor russo, apesar daquela sociedade se transvestir de uma determinada “nobreza” e como não afeita ao dinheiro, isso não passa de um embuste. A característica financeira perpassa essa sociedade. Aqui cabe, entretanto, uma explicação: durante o Antigo Regime, para Norbert Elias e Emmanuel Le Roy Ladurie, a aristocracia não se importava com as questões financeiras, pois seu poder era sustentado principalmente pelas características simbólicas de aspecto social.

No período de Stendhal, que compreende a primeira metade do XIX, havia uma transição entre os velhos valores e os desejados pela burguesia, que só se efetivaram após a ascensão de Luís Felipe, Duque de Órleans, ao trono francês.498 Com esse monarca, as estruturas econômicas e políticas da França começaram a beneficiar de forma mais clara a classe burguesa. Esse é o ponto que será exposto na escrita de Dostoievski, na segunda metade do XIX. A crítica de Stendhal dessa característica foi posta em uma classe aristocrática, enquanto Dostoievski a inseriu na burguesia. Ambos denunciavam o mesmo ponto: a “vontade do dinheiro”. Em Stendhal, apesar de os princípios aristocráticos ainda existirem, começam a aparecer outros, que se adequando a uma nova realidade social, ao menos em Armance:o dinheiro, que será um dos temas de Lucien Leuwen, posteriormente.

Outro ponto a ser considerado é o “arranjo” de casamento de Octávio, posto na fala de seu pai. A “esposa condigna” pode ser entendida como uma pretendente oriunda de uma classe aristocrática, tal como Octávio, e poderia ser conseguida em ambientes de salão, pois poderia haver neles jovens dispostas ao casamento e pertencentes ao círculo político aristocrático. Tal condição se torna mais clara em Lucien Leuwen, quando o protagonista começa a frequentar a “boa sociedade de Nancy” e as jovens da província são apresentadas por sua origem familiar, como a possibilidades de casamento. Nos dois extremos da escrita de Stendhal, seu primeiro romance e sua obra inacabada, existe a mesma situação simbolizando, possivelmente, tal característica para a sociedade do período.499 Os salões como espaços de distinção e busca de determinadas benesses para si próprios, desde o casamento até as posições políticas, eram espaços de sociabilidade da Corte eminentemente femininos.500 Entre os mais variados espaços parisienses, Octávio opta, sob influência de sua mãe, por frequentar o salão da Sra. de Bonnivet, que

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Conforme sabemos apesar de em um primeiro momento da Monarquia de Julho os valores burgueses serem os principais para o trono com o passar dos anos, mesmo com o amparo das classes burguesas o regime manteve princípios aristocráticos e senhoriais, principalmente após 1837 quando houve uma virada conservadora política. 499

Os arranjos na busca de uma esposa que garantiria “bom casamento” foram expostos pelo duque de Saint- Simon em suas memórias. Na narrativa desse nobre vivendo a Corte de Versalhes e o pertencente a uma das mais antigas famílias francesas, estão expostos os contratos e interesses existentes na vinculação entre duas famílias. No caso do duque, devido ao título, a união deveria ser permitida pelo monarca e deveria, em tese, agregar finanças e nobiliarquia, esta última mais importante ainda. Nas preocupações do marquês de Malivert, personagem de Stendhal, percebo a mesma forma de pensamento: o simbolismo trazido pela união do casamento era o principal. Devido a isso, a preocupação da busca pela “esposa condigna” apareceu na obra como denúncia de uma aristocracia que ainda pregava determinada “pureza de sangue” e foi exposta em detalhes do enredo. Já em Lucien o protagonista representando a burguesia, possuidora de poder durante a Monarquia de Julho tinha sua origem “não tão nobre” desculpada pela fortuna familiar.

500 Cf.: CRAVERI, Benedetta. La Cultura de la conversación. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2004. Não quero dizer com isso a inexistência da presença masculina, mas em sua grande maioria eram organizados pelas grandes damas.

Era sua prima e amiga íntima, mulher da mais alta consideração, e em cujos salões se reunia regularmente tudo que havia de mais distinto na boa sociedade... “A missão que me compete – cogitava a senhora de Malivert – é a de cortejar as pessoas de mérito que acorrem aos salões da senhora de Bonnivet, a fim de apurar o que elas pensam de Octávio.” Ia-se àqueles salões para fruir a satisfação de pertencer-se ao círculo da senhora de Bonnivet e de obter-se o apoio de seu marido, hábil Cortesão carregado de anos e de honras.501 [grifos meus]

A boa sociedade, segundo Stendhal, pode ser caracterizada como os “velhos nobres” que regressaram a França após a assinatura da Concordata, em 1801. Esse grupo social, para Stendhal, apresentava em sua maioria características marcadas pelo ócio e arcaísmo e tentavam restabelecer os valores anteriores ao período revolucionário.502 Para o autor, a “boa sociedade” foi caracterizada como grupos mais elevados, financeiramente, e responsável por controlarem socialmente e politicamente os rumos do governo. Mesmo a contragosto os protagonistas das obras de Stendhal, fundamentalmente nos romances, deveriam se submeter ao estabelecido nas formas de agir e pensar “para não ser deixado às margens” de alguma benesse. Isso, entretanto, não significa a aceitação dessas normas e a compactuação com elas. Stendhal tentava de forma sutil denunciava essas posturas, com esses sutis eufemismos e sarcasmos. Todavia, era essencial “frequentar”, para que, caso precisasse ter amparo da sua rede ali estabelecida, o obtivesse.

O contato amoroso e social do enredo de Armance é todo desenvolvido dentro de uma estrutura de salão. Para Norbert Elias

Sob o reinado de Luis XV, o centro de gravidade deslocou-se de tais palácios para os hôtels, as residências dos aristocratas da Corte que não eram príncipes. Mas isso de modo algum diminuiu a importância da Corte como centro. Nela, todas as engrenagens da sociedade acabavam se juntando; nela se decidiam ainda posição, a reputação e, até certo ponto, os rendimentos dos Cortesãos. A partir de então a Corte passou a dividir com os círculos aristocráticos apenas seu significado como centro do convívio social, como fonte de cultura. O convívio social e a cultura da alta sociedade estavam se descentralizando lentamente, expandindo-se desde os hôtels dos nobres da Corte até os hôtels dos financistas. Foi nesse estágio de seu desenvolvimento que o “monde” produziu um fenômeno conhecido como cultura de salão.503 A passagem de Elias refere-se aos estamentos mais altos da França, de forma geral, e perdurou até o século XIX, obviamente que com algumas singularidades. Por exemplo, no

501 STENDHAL. Armance. .p. 20. 502

Esses valores poderiam ser vistos na defesa do Antigo Regime como o absolutismo monárquico, a supressão, tentativa, de censura, volta da proximidade da figura do monarca e, consequentemente, do Estado com a religiosidade.

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século XVIII havia uma maior pluralidade dos atores sociais que frequentavam tais ambientes, como, por exemplo, literatos que, devido a publicações, ascendiam socialmente. Entretanto, sabemos da necessidade de determinados padrões para terem a “bênção” dos Cortesãos. Peter Burke apresenta uma análise semelhante sobre esse aspecto:

Poder-ser-ia dizer que o salão se tornou o lugar central para a exibição da civilidade, substituindo a Corte, da mesma forma que a Corte (como sugerido no capítulo 1) havia substituído o monastério e o campo de batalha como o ambiente no qual um novo sistema de valores era formado e difundido.504

Assim, o espaço do salão constitui uma forma de comportamento e definição de posicionamentos não só de “civilidade”, mas também política e, de certa maneira, economia. Entretanto, estabeleciam determinados limites a serem respeitados, caso contrário poderiam cair nos frequentadores punições e afastamentos.505

Os salões, como dito, eram organizados pelas mulheres dos grandes senhores. Em Armance, temos a senhora de Bonnivet, em O vermelho e o negro, a marquesa de La Mole e em Lucien Leuwen, a Sr. de Hacquincourt e Sra. de Chasteller.

O marquês era perfeito para a mulher; cuidava para que seu salão estivesse suficientemente guarnecido; não de pares, ele achava que os novos colegas não eram bastante nobres para virem à sua casa como amigos, e não tão divertidos para serem admitidos como subalternos.

Foi só bem mais tarde que Julien penetrou esses segredos. A política dirigente, assunto de conversa das casas burguesas, não é abordada nas da classe do marquês senão nos momentos de aflição.

Mesmo neste século entediado, tamanha é ainda a necessidade de divertir-se que, inclusive nos dias de jantares, todos debandavam assim que o marquês deixava o salão. Contanto que não se falasse mal de Deus, nem dos padres, nem do rei, nem das pessoas distintas, nem dos artistas protegidos pela Corte, nem de tudo que está estabelecido; contanto que não se falasse bem nem de Béranger, nem dos jornais da oposição, nem de Voltaire, nem de Rousseau, nem tudo o que se permite quem não tem papas na língua; contanto, principalmente que jamais se falasse de política, podia-se discorrer livremente sobre tudo.

Não há cem mil escudos de renda nem condecoração que possam lutar contra essa carta de princípios de salão. A menor ideia viva parece uma grosseria. Apesar do bom tom, da polidez perfeita, da vontade de ser agradável, o tédio lia-se em todas as faces. 506 [grifos meus]

504

BURKE, Peter. As fortunas d’O Cortesão. . p.,137.

505 Cf.: DARNTON, Robert. Boêmia Literária e Revolução: O submundo das letras do Antigo Regime. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

506

Nesta citação de O vermelho e o negro percebo uma severa crítica aos assuntos que poderiam ser abordados pelos debates no interior desses ambientes. E, nesse aspecto, encontra-se o desapontamento para com esses ambientes, anteriormente marcados pela possibilidade de coexistirem “pensamentos contraditórios”. No século XIX, tal qual posto por Stendhal, vemos os antigos lugares de discussão reduzidos a espaços submetidos a uma normatização, pela “carta de princípios”. No ambiente de Nancy de Lucien Leuwen, a sociedade “carlista” interdita aspectos de discussão em seus salões, como as questões políticas, por exemplo. A cidade, caracterizada como conservadora e leal aos Bourbons, impedia aos integrantes dos salões a livre discussão de determinados assuntos e de imprensa. Assim, o enfado destacado por Erich Aurbach sobre os salões pode ser compreendido dentro de um contexto histórico e social no qual o estabelecimento de severas restrições era apontado, como nos dois romances.507 Concordo com Auerbach que o enfado, na obra stendhaliana, poderia ser proveniente desses ambientes caracterizados pelos “interditos” sociais apresentados na contextualização.508

De forma “implícita”, Stendhal reconstituía esses ambientes da França de seu período para caracterizar o sentido histórico de sua obra e a restrição posta para os frequentadores dos salões. 509 O impedimento de discutir autores como Rousseau e Voltaire, mesmo que lidos pela aristocracia, mostra um cerceamento de pensamentos, ponto combatido por Stendhal. O aspecto interessante no salão para Stendhal era a possibilidade de agrupar pensadores diferentes. Porém, devido ao “enfado” do século XIX, o debate dos “homens de letras” foi cerceado nos salões, as opiniões e pontos de vista passaram a sofrer censuras, para pertencer a esse ambiente, deveria se adequar a algumas características impostas. A sociabilidade deles agora se restringia à rede de favores que poderiam ser obtidos pelo seu posicionamento nem sempre condizente com as suas reais percepções e ideias expostas.

Esse aspecto, notado em O vermelho e o negro, assume a mesma caracterização em Armance. Os salões da Sra. de Bonnivet são espaços de alcance dos intentos sociais e políticos. Stendhal, explicitando essa forma de postura política e social, colocava em

507 AUERBACH, Erich. A mansão de La Mole. In: ______. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.

508 Não digo com esse posicionamento, conforme já brevemente citado, que os salões do período da Restauração não apresentaram debates e discussões opositoras aos Bourbons. Meu ponto de análise centra-se na forma como Stendhal optou por representar essa questão em sua obra, tal ponto pode explicar inclusive uma pungente crítica em que se mostrava uma tentativa de controle e monitoramento das discussões dos salões, sem contudo obter êxito.

509 Cf.: GINZBURG, Carlo. A áspera verdade – um desafio de Stendhal aos historiadores. In: ___________. O Fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

discussão tais espaços por serem marcados, no século XIX, por interesses individuais e não pela discussão de ideias.

No começo do enredo de Armance, é visível a intenção do autor de caracterizar esse ambiente como influente nas decisões políticas e econômicas. A Sra. de Bonnivet, personagem responsável pelo principal salão do romance, influencia de forma decisiva seu marido, o “hábil Cortesão”. O personagem Sr. de Bonnivet aparece de forma muito breve no romance, apenas com a menção de ser próximo ao monarca e poder interferir junto a ele, pois era “quase tão estimado pelo rei como aquele gentil almirante de Bonnivet, seu avô, que arrastou Francisco I a cometer tantas loucuras, mas das quais ele próprio se puniu com extrema nobreza”.510

A possibilidade de se alcançar benefícios do monarca por interferência de personagens próximos ao regente era o âmago da crítica de Stendhal em Armance, em meu entender. Isso se assemelha ao posto em O vermelho e o negro na seguinte passagem:

Julien ficou sabendo, por um dos aduladores, que não fazia ainda seis meses que a sra. de La Mole recompensara uma assiduidade de mais de vinte anos fazendo governador o pobre barão Le Bourguignon, vice-governador desde a Restauração. 511 [grifos meus]

Tanto a Sra. de Bonnivet quanto a de La Mole ilustram, dessa maneira, como podem influenciar as decisões políticas tomadas por seus maridos. Isso se constituiu como uma espécie de “retrato” da influência e do “capital social e cultural” desempenhado pelas mulheres na sociedade de salão.512 Na passagem de O vermelho e o negro, vemos retratados os bajuladores, que, sabendo das relações necessárias para obterem vantagens, utilizavam-se dos espaços para alcançarem seus intentos, estando inseridos dentro da proteção dos La Mole.

Aqui, novamente, o entrecruzamento entre a vida e obra do autor auxilia o entendimento do panorama adotado por Stendhal. Como já dito, sendo filho de uma alta burguesia de Grenoble, próximo de um dos ministros de Bonaparte e funcionário do Estado francês, o autor frequentou esses mesmos ambientes, repletos de aduladores. Mas, entendendo a necessidade de vincular-se às “cabalas”,513 Stendhal, provavelmente, conviveu com esse

510 STENDHAL. Armance: p., 20.

511 STENDHAL. O vermelho e o negro. .p.259. 512

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. 10º ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.

513 Cf.: LADURIE, Emmanuel Le Roy. Saint Simon ou o sistema da Corte. Tradução de Sérgio Guimarães. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

tipo de integrantes do salão e fez as críticas apontadas mais acima, conforme já pontuado no capítulo 2. 514

O que pretendo demonstrar com essa breve digressão é que Stendhal pode ter tomado de suas próprias experiências para retratar o existente em suas obras “ficcionais”. Consciente das questões de uma “sociedade de salão”, Stendhal inseriu em suas obras essa característica do enfado e a necessidade dela para alcançar algumas aspirações políticas.

Há ainda, nas obras de Stendhal, espécies de “cabalas”515 promovidas pelos salões, como podemos detectar. Frequentar os salões dos Bonnivet e de La Mole poderia ser uma garantia de conseguir cargos. As grandes damas concentrariam, ao seu redor, frequentadores que ansiavam por receber determinados “favores”. Ao saber disso, levariam aos esposos figuras próximas ao monarca, ministros inclusive, pedidos para cargos apresentados, de acordo com a conveniência, ao governante. Dessa maneira, poderíamos notar duas cabalas estabelecendo suas áreas de influência: a dos salões e a do monarca. Cabe destacar que o mesmo é válido para A Cartuxa de Parma, pois o Conde Mosca frequentava os salões de Gina

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