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OS SERVIÇOS PÚBLICOS E O MERCADO EDUCACIONAL SUPERIOR PRIVADO

4. ELEMENTOS CHAVES NA REGULAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR PRIVADO

4.1. OS SERVIÇOS PÚBLICOS E O MERCADO EDUCACIONAL SUPERIOR PRIVADO

Razões históricas, seja numa abordagem histórica marxista ou visão contemporânea na perspectiva do Estado do Bem-Estar Social revelam que o Estado assumiu a responsabilidade de prover serviços públicos no intuito de corrigir distorções, deficiências, desigualdades, e preencher lacunas, ofertando serviços, onde não havia o interesse do Mercado, sobretudo, no intuito de viabilizar o acesso e promover a equidade social.

Nesta fase histórica, observada com todos os seus fundamentos na Europa, serviços públicos incorporam uma série de ações, atividades, funções e programas sociais reforçando conquistas sociais e ampliando o espectro dos direitos de cidadania e da justiça social. No Brasil também ocorre o fenômeno de proliferação de serviços públicos, todavia, dissociado dos fundamentos do Estado de Bem-Estar Social, pois as condições políticas, econômicas e sociais do país, não permitiram a implementação do modelo na sua integralidade. Houve avanços históricos nos aspectos previdenciários, na saúde pública, nos serviços de infraestrutura nos grandes centros - água encanada, luz, esgoto - em questões trabalhistas e na universalização do ensino fundamental. Mas o “conceito”, ou melhor, a ideia de que o “Estado tudo pode, tudo deve fazer...” atendendo a todas as necessidades da população se firmou.

Com as sucessivas crises do Estado e as necessárias reformulações políticas e administrativas do século passado, em especial, a Reforma do Aparelho do Estado, ficou claro que o modelo do Estado Provedor estava esgotado. Nesse contexto, insere-se a revisão conceitual de serviços públicos, que, anteriormente, nas palavras de Fadul (In: PECI, 2007, p.12):

[...] procuravam corrigir as deficiências, carências e inaptidões do mercado, mas, acima de tudo, buscavam minimizar desigualdades, atenuar tensões ligadas às diferenças de condições econômicas e sociais, gerando externalidades positivas, desenvolvendo uma capacidade integradora e procurando satisfazer objetivos de solidariedade.[...]

Se por um lado serviços públicos associa-se a forma como o Estado estabelece relações com os cidadãos para prover serviços necessários e, por consequência, igualdade de condições de acesso, também, relaciona-se ao fato de que o Mercado não é capaz de suprir ou oferecer os

tais serviços necessários, por isso o Estado seria obrigado a assumir definindo o modo de consumo deste serviço.

Visto por outro ângulo, serviço público estaria na égide do Direito Administrativo, regido pelas diretrizes da esfera pública, e, por isso, criado para ser distinto dos bens e serviços privados submetidos a lógica comercial, sendo, por definição legal “todo aquele prestado pela administração pública ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer a necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado[...]” (FADUL, In: PECI, 2007, p.13).

Outra possível vertente explicativa para os serviços públicos, segundo Nunes (2012, p. 42,43), ao analisar o ensino superior privado como bem público, é considerá-lo um bem quase público, em outras palavras, um bem privado especial, pois, no caso da prestação dos serviços educacionais de nível superior, está claro que os serviços prestados, em que pese as externalidades positivas da educação superior, são divisíveis e seu uso ou aquisição por um cidadão-aluno, necessariamente excluirá o outro e, tal fato, caracteriza um bem ou serviço privado. A caracterização dos serviços públicos, nesta nova lógica, aproxima-se do conceito de utilidade pública, onde o Estado, por intermédio da Administração, reconhece a conveniência - diferentemente de essencialidade e necessidade - de determinado serviço executa-o ou passa a responsabilidade a terceiros para atuação de acordo com regras pré-estabelecidas e monitora e controla a execução, se for o caso.

O conceito do Estado Provedor promovendo, sozinho, equilíbrio social não se sustenta nos dias modernos e esta realidade é extensiva à Educação em todos os níveis. A complexidade e diversidade dos serviços públicos nas sociedades contemporâneas combinados com os recursos orçamentários/financeiros, humanos, e materiais necessários para implementação dos serviços, tornaria inviável a sua execução e, mesmo que tal tarefa fosse viabilizada, o risco de ineficiência da ação estatal é grande, pois além de recursos, são primordiais a inovação, criatividade, sensibilidade social e visão estratégica, entre outros para gerir uma superestrutura governamental.

Tal discussão é longa. Nas lições de Maria Sylvia Di Pietro (2007, p.92,93) existe uma “pretensa crise na noção de serviço público”, uma “mercadorização” real dos serviços que passaram a ter um preço, e usuários, a cada dia, transformam-se em consumidores ou clientes. O processo regulatório parte do pressuposto que uma nova relação é estabelecida entre o Estado, a Sociedade - seja organizada ou não - e o Mercado. Se antes, o Estado assumiu a responsabilidade pelo provimento de serviços, agora o Estado transfere a terceiros que é a

iniciativa privada lucrativa ou não, Mercado e Terceiro Setor, respectivamente, e assume um novo papel, novas funções, e novas atribuições, sendo tudo isso regulação que, entre outros, representa um novo compromisso do Estado com a Sociedade, na defesa da oferta de serviços públicos de qualidade com uma nova lógica de produção de serviços públicos.

A transição de modelo não é fácil, e relativamente a Educação Superior Privada surgem muitas lacunas, pois o Estado, através das Universidades Públicas e IFES, também produz/executa serviços públicos; em outros momentos delega ao Setor Privado a responsabilidade na prestação de serviços públicos. Podemos inferir que essa dualidade de papéis na área educacional superior torna mais difícil a construção de consensos numa nova lógica de produção dos serviços públicos.

As utopias nos ajudam a construir um futuro melhor e mais humanitário, entretanto, utopias não podem anuviar a visão de futuro, muito menos a visão do presente. O comando constitucional é claro: “[...]o ensino é livre a iniciativa privada[...]”27 atendidos alguns condicionantes, sendo este espaço/ambiente onde a regulação deverá atuar, na perspectiva de uma nova relação com os atores sociais e agentes econômicos e uma nova lógica de produção. Mas é preciso atenção, pois se a lógica anterior privilegiava a oferta extensiva de serviços a todos, na nova lógica de mercado a regra é a competitividade e serviços diferenciados. Nesse novo ambiente, a regulação tem um importante papel de trazer equilíbrio nas relações, mantendo os valores de universalização de acesso, solidariedade e interesse público em harmonia com a lógica econômica.

4.2. TERCEIRO SETOR, IMUNIDADE, ISENÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS