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CAPÍTULO I – O CONTRIBUTO DA PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E

1. Os significados do brincar

Desde a revolução romântica do século XVII que se confere, no Ocidente, a construção de uma idealização do brincar que encontra na sapiência da Biologia e da Psicologia do Desenvolvimento, assim como na expansão de bens para a infância, os alicerces de uma definição sociopedagógica da criança, que faz do brincar o suporte essencial para o seu desenvolvimento (Brougère, 1998; & Ferreira, 2004). Consagrado como algo intrínseco à natureza das crianças, o brincar, visto genericamente como uma actividade livre, incerta e imaginativa ganhou direito próprio e universal, tornando-se a definição das definições da infância (Ferreira, 2004).

De acordo com Ferland (2006b), brincar é dominar o ambiente e as próprias acções, visto que a criança define sozinha o tema, o início, o desenvolvimento e o fim da brincadeira. Neste sentido, Leal (2001) afirma que qualquer actividade só pode ser considerada lúdica na medida em que o controlo, a motivação e a realidade sejam

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estabelecidos pelo próprio sujeito que brinca. Cordazzo e Vieira (2007) acrescentam que a brincadeira, quer seja simbólica ou com regras, não tem apenas um carácter de passatempo, pois através dela a criança, sem intencionalidade, estimula uma série de aspectos que contribuem para o seu desenvolvimento individual e social. Apesar deste carácter promotor de desenvolvimento, como elucida Elkind (2004), as crianças precisam de brincar por brincar, além de trabalhar para aprender, porque se os adultos percebem que cada interesse espontâneo de uma criança é uma oportunidade para uma lição, as possibilidades que a criança tem de simplesmente brincar ficam inacessíveis.

Para que aconteça o que Erikson denomina de verdadeiro brincar: o faz-de- conta, é necessário que a criança tenha a capacidade de dar significado, ou seja, apontar algo para o «outro» (Leal, 2001). Este «outro» é um mediador do intercâmbio e receptáculo dos significados partilhados por ambos, no qual há a possibilidade de se fantasiar (Leal, 2001). Georg e Fischer (2006) postulam que a brincadeira indica a forma como a criança se relaciona com o mundo e como esta utiliza os seus sentimentos, dado que o que ela tem dificuldade em exprimir por palavras o consegue fazer através da brincadeira.

Segundo Almeida (2008), a ênfase do brincar está nas crianças de 4 a 8 anos, sendo que esta actividade lúdica é uma parte essencial do desenvolvimento e da aprendizagem social e intelectual. Através das brincadeiras a criança transparece a admiração pelos adultos e vai aprendendo vários comportamentos como, por exemplo, as entoações de voz e os gestos (David, 1977). Com o desenrolar das suas experiências a criança vai-se familiarizando no seu contexto social, sendo que as encenações que faz servem para ensaiar os seus encontros com a vida real (Leal, 2001).

Na perspectiva de Vygotsky (1998) o brincar pode ser classificado em três fases: a primeira fase que se estende, aproximadamente, até aos 7 anos, no qual a criança começa a distanciar-se do seu primeiro meio social representado pela mãe, começa a falar, a andar e a movimentar-se em volta das coisas; a segunda fase caracterizada pela imitação, no qual a criança copia os modelos dos adultos e a terceira fase marcada pelas convenções que surgem de determinadas regras.

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Na óptica de Piaget existem três tipos de estruturas que caracterizam o jogo infantil: o jogo de exercício, que inclui as brincadeiras que são praticadas desde o nascimento até à aquisição da linguagem, tendo como finalidade o próprio prazer do funcionamento (Fantin, 2000); o jogo simbólico que caracteriza a fase da aquisição da linguagem até, aproximadamente, aos 7 anos e que consiste na capacidade da criança para usar representações mentais como palavras, números ou imagens, às quais a criança atribui um significado (por exemplo, uma boneca pode representar uma criança) (Papalia, et al., 2001) e o jogo de regras, praticado a partir dos 7 anos e que envolve os jogos transmitidos de geração em geração (Fantin, 2000).

De acordo com Elkonin (1998), todos estes tipos de jogos se assemelham, na medida em que são formas de comportamento nas quais predomina a assimilação, a sua diferença reside em que a realidade, em cada etapa do desenvolvimento, é compreendida de modo diferente. Desta forma, Piaget sintetiza “todas as suas considerações relacionadas com a forma simbólica de maior interesse para nós, na fórmula: jogo simbólico é o pensamento egocêntrico puro” (Elkonin, 1998, p. 177). Enquanto que Piaget fala do jogo simbólico, Vygotsky fala do faz-de-conta, pelo que podemos dizer que estes termos são correspondentes (Almeida, 2008).

Cordazzo e Vieira (2007) nomeiam alguns autores como, por exemplo, Negrine, Friedmann, Baptista da Silva, Biscoli e o próprio Vygotsky, referindo que estes não fazem distinção semântica entre os conceitos jogar e brincar, utilizando-os para designar o mesmo comportamento: a actividade lúdica. Entretanto, Larizzatti (2005) refere que existe uma linha muito ténue que diferencia a brincadeira do jogo: a brincadeira é simbólica e o jogo funcional, ou seja, enquanto a brincadeira tem a característica de ser livre e ter um fim em si mesma, o jogo inclui a presença de um objectivo final a ser alcançado, a vitória, este objectivo pressupõe o aparecimento de regras pré- estabelecidas. Contudo, apesar destas regras, geralmente, chegarem prontas às mãos da criança, esta tem liberdade e flexibilidade para aceitá-las, modificá-las ou simplesmente ignorá-las (Larizzatti, 2005). Contrapondo esta ideia de que brincar é uma actividade livre e o jogar uma actividade que engloba regras, mas passíveis de serem alteradas ou eliminadas, Vygotsky (1998) afirma que todo o tipo de brincadeira, mesmo sendo livre e não estruturada, está embutida de regras, que conduzem o comportamento das

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crianças. Por exemplo, uma criança que brinca com as suas bonecas a fazer de conta que é a mãe delas, assume comportamentos e posturas pré-estabelecidas pelo seu conhecimento da figura materna. Assim, se as regras de um jogo podem ser moldadas conforme as preferências das crianças e se ao brincar a criança deposita o seu conhecimento sobre as normas sociais que a rodeiam, podemos considerar que o brincar e o jogar são conceitos que reflectem a mesma actividade. Posto isto, no presente trabalho não faremos a distinção entre brincar e jogar, reportando-nos, preferencialmente, ao primeiro conceito.

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