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Os Silêncios do Congresso Constituinte

2. Uma Corte Republicana?

2.3 Os Silêncios do Congresso Constituinte

Desde os primeiros dias do novo regime, apressaram-se os partidários da República liberal em garantir a pronta convocação e instalação de uma Assembleia Constituinte, evitando- se assim o prolongamento de uma semiditadura militar sob o comando de Deodoro da Fonseca.160 Ademais, a adoção de uma forma constitucional para a República nascente era tida

por muitos – em especial, por Rui Barbosa e Quintino Bocaiúva, membros do Governo Provisório à frente das pastas da Fazenda e das Relações Exteriores, respectivamente – como condição sine qua non ao reconhecimento definitivo do regime perante a comunidade internacional.161

Instalado no dia 15 de novembro de 1890, o Congresso Nacional Constituinte contou com uma duração relativamente curta, vindo a encerrar os seus trabalhos já em 26 de fevereiro de 1891.162 A propósito, destacava Carlos Maximiliano Pereira dos Santos que “o Congresso

160 Observação comum aos analistas contemporâneos era a de que “só pela Constituinte, recuperará a nação a posse de si mesma, lançando em terreno firme, as bases de sua prosperidade futura”, sendo este “o antídoto contra os perversos efeitos da ditadura”. In: RIBEIRO, João Coelho Gomes. A Gênese Histórica da Constituição Federal: subsídio para sua interpretação e reforma (os anteprojetos, contribuições e programas). Rio de Janeiro: Oficinas Gráficas da Liga Marítima Brasileira, 1917; p. 141-168.

161 Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno apontam que, malgrado as nações americanas tenham reconhecido “com aplaudo e solidariedade o novo regime”, o reconhecimento oficial da nova República pelas grandes potências mundiais imprescindiria da estabilização do quadro político interno. No caso dos Estados Unidos, o secretário de Estado Blaine, já em 20 de novembro de 1889, “considerava a República fato consumado e manifestava a intenção de reconhecer imediatamente o novo governo”. Não obstante, “havia o receio de que a mudança de regime fosse decorrência de simples quartelada, sem apoio da vontade nacional”. A Inglaterra, por sua vez, “aceitou a República como fato consumado, mas protelou o reconhecimento formal a fim de evitar ato precipitado. Por isso preferiu aguardar a estabilização do quadro político interno, adotando uma atitude legalista e, ao mesmo tempo, cautelosa que recomendava observar a reunião do Congresso Constituinte, bem como o desenvolvimento de seus trabalhos”. Tanto é que, apenas com a realização da primeira sessão do Congresso Constituinte, no primeiro aniversário do novo regime, “o ministro britânico Salisbury determinou que os navios de guerra saudassem a bandeira do Brasil, atitude que, na prática, significava seu reconhecimento, embora, formalmente, ele só tenha ocorrido em meio de 1891”. In: CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. 3ª ed. Brasília: Ed. UnB, 2008; p. 151-154.

162 A propósito da composição do Congresso Constituinte de 1890/1891, Elio Chaves Flores assim escreve: “Sua composição refletia, de certa forma, os grupos e ideias correntes em torno da organização do Estado e da governança republicana. Havia os históricos, assim denominados por defenderem a República desde os tempos da

Constituinte trabalhou pouco mais de três meses”, predominando entre a maioria de seus membros “o empenho em concluir o quanto antes a difícil tarefa, sendo a voz dos oradores constantemente abafada por gritos significativos de votos, votos! dados pelo presidente da Casa”.163 Também a imprensa fluminense exigia, em editoriais, que o Congresso Constituinte

acelerasse a conclusão dos trabalhos no afã de que o país enfim retornasse à normalidade política e institucional. Na edição de 29 de novembro de 1890, o jornal O Paiz assentava que a Nação “exigia com império, sem hesitações, sem discussões vãs, o complemento de sua reconstrução definitiva”.164 Uma semana antes, em 23 de novembro, o editorial do Diário de

Notícias opinava que “o Congresso podia em 20 ou 30 dias aprovar a Constituição e fazer desaparecer a ditadura”.165

Nesse ambiente, da análise dos Anais do Congresso Constituinte de 1890/1891, verifica- se que a questão vastamente debatida durante o Governo Provisório (não apenas, mas especialmente a partir dos trabalhos da Comissão dos Cinco) no que diz respeito à fixação das competências do Poder Judiciário republicano e de seu órgão de cúpula não chegou a causar comoção entre os constituintes. Cuida-se, a propósito, de avaliação igualmente compartilhada por autores como Andrei Koerner, segundo quem “a discussão na Constituinte sobre o Supremo Tribunal Federal não se deu sobre a questão do controle judicial da constitucionalidade”:

[...] as novas atribuições políticas do Poder Judiciário não foram temas polemizados durante a Constituinte. Quanto ao STF, a lacuna manifesta-se especialmente em relação ao seu poder de declarar a inconstitucionalidade das leis e, com isso, o papel do novo órgão para garantir o predomínio da Constituição na esfera dos direitos individuais contra os atos dos outros poderes políticos.166

De toda sorte, a despeito dos silêncios do Congresso Constituinte a respeito da essência teórica do que viria a ser o Supremo Tribunal Federal, não desprezíveis foram os debates e as

propaganda e do Manifesto de 1870; os adesistas, que passaram a ser desdenhados como republicanos de “undécima hora” ou de “16 de novembro”; e, não menos expressivos de uma transição, havia muitos monarquistas que retornavam ao Poder Legislativo com poderes especiais de constituintes republicanos. Alguns números são significativos dos segmentos sociais mais atuantes: 128 eram bacharéis, muitos do quais filhos e representantes da classe senhorial e proprietária de terras; 55 eram militares, oriundos dos centros urbanos e dos setores médios da população; 38 eram monarquistas convictos que haviam exercido cargos na Monarquia decaída”. FLORES, Elio Chaves. A consolidação da República: rebeliões de ordem e progresso. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Orgs.). O Brasil republicano (vol. 1): o tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro. Ed. Civilização Brasileira, 2003; p. 54-55.

163 MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição Brasileira de 1891 (1918). Brasília: Senado Federal, 2005; p. 89.

164 Jornal O Paiz. Rio de Janeiro; edição de 29 de novembro de 1890. 165 Jornal Diário de Notícias; editorial de 23 de novembro de 1890. 166 KORNER, Op. Cit.; p. 176.

proposições sobre a forma da organização da Justiça republicana – sempre partindo daquele que pode ser facilmente identificado como o cerne do debate constituinte de 1890/1891: a forma federal a ser adotada na República em lapidação. Isso porque, com a instauração do novo regime, pode-se dizer que o ideal federativo adquiriu contornos irresistíveis, aparecendo indissoluvelmente ligado à própria ideia de República e de descentralização, em contraponto à narrativa e ao discurso do unitarismo associado ao regime monárquico centralizado (ainda que se saiba que o Brasil Imperial não poderia ser tido, na prática, como um exemplo perfeito de Estado Unitário).167

Nada mais compreensível, aliás, se retomarmos a sentença inaugural das considerações ao Manifesto Republicano de 1870, segundo a qual, “no Brasil, antes ainda da ideia democrática, encarregou-se a natureza de estabelecer o princípio federativo”.168 Ou, ainda, se

nos fiarmos nas palavras proferidas por Rui Barbosa um mês antes da proclamação da República no sentido de que “ou a monarquia faz a federação, ou o federalismo faz a república”.169

Dentro dessa ideia, Américo Freire e Celso Castro observam, tal qual amplamente apontado pela historiografia, que “o tema da relação entre o poder central e os estados” deve ser entendido como o “verdadeiro ‘coração’ da primeira carta republicana”.170 Igualmente, em

tentativa de identificar alguma ordem no processo constituinte de 1890/1891, Renato Lessa observa que “o tema da organização federalista ocupou o lugar central nos debates”, de modo que “a partir dele derivaram temas correlatos, tais como a discriminação de rendas entre União e Estados, organização do Direito e da Magistratura e organização dos Estados e Municípios”.171

167 SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. Republicanismo e Federalismo (1889-1902): um estudo da implantação da República no Brasil. Brasília: Senado Federal, 1978; p. 48.

168 Publicado em 3 de dezembro de 1870, no jornal A República, o Manifesto Republicano foi a primeira declaração formal do movimento republicano. Nesse documento, além da crítica aos criticando os privilégios e a falta de legitimidade e de representação do sistema político imperial, seus signatários denunciavam especialmente os problemas relativos à excessiva centralização do poder imperial e às atribuições do Poder Moderador. A propósito, cf.: PESSOA, Reynaldo Carneiro. A ideia republicana no Brasil através dos documentos. São Paulo: Alfa-Ômega, 1973.

169 MARTINS, Wilson. História da Inteligência Brasileira. Vol. IV: 1915-1933. São Paulo: Ed. Cultrix, 1978; p. 351.

170 FREIRE, Américo; CASTRO, Celso. As bases republicanas dos Estados Unidos do Brasil. In: GOMES; PANDOLFI; ALBERTI (coord.) A República no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, CPDOC, 2002; p. 35.

171 LESSA, Renato. A Invenção Republicana: Campos Salles, as bases e a decadência da Primeira República brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ, 1988; p. 63.

Com efeito, a própria divisão de forças no seio da Assembleia Constituinte – indispensável à correta compreensão dos trabalhos que nela se seguiram – é comumente realizada justamente a partir da posição dos congressistas com relação ao “grau de federalismo” a ser adotado no texto constitucional. A propósito, Renato Lessa aponta a existência de duas correntes doutrinárias principais na Assembleia Constituinte: de um lado, os defensores de um “hiperfederalismo”, partidários de propostas como a proibição de um exército nacional permanente, do direito dos estados a possuírem marinha de guerra, da ampla liberdade de emissão de títulos pelos estados e da pluralidade do Direito e da Magistratura sob o lema de que “os Estados eram a realidade, a União, a ficção”; de outro, os defensores de um “federalismo domesticado”, simbolizados por Renato Lessa na figura de Rui Barbosa e sua preocupação com a construção de uma solução constitucional que atendesses aos reclamos descentralizadores, evitando, contudo “o apetite desvairado e doentio dos ultrafederalistas”, tido como um convite aos excessos que poderiam levar a República ao separatismo e à cizânia.172

Aliás, já no seio das discussões constituintes, previa o senador Saraiva que a cisão verificada no seio do Congresso Constituinte acabaria por levar à criação de dois partidos a polarizar a vida política republicana, a saber, o Federalista e o Unionista:

Isto que aqui está se formando, vai ser o tipo dos partidos futuros, isto é, o partido federalista, que respeita muito a União, mas que não lhe dará senão o que for estritamente necessário para sua vida, e o partido unionista que dirá: damos à União tudo quanto for preciso, mas o que houver para desperdiçar, desperdiçaremos nós.173

Nesse ambiente, como observado, não há como dissociar o debate sobre o federalismo da discussão a propósito da dualidade da Justiça e da Magistratura no bojo do Congresso Constituinte. Cuida-se, a propósito, de realidade perceptível a partir da análise dos primeiros trabalhos constituintes.

Em 22 de novembro de 1890, exatos sete dias após abertura do Congresso Constituinte na data do aniversário de um ano da Proclamação da República, foi eleita comissão especial

172 Idem; p. 64.

173 BRASIL. Anais da Constituinte de 1890; v.1; p. 341. Em sentido semelhante, escrevia Oliveira Torres, nos idos da década de 1960 do século XX, que “na magna assembleia, existiam dois partidos, ambos federalistas e republicanos. Havia, porém, dois tipos de federalistas, os ‘clássicos’ e os ‘românticos’. Poderíamos igualmente adotar outros nomes: partido federalista e partido estadualista. Bem apuradas as contas, o que havia na Constituinte era um partido estadualista exagerado e um partido estadualista moderado.” In: TORRES, João Camilo de Oliveira. A Forma do Federalismo no Brasil. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1961; p. 155.

sob a relatoria de Júlio de Castilhos, cujo objetivo residiria na elaboração de parecer opinativo sobre o projeto de Constituição apresentado pelo Governo Provisório, tendo sido denominada “Comissão dos Vinte e Um” em virtude do número de seus membros, representantes de cada um dos Estados e do Distrito Federal.174

Dentre as emendas incialmente sugeridas por seus membros foi aprovada, na sessão 5 de dezembro do mesmo ano, por nove votos contra oito, emenda substitutiva de autoria do deputado Amphilophio de Carvalho ao artigo 54 e seguintes do projeto de Constituição, que tratavam justamente da organização judiciária dualista da nova República – reforçada, como dito, pela edição do Decreto nº 848 de 1890.

De acordo com o parecer votado, “nesta parte a Constituição labora em uma inexplicável contradição, admitindo ao mesmo tempo dois princípios antagônicos, o da unidade do direito e o da dualidade do Poder Judiciário”. Afinal, prossegue o parecer, inviável seria a manutenção da unidade jurídica acaso os tribunais superiores dos estados julgassem em última instância, aplicando e interpretando soberanamente as leis do direito privado: “a falta de um centro, a que esses tribunais se subordinem, trará fatalmente como consequência a diversidade no direito e, portanto, a destruição dessa mesma unidade, que o legislador teve em vista e que ficará sendo um ideal irrealizável”.175 Segundo a justificativa da emenda, redigida por

Amphilophio de Carvalho, cuidar-se-ia de contradição que não seria verificada na Constituição dos Estados Unidos da América, “que nesta parte serviu de modelo ao sistema ora impugnado, pela razão óbvia de que ali a pluralidade da magistratura é uma consequência lógica da diversidade de legislações civis e criminais”.176

Noutro giro, negando a possível conclusão eventualmente extraível do reconhecimento da contradição acima indicada, apressou-se o referido parecer em advertir que a unidade do Poder Judiciário não seria incompatível com a índole do regime federal, tomando, por exemplo, as experiências europeias, em especial a da Federação Alemã, que, “em matéria de organização

174 Foram eleitos para compor a comissão os congressistas Manoel Machado, Lauro Sodré, Casemiro Júnior, Theodoro Pacheco, Joaquim Catunda, Amaro Cavalcanti, João Neiva, José Hygino, Gabino Resouro, Oliveira Valladão, Virgilio Damasio, Gil Goulart, Bernardino de Campos, Láper, Ubaldino do Amaral, Lauro Müller, Julio de Castilhos, João Pinheiro, Lopes Trovão, Leopoldo de Bulhões e Aquilino do Amaral. In: BRASIL. Anais da Constituinte de 1890; v.1, p. 354.

175 BRASIL. Anais da Constituinte de 1890; v.1, p. 362. 176 Idem.

judiciária [...] tem unificado o seu direito e constituído os tribunais sob as bases de um só código de organização judiciária, sujeitando-os ao Supremo Tribunal Federal”.177

A solução aventada por Amphilophio de Carvalho procurou, então, combinar a “descentralização com a unidade judiciária”, adaptando a organização judiciária à “nova ordem de coisas”. Nesse desenho institucional proposto, cada unidade federativa contaria com um Tribunal de Apelação, custeado pela União, cujos membros seriam escolhidos dentre os magistrados de primeira instância; o Supremo Tribunal Federal, por sua vez, “além das funções declaradas na Constituição”, teria outrossim as de um Tribunal de Cassação, velando pela uniformização da interpretação do direito emanada dos Tribunais de Apelação estaduais.

Para tanto, o Supremo Tribunal Federal deveria ser composto, a uma, “de tantos membros quantos forem os tribunais de apelações dos estados, sendo cada um deles tirado de um desses tribunais, por ordem de antiguidade”, e, a duas, “de mais um terço de juízes nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado, dentre os cidadãos que tiverem os requisitos de idoneidade exigidos por lei federal”.

Em suma, o órgão de cúpula do Poder Judiciário congregaria não apenas a função de órgão jurisdicional afeto à revisão das decisões emanadas dos tribunais inferiores, em sede de recurso, mas também ostentaria um desiderato político relacionado à solução dos “conflitos e questões de ordem constitucional e administrativa”, em sede originária, conforme admitido pelo parecer elaborado.178

No dia posterior à aprovação da emenda pela Comissão, porém, o Jornal do Commercio publicou nota na qual qualificou a inovação proposta como “um tanto obscura e prolixa”179, indicando o futuro não muito promissor da sugestão de emenda inicialmente

aprovada pela Comissão dos Vinte e Um.

Não tendo sido a emenda aprovada em segundo escrutínio, seu autor, o já mencionado deputado Amphilophio de Carvalho, elaborou voto em separado quanto ao Poder Judiciário. Além disso, pediu a palavra para externar publicamente a sua discordância com relação ao

177 Ibidem; p. 362-363.

178 Segundo o parecer elaborado e votado pela Comissão responsável pela análise do projeto de Constituição enviado ao Congresso pelo Governo provisório, “a competência desse Tribunal para decidir conflitos e questões de ordem constitucional e administrativa justifica o modo de sua formação com um terço de juízes que não se tenham exclusivamente aplicado ao estudo do direito privado”. In: BRASIL. Anais da Constituinte de 1890; v.1, p. 363.

projeto de Constituição enviado pelo Governo Provisório. Segundo Amphilophio de Carvalho, “destruindo completamente o sistema da antiga organização judiciária do país”, o projeto apresentado nada mais seria do que mera cópia do desenho institucional argentino (“aquela República, que de Federação só tem o nome”), ignorando a organização judiciária adotada em outras federações, como a americana, a suíça e a alemã, tidos como “povos mais adiantados da mesma forma de governo”.180

Em manifestação expressamente direcionada ao Ministro da Justiça, Campos Sales, o deputado constituinte observou estar na assim denominada “dualidade da Justiça” (a “dualidade de magistrados, uns da União, outros dos Estados”) o grande erro do projeto apresentado pelo Poder Executivo. Tomando por base a exposição de motivos da Lei de Organização Judiciária, de 11 de outubro de 1890, redigida por Campos Sales, indicou o congressista que a escolha pela “instituição de juízes especiais para os estados” residiria no “falso suposto de uma soberania dos estados, distinta da soberania nacional”. Lançando mão de intermitente referência à organização federal dos Estados Unidos da América, especialmente quando expõe a diferença entre os modelos da Federação e da Confederação, defendeu que os estados jamais poderiam ser tidos por soberanos, pois, “nos governos federais, uma é a Nação, uma só a soberania, e esta sempre indivisível, porque é a suprema potestas”.181

Mais adiante, Amphilophio de Carvalho observou que sequer a “existência de juízes nomeados pelos governos de estados federados” poderia induzir à conclusão distinta. Em tom de chiste, consignou que, “se ter uma magistratura importa em soberania, e se em nome desta é que se pretende uma magistratura especial para os estados da Federação do Brasil, então digamos que são por igual soberanas as colônias e muitas das sessões do Reino-Unido”, ao observar que quase todas as colônias da Inglaterra possuem juízes por elas nomeados para aplicar suas leis de direito privado.182

Para o congressista, o projeto apresentado padeceria de contradição interna tamanha que jamais poderia ser aprovada pelo Congresso Constituinte. Segundo seu raciocínio, a existência, nos Estados Unidos da América, de uma magistratura federal distinta da dos estados apenas faria sentido porque estes, quando da formação da Federação, “conservaram sua antiga competência para legislar sobre o direito privado”. No entanto, prosseguiu, “segundo o projeto que discutimos, só o Congresso, só o Poder Legislativo federal tem competência para elaborar

180 BRASIL. Anais da Constituinte de 1890; v.2, p. 63. 181 Idem; p. 63.

leis de direito privado”; assim, indagou “porque não há de ser federal toda a magistratura do país, quando as leis que ela terá de aplicar são todas federais, todas procedentes do Poder Legislativo Federal?”.183

Vê-se que Amphilophio de Carvalho parte do pressuposto de que o Poder Judiciário só existiria se conjugado com o poder de legislar, não fazendo sentido que os entes da federação dispusessem de juízes sem contarem com a possibilidade de legislar, isto é, de elaborar as leis que esses mesmos juízes deveriam aplicar. Da leitura do extenso discurso proferido por Amphilophio de Carvalho, cujos breves fragmentos ora selecionados limitam-se a pincelar seus argumentos centrais, verifica-se que a questão central – que, diga-se, repete-se em inúmeras discussões ao longo de todo o processo constituinte – gira em torno da definição de Estado Federal a ser adotado pela nova República e, nesse particular, da organização de esferas judiciárias distintas, uma estadual, outra federal.

Embora a menção ao Supremo Tribunal Federal não apareça a todo o momento, sendo impossível identificar a questão atinente ao seu funcionamento como central nas discussões travadas no Congresso Constituinte, é certo que a exata compreensão do que deveria ser o Federalismo republicano impactou diretamente na definição da posição da Suprema Corte no quadro institucional brasileiro. Um indicativo disso pode ser encontrado ainda no discurso de Amphilophio de Carvalho, quando, ao final de sua exposição, traz à discussão o modelo federal alemão:

A Federação da Alemanha é perfeita, correta, e seus estados gozam da máxima autonomia. A Alemanha tem seus juízes de primeira instância, distribuídos pelos

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